quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Adeus Júlio, força querida Soledade


Eram assim as Camélias do meu jardim do Carvalhido. Seriam elas que gostaria de levar ao Júlio.

Queria estar aí contigo, abraçar-te muito, levar flores de saudade ao Júlio. De uma certa forma estou. Tenho pensado muito em ti, amiga.
Este ano e tal foi uma luta horrível para ambos e para a vossa filha.
É muito tempo. O Júlio teve força para lutar, porque tu, mulher forte e valente, estavas lá. Porque a vossa filha estava lá.
Agora, amiga, vais ainda passar dias muito dolorosos. Unam-se as duas na vossa dor comum, que mais ninguém pode partilhar. Estou certa de que era isso que o Júlio queria.
Não tenho jeito para frases feitas. Acho que não aliviam nada. Por isso, envio para as duas um grande abraço, beijos e toda a amizade de que sou capaz. Para ti Júlio, um beijo de despedida e o desejo de que repouses como mereces.
Da vossa
Maria

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Alerta Patos Bravos!

Ontem, entre muita coisa, deram-me um livro que adorei. Fala dos primeiros Patos Bravos, mostra inúmeras casas de Lisboa feitas por eles.
Li e vi o livro até bem tarde.
O violento tornado que assolou a minha terra fez-me ficar acordada, pensando nos meus patrícios que ficaram sem casa, no Jardim Escola que tão bem conheci, nas árvores arrancadas. Depois de os homens começarem a estragá-la e deixar degradar, faltava o Tornado para completar a obra.
Já não há Patos Bravos, meus amigos? Vieram todos para Lisboa?
A nossa terra e a nossa gente precisam de vós.
Fiquei tão triste que o simples facto de fazer anos ontem, que nasci aí, me magoou.
Ajudem a nossa terra a voltar ao esplendor de antigamente. Vai ser preciso o trabalho e a ajuda de todos.
Senhores políticos, Tomar não é só o Convento e os Tabuleiros. É uma cidade com História, além de ser povoada por gente que sofre e precisa de casas, de comida, de muito amor.
Até um dia destes.

Peço desculpa a Pedro Fernandes e ao Templário, por ter usado um vídeo vosso. Grande abraço para toda a equipa do jornal

Maria

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Mulheres

Conheci-a nova. Não muito alta, não muito gorda, um rosto bonitinho, onde uns olhos azuis claros tinham por vezes um olhar vago. Muito loira, a pele branca. Era simpática mas, às vezes, havia qualquer coisa estranha. Casada, dois filhos, loiros como ela. O marido, relojoeiro, teve sempre um ar de quem comeu e não gostou, antipático, quase não falava a ninguém, a não ser para discutir quando estava quente do vinho. Era bruto com ela e com os putos. Eles mostravam medo do pai.
Ela fazia o trabalho de casa, fazia as compras, criava os filhos.
Cada vez estava mais apática, um olhar vago, uns modos estranhos. Alguém descobriu que se estava a tratar no Júlio de Matos. Caridosamente, começaram a referir-se-lhe como “Maria maluca”. Cada vez falava menos, fechava-se em casa, o filho mais velho, relojoeiro como o pai, saiu de casa. O mais novo, já um pouco desequilibrado, meteu-se na droga. Um dia perguntei ao homem como estava a mulher, que já não via há tempos. Que estava no hospital, maluca de todo. Brutalmente, sem um pouco de pena. Ele é que era a vítima!
Reformou-se, passando a vida no tasco. Um dia teve uma trombose. Quando veio para casa mal andava. Ao 2º ataque ficou totalmente incapacitado. Agora a “Maria maluca” vai todos os dias a uma associação de reformados buscar a comida dele, dela e do filho. Leva mais de meia hora a andar 50 metros. Gorda, desfigurada, doente, arrasta o saco pela rua, parando de 2 em 2 passos. Ele está acamado, o filho fuma o dia todo, tabaco e droga. Ele não quer ajudas de ninguém. E é a mulher, que um dia foi bonitinha e hoje é um trapo, que aguenta tudo. Quando a vejo do alto do meu 4º andar, arrastando-se, olhando sem ver, penso nas outras “Marias malucas” que proliferam por esse mundo. E dói-me, dói-me muito.
Igualdade? Protecção da mulher, onde? Algumas nem direito têm de ser malucas!
Pobre “Maria maluca”! Pobres de todas elas!
O tempo que está, faz-me tão mal!
Até um dia destes.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O Semicúpio da prima


Quando fomos viver para o Porto, meu Pai lembrou-se que tinha familiares em Braga. Um deles foi fácil de encontrar. Por ele soubemos que tinha uma irmã residente lá.
Visitamos o primo e família várias vezes, até que um dia estando minha Avó a passar uns tempos connosco, recebeu uma carta da outra prima, convidando-a para um chá. A Avó mandou um cartãozinho a agradecer e a aceitar.
Chegados a Braga, fomos procurar a rua e a casa indicadas. Ficava muito perto da Sé e as casas deviam ser quase tão velhas como esta. Batemos ao ferrolho, abriu-se a porta por meio da velha corda e, ao cimo da escada estava ela, a prima. Toda de preto, saia comprida a cair-lhe das ancas estreitas, blusa de gola alta rematada com uma rendinha, xale de merino cruzado no peito, sapatos rasos de sola de corda. A encimar isto tudo, havia um rosto muito pálido e enrugado e uma cabeleira negra, com carrapito e tudo, postiço, claro. As mãos eram compridas e aduncas como patas de águia, cruzavam-se sobre o inexistente seio. A casa, muito limpa, tinha bancos nos vãos da janela, onde verdejavam belas avencas. Poucos móveis, chão esfregado a sabão amarelo e muitas imagens e quadros de santos, juntamente com algumas fotografias antigas.
Bebeu-se o chá, comeram-se as torradinhas e os Fidalguinhos, desenterraram-se mortos e vivos. O chá deu efeito, e eu pedi para ir à casinha. Claro que a minha irmã me acompanhou. Isto é costume entre as mulheres que se está a perder e é pena. Era aí que se trocavam as grandes confidências. Nunca uma mulher ia sozinha à casa de banho a não ser em casa.
Foi-nos indicada a casinha, que por acaso era uma enorme divisão. Tinha mais plantas, o trono ficava em cima de um estrado alto com dois degraus, os outros móveis da casa de banho eram todos móveis antigos e... havia um objecto grande como um maple, feito de folha de Flandres, tapado com um lençol de linho alvo e cheio de rendas e bordados. Ficámos a olhar para aquilo espantadas e curiosas. Fizemos um monte de suposições e achamos que era melhor perguntar a quem soubesse. Tive um trabalhão para convencer a Avó de que precisava de ir à casinha, porque bebera muito chá e a viajem até ao Porto era grande. Lá foi comigo, sentou-se no trono e eu perguntei-lhe que objecto era aquele. Respondeu-me baixinho que era um semicúpio e que em casa explicava. Saímos de casa da prima, depois de grandes despedidas. Na rua a minha irmã indagou o que era aquilo. Eu disse-lhe muito séria que era um semicúpio. Ela ficou com uns olhos ainda maiores do que tinha e quis saber para que servia. Disse-lhe que só em casa saberíamos. Durante toda a viajem até ao Porto, fiz conjecturas e mais conjecturas. De repente ocorreu-me que os semis que conhecia, tinham a ver com música: semibreves, semicolcheias, semifusas e por aí. Cheguei à brilhante conclusão de que se tratava de um antigo instrumento musical. Chegados a casa, nem dei tempo à minha Avó para se sentar. “Ó Vó! Afinal que é aquilo? É um instrumento musical?”. Ela desatou a rir e disse-me: “não filha. Que ideia mais peregrina a tua. É para fazer banhos de assento.” Fiquei mais baralhada ainda. “Banhos de assento, Vó? Que é isso? Para lavar as partes de baixo não serve o bidé?”. “Não. Os banhos de assento são bons para as dores. Enche-se a bacia de água quente, senta-se a pessoa lá dentro até à cintura, com as pernas de fora, tapa-se bem com um cobertor e as dores passam. Usava-se para cólicas intestinais, renais, gazes e prisão de ventre.”
Foi a minha vez de rir. “Ó Vó e isso resultava?” “Claro que resultava. Não havia comprimidos. Os tratamentos eram feitos à base de banhos de assento, chás e clisteres”. Ora, estes últimos eram do meu conhecimento e não gostava. Fiquei a pensar que os antigos só tinham tratamentos estúpidos. Estes, mais as “bichas”, as sangrias, as teias de aranha a tapar feridas... Que horror! Como eu gostava de comprimidos, xaropes e injecções!
Hoje em dia não penso o mesmo. Estou mais aberta a tratamentos naturais. Tenho medo de antibióticos, anti-inflamatórios e outros medicamentos, que tratam de um lado e estragam do outro.
Acho que se tivesse uma casa de banho grande, mandava fazer um semicúpio como o da prima.
Até um dia destes.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

São Martinho (carta a um amigo)


Peço perdão aos outros, por dirigir esta “carta” a um de vós. Não o identifico mas ele sabe que é para ele e um pouco para todos. É uma forma de pedir desculpa pela minha ausência e ingratidão para todos os que se têm preocupado comigo. Preguiça, neura, falta de paciência e mais uns quantos problemas de saúde. Ele tem sido o mais assíduo e por tal, a ele escrevo.
Hoje quando me ligaste, disse-te que estava a fazer “rojões à minhota” para o almoço. Estavam bons, os danados. Bem regados, seguidos de castanhas assadas. Foi pena não ter água-pé da “Casa Ratas”, mas o vinhito era bom. Todos, (éramos três) gostaram.
Este era o menu da casa de meu Pai. Lembrei-me disso. Lembrei-me do velho Martinho da minha infância, que todos os sábados ia lá a casa comer uma carcaça com carne, um copo de vinho e fumar um cigarro. Eu, menina de três anos, era a encarregada de fazer a entrega do almoço ao Martinho, sempre com o mesmo discurso: “a Mãe dá o pão, o Pai o vinho e a menina o cigarrinho”. Foi aí que me tornei fumadora. No dia de São Martinho a cena era outra. O Martinho fazia anos, nascera em Alcobaça como o meu Pai e, nesse dia entrava, almoçava com o Pai. Um dia foi embora. Nunca mais se ouviu o cajado do Martinho bater na calçada, nunca mais se ouviu a sua lengalenga: “nesta rua vou entrando p`ra falar ao mê amori”, nunca mais vi a sua figura de negro, alta e esguia, de chapéu na cabeça. Hoje, os rojões e as castanhas lembraram-me o Martinho, a infância feliz. E tu ajudaste. Quem sabe, se não me obrigaste a voltar. Lá convincente és tu. E amigo. Foi por ti que hoje venci a preguiça. Um abraço grande por isso.
Os outros meus amigos que não se zanguem. Tenho lido todos, só não tenho feito comentários porque a preguiça e a ingratidão não deixam. Perdoem as luas da Maria. Vou voltar, prometo. Talvez com menos frequência, mas volto. Beijinhos para todos vós, amigos.
“Tu”, amigo de quem não digo o nome, obrigada por toda a tua amizade, preocupação e ajuda.
Até um dia destes.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Busto da República


Somos os campeões do faz-de-conta. Vivemos num país cheio de problemas, de chagas sociais, de crises, de falta de segurança, mas há sempre alguma coisa para nos distrair da realidade. A 1ª é sem dúvida, o futebol; a 2ª as fofocas das Revistas cor-de-rosa, os casamentos e descasamentos, a moda, as festas do jet-set; a 3ª as ideias de alguns idealistas ou malucos, a quem passa pela cabeça que mudar o Busto da República, adianta alguma coisa.
Matutaram, pensaram muito, e chegaram à conclusão que o Busto está velho, caduco, fora de moda. Nada que os franceses já não tenham feito. A Marianne deles, já mudou de rosto muitas vezes. Já foi Brigitte Bardot, Mireille Mathieu, Catherine Deneuve, etc. Mas nós queremos mais. Há quem opine por Ana Padrão, Catarina Furtado, Maria João Luís. Há quem ache que deve ser uma coisa sem sexo, sem cor. Há outros que lhe querem fazer um “lifting”. Ora aqui, entrou a minha imaginação a trabalhar. Quem neste País melhor que ela?
A República tem 100 anos – ela tem 66, dizem.
Querem um “lifting” à República – ela já fez vários.
Nem homem nem mulher – ela faz lembrar um travesti.
Na imagem acima verão se gostam.
Para mim, falando sério, ficava o busto antigo. Não é ele que precisa de obras. Quem precisa é a República e nós todos.
Até um dia destes.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Os olhos de meu Pai


Fazias hoje 101 anos. Em tantos anos que passamos juntos, tive tempo para te conhecer bem. Lembro-te novo, lembro-te velhinho, doente, morto. Mas o que mais recordo, são os teus olhos.
Quando nasci, devo ter visto, entre as senhoras que assistiram ao meu nascimento, um homem que me pegou e deve ter visto o meu primeiro olhar. Os teus olhos brilhavam de alegria e uma lágrima teimosa correu deles. Eram lindos os teus olhos, Pai. Doces e marotos, duros como pedras quando te zangavas. Tantos olhares em dois olhos! Comovias-te facilmente com qualquer coisa, mas chorar, vi-te poucas vezes. Duas por minha culpa, uma quando a Mãe morreu e outra quando a Avó partiu.
Perdoa as lágrimas que te fiz chorar. A primeira vez, quando tive a poliomielite, no meio das dores que me torturavam a cara e a cabeça, vi um rio delas pela tua cara abaixo, sem pudor nem vergonha. A segunda vez foi quando te disse que ia ter um filho. Lembras-te Pai? Conhecia bem o teu feitio e tive medo. Barriquei-me atrás do sofá, para proteger o meu filho, disse-te e fiquei à espera da bofetada, dos gritos e insultos. Não vieram. Levantei os olhos para os teus e em vez da dureza que esperava, vi tristeza, lágrimas e só ouvi a frase sussurrada: “ tinhas de ser tu a dar-me este desgosto!”. Expliquei que me iria casar. Estavas branco, mal falavas e quando fomos para a mesa disseste: “vê se comes alguma coisa de jeito”. Anos mais tarde falámos desse dia e confessaste que aquilo que tinha sido um grande desgosto, se tornara numa grande alegria.
Eram felizes os teus olhos no dia de hoje. Gostavas de ver a casa cheia, a mesa farta, o vinho a correr. Mas os teus olhos procuravam a todo o momento, os filhos, os netos, os bisnetos. Eram doces, então. Ficavam cor de mel e pareciam escorrer ternura.
E agora Pai? Onde estão os teus olhos?
Um beijo grande, meu primeiro e eterno amor.
Até um dia destes.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Liberté, Égalité, Fraternité


Não sou cigana. Que eu saiba, nem sequer há ciganos na minha ascendência. Nem sequer tenho amigos ciganos. O meu filho tem um desde a escola primeira classe até hoje. Vende em feiras, vive como cigano, mas os dois estimam-se e respeitam-se.
Só lidei com ciganos de perto, há 60 e tal anos, quando por vezes, iam pedir ao meu tio para acampar dentro da Quinta. Eram ciganos muito pobres. Duas carroças desconjuntadas, dois burros, que alem de puxarem as carroças, serviam de alimento a tudo quanto era mosca, mosquito e outros insectos. À noite abrigavam-se sobre e sob a carroça, cobertos com serapilheiras, mantas, jornais. Sabiam que ali haveria sopa quente, pão e leite para as crianças. Não me recordo de alguma vez ter desaparecido alguma coisa. A roupa estendida nos varais ou estendida a corar estava lá toda. No dia seguinte partiam com a barriga cheia, mais pão e leite. Eram escuros, magros, andrajosos. As crianças nuas da cintura para baixo, de monco no nariz, eram engraçadas.
Estes eram os que os que conheci. Fernando Namora, escritor e médico, fala muito deles no seu livro “Retalhos da vida de um médico”. Aí aprendi mais coisas sobre os ciganos. Como em todas as raças e etnias, há bons e maus. Têm defeitos e qualidades. São orgulhosos, vingativos, aldrabões. Tudo coisas que acontecem em todas as raças e etnias. São diferentes? Talvez.
Vem tudo isto a propósito da vergonha que Monsieur Sarkozy está a fazer passar a França, país que sempre foi bandeira da Liberdade, mãe de todas as revoluções.
Monsieur Sarkozy nasceu em França, filho de pai húngaro, descendente de nobres e antigas famílias da Hungria e da Boémia.
Será que sua excelência se esqueceu de que os ciganos já viviam em França antes de o seu ilustre progenitor para lá ir?
Será que não leu “Nossa Senhora de Paris”? A bela Esmeralda era cigana.
Ou alguma cigana não quis fazer parte do seu harém, monsieur le président? Sabe, as ciganas geralmente são fiéis, o que nem sempre acontece com as artistas de variedades, a que o senhor está habituado.
O lema da Revolução Francesa foi traído por si. Liberté, Égalité, Fraternité. Onde, monsieur ?
Até um dia destes.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Hier encore


Tinha onze anos, tranças e vivia em Tomar onde nasci. Amava aquela terra e estava presa a ela por raízes fundas, muito fundas.
Os meus pés sabiam de cor cada pedra das ruas, os meus olhos abriam-se sempre com a visão do Castelo e dos jardins, os meus ouvidos conheciam a música do rio e das rodas, o meu nariz sentia os cheiros todos daquela terra. Longe dela estiolava, enfraquecia, ficava triste. Era o meu chão, a minha casa, o mundo que conhecia bem.
As férias, passadas entre Lisboa e o Carregal, eram apenas intervalos que serviam para renovar o amor e a saudade de Tomar.
Nesse ano saí e não voltei. Vim para Lisboa, depois para o Carregal e no fim, em vez de voltar para o meu cantinho, fui para o Porto. A vida dos funcionários públicos era assim.
Não vi o Rio, nem a serra, porque atravessar a ponte de combóio me meteu um medo horrível. Não gosto de pontes. Sempre tive medo delas, mas aquela apavorou-me. Escondi a cara no peito do meu Pai e não vi nada. Cheguei a São Bento chorosa, trémula, medrosa com aquela terra onde era preciso passar uma ponte que tremia por todo o lado, fazia ruídos estranhos e obrigava o combóio a andar devagarinho. Este primeiro contacto não ajudou nada a minha pouca vontade de morar ali.
A casa pequena, tão diferente daquelas onde morara até aí, não me agradou. Detestei a terra, detestei a casa, irritava-me a maneira de falar e certos termos usados por aquela gente estranha que não me percebia, se ria da minha forma diferente de falar. Quando começaram as aulas foi ainda pior. O Colégio nada tinha a ver com o meu velhinho Nun`Álvares. As caras que via à minha volta, não eram a Jú, a Lena, a Isabel, a Pilar, a Eduarda, minhas colegas de sempre. Murmuravam quando eu passava: “É a nova”. Diziam coisas que não percebia, tinham rostos diferentes. Primeiro revoltei-me, tornei-me bicho do mato, não falava com ninguém. A pouco e pouco as coisas melhoraram, mas ali não tive amigas.
No ano seguinte mudei para o Carolina e fui mudando. Já me dava com as colegas, já falava, já entrava nas brincadeiras. As saudades de Tomar continuavam, não gostava daquela terra. Só o rio e a Ribeira me encantavam. A pouco e pouco fui descobrindo alguma beleza na terra, sem chegar a gostar dela.
Aquele nevoeiro, aquelas ruas e casas escuras, aquelas noites que caíam muito cedo, faziam-me triste. Havia muita humidade e a minha saúde ressentia-se. A minha Mãe, sempre frágil, começou a estar doente com muita frequência. Uma das vezes, tinha 15 anos, quase a perdi. Foram 10 meses de hospital para as duas. Pouco saía do lado dela. De tudo eu culpava o Porto. Das doenças da Mãe, da minha tristeza, dos azares da vida.
Claro que me fui adaptando. Tinha amigos, paixões eternas que duravam alguns dias.
Um dia fartei-me e vim para casa dos meus tios em Cascais. Vinha doente, fraca, magra. Foi aí que tudo mudou. Conheci o meu marido, apaixonei-me, casei no Porto, onde nasceram os dois putos mais velhos. Assim que o meu marido acabou a tropa, viemos para baixo e cá fiquei.
Não pensava muito no Porto, embora tivesse algumas saudades dos amigos. Voltei lá algumas vezes e gostei do que vi.
Um domingo destes, voltei a ver “A Costureirinha da Sé”. As lembranças vieram fortes, acompanhadas de um sentimento parecido com saudade. Recordei amigos a quem não vejo há séculos, ruas onde passei muitas vezes, as casas em que morei, a minha juventude. De repente achei o Porto lindo. Vi-me como era há quarenta e muitos anos, nova, diziam que bonita. Ao ver e ouvir a Fátima Bravo, lembrei-me da avassaladora paixão do meu irmão por ela, da voz da Maria Clara a cantar aquelas canções, da voz da minha Mãe a repeti-las. Foi muito bom.
Deixei a televisão no mesmo programa, a RTP Memória claro. Veio o Júlio Izidro com o “Regresso ao Passado”. Deixei ficar. Afinal era lá que eu estava. Uma voz bonita de rapaz cantou o “Hier encore”. Não podia vir mais a propósito. Chorei, eu que nunca choro.
Um dia destes vou voltar ao Porto e vou-lhe pedir perdão de tão tarde ter descoberto que afinal o amei. Não com o amor que tenho a Tomar, Lisboa, Paris ou Florença. Mas amo-o e tenho saudades.
Um abraço amigos tripeiros que nunca mais vi. Quem sabe, um dia destes nos encontramos?

quarta-feira, 28 de julho de 2010

São Domingos


Este tempo de calor, que tanto fogo tem espalhado pelo nosso já tão devastado país trouxe-me à ideia à Igreja mais bonita que vi em Lisboa, em 1957.
Situada em plena Baixa Lisboeta, junto ao Rossio, a Igreja de São Domingos, fazia parte do Convento do mesmo nome. A primitiva começou a ser construída em 1241. Era medieval, mas ao longo dos anos foi recebendo obras que a foram modificando. A Capela Mor esteve em obras em 1748. Talvez por isso foi a única parte da Igreja que não ruiu em 1755. Foi depois reconstruída, com traça de João Ludovice, arquitecto de Mafra, executado por Manuel Caetano de Sousa.
O Portal e a sacada que o encima vieram da Capela Real do Paço da Ribeira. Tinha muitos e belos altares de talha dourada, Imagens e quadros valiosos, pedras em mármore de várias cores. O seu traçado era barroco, em forma de cruz latina, com alguns elementos maneiristas que ainda se podem ver na sacristia e nos túmulos da cripta, como belos azulejos em ponta de diamante.
Lá casaram D. Carlos e D. Amélia no século XIX.
Fiquei deslumbrada com a beleza desta Igreja. Um dia em 1959, o meu irmão que ma tinha mostrado e sabia como ficara impressionada, deu-me a triste notícia de que a Igreja tinha ardido.
Nunca mais lá passei. Quero guardar a imagem da Igreja linda, onde imaginara um príncipe e uma linda princesa, subirem aquela Nave imensa e dourada, para se casarem e “serem felizes para sempre”. Não foram e a Igreja ardeu.
Em 1994 fizeram umas tristes obras, tapando o telhado, limpando os mármores, deixando as colunas de pedra escurecidas e partidas pelo fogo. Isto ouvi dizer. Como já disse, não entro mais lá. Prefiro guardá-la na memória, bela e cheia de dignidade, junto com outras coisas que amei e perdi.
Até um dia destes.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

As Avozinhas não morrem!


Era uma vez... Era assim que começavam as histórias, que repetias até à exaustão. Eu não me cansava. Conta uma história Vó!... E lá vinham os príncipes com orelhas de burro, os príncipes encantados que eram sapos e se transformavam em belos mancebos com o beijo da princesa, as princesas lindas e infelizes, que ao calor do beijo do belo príncipe, acordavam e eram felizes para sempre. Quase todas acabavam bem: “E foram felizes para sempre!...”
Eu adorava aquelas histórias tão parecidas, mas para mim diferentes, que me povoavam a cabeça de sonhos e ilusões.
Só havia uma, que nunca quis ouvir até ao fim. A avozinha morria.
Eu desatava a chorar, agarrava-me a ti e gritava: “Não Vó! Essa não. As avozinhas não morrem!” E não parava até tu me prometeres que não morrias nunca. Eras marota, sabes? Voltavas vezes e vezes a tentar contar a tal história, só para eu voltar a chorar, gritar e ter pesadelos.
O tempo foi passando, as histórias eram outras, eras a minha confidente, a pessoa a quem nunca mentia, com quem conversava tardes inteiras. Via-te cada vez mais velhinha, eu já era mulher e mãe de filhos, mas continuava a acreditar que tu eras eterna.
Estavas quase a fazer os 99 anos, e naquele Fevereiro frio, (como eu detesto este mês!), uma porcaria de gripe sem nome, atirou-te na cama. Eu via o medo na cara de todos, via sinais que infelizmente, já tinha visto noutros rostos queridos. Mas dentro de mim havia a minha frase de sempre e a tua promessa. Não, tu não ias morrer. Esqueci-me que tu sempre fizeras o que te dava na gana. Arrancaste o oxigénio, o soro e disseste: “Não quero mais”. Meia hora depois adormeceste para sempre. A princípio não quis acreditar. Revoltei-me contra ti e contra a vida. A dor foi muito forte. A surpresa também. Afinal as avozinhas, a minha avozinha, morriam como toda a gente. Agarrada a ti repetia: “Tu tinhas prometido Vó!”! Porque me mentiras?
O tempo passou, a dor não. Hoje farias anos. Não consegui falar das festas que fazíamos nesse dia. Muita gente, muito barulho, tu no teu cantinho recebendo amigos e parentes. Só via esta caricatura feita pelo meu tio Henrique em cinco minutos. Fui buscá-la e ela aí está. E tu estás lá toda. No cantinho das histórias, das confidências, dos teus bordados e rendas. Era a casinha de Arroios, a tua casinha.
Avozinha, minha Avozinha, como te queria hoje ver, levar-te flores, chocolates, um perfume! Como queria beijar a tua mão e dizer: “ A Benção minha Avó”. Sentir o teu beijo no rosto, a tua mão na cabeça, e ouvir-te dizer: “Deus te proteja minha neta”.
Nada disso vai acontecer. As Avosinhas morrem, afinal. Mas é em ti que vou pensar o dia todo. Talvez à noite, na hora de todos os prodígios, eu ouça a tua voz abençoar-me outra vez. Talvez eu te ouça dizer: “Era uma vez uma princesa...”
Adeus Avozinha, até para o ano.
Um beijo para o meu amigo Kim. Sei que o dia também é marcante para ele.
Até um dia destes.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A Sé, Igreja de Santo António e Santo António


A Sé de Lisboa começou a ser construída no tempo de D. Afonso Henriques sobre os escombros, devidamente benzidos de uma mesquita muçulmana. É de estilo romano-gótico. No século XIII foi acrescentada pelos anexos de estilo gótico do lado norte. A primitiva capela-mor de estilo românica foi substituída pela actual de estilo ogival, no século XIV, juntamente com as capelas absidais e os deambulatórios. O terramoto fez ruir a torre sineira sobre a torre direita, deixando a Sé bastante arruinada. Foi já no princípio do século XX, que sofreu obras que a restituiram à sua traça primitiva.
Tem belos vitrais e sendo grande, convida ao recolhimento. Estando situada num local muito populoso e barulhento, lá dentro, há um silêncio, uma calma que convidam a ficar. Visitem-na que vale a pena.
A Igreja de Santo António, construída no local onde tudo indica seria a casa da família Bulhões e onde o Santo nasceu, fica vizinha da Sé. Reconstruída sob o risco de Mateus Vicente cerca de 1700, substituiu a primitiva,Manuelina, também destruída pelo terramoto.
Com fachada principal virada a poente, tem uma escadaria em leque, que leva à porta principal. Tem dos lados colunas jónicas, sendo as portas e janelas ladeadas por iguais colunas.
O interior neoclássico, paredes revestidas de mármore, alguns belos quadros de Pedro Alexandrino e algumas estátuas. A do Santo é da antiga Igreja, tendo sido poupada pelo terramoto. Desce-se um pouco e encontra-se o pequeno quartinho, onde nasceu o Santo. É o meu local preferido da Igreja. Foi aí que meu irmão me deu um santinho, que tem por trás o célebre responso. É ele que ilustra o meu escrito de hoje.
Agora um pouco da história do Santo que muitos julgam padroeiro de Lisboa. Não é. O Santo orago de Lisboa é São Vicente. Santo António é o padroeiro do povo de Lisboa, dos namorados, de várias terras.
Nasceu em Lisboa de família remediada, foi baptizado na Sé com o nome de Fernando de Bulhões, pertenceu ao coro da Sé, fez aí os primeiros estudos, completados em Coimbra. Foi frade de Santo Agostinho. Partiu de Portugal, passou em África, rumou a França e Itália. Aí, conheceu Bolonha, Assis, Pádua e São Francisco de Assis, seu mentor. Já na ordem Franciscana viveu alguns anos em Pádua e lá morreu novo. É conhecido por Santo António de Pádua, mas é Santo António de Lisboa. É certo que o que resta dele, está lá. Já lá fui, vi as cordas vocais dele numa redoma. Tem uma Igreja linda. Mas para mim ele está mais naquele quartinho acanhado da Igreja de Lisboa. Vou lá às vezes. Quando perco alguma coisa, rezo o responso e logo aparece. Ah! Foi no dia dele, a 13 de Junho que conheci o meu marido. E digam lá que ele não é milagreiro? Anda este desgraçadinho a aturar-me há 44 anos. Só por milagre.
Até um dia destes.

sábado, 10 de julho de 2010

Basílica da Estrela, Zimbório e... Rock’n’roll.


Em Julho de 1956 eu estava, como sempre, em Lisboa. À tristeza de saber que não voltaria mais a Tomar, contrapunha-se o prazer de nesse ano ter cá o meu irmão. Pela mão dele conheci a Lisboa dos Monumentos, dos Miradouros, dos Bairros Populares, dos jardins.
Uma manhã fomos à Basílica da Estrela. Passámos pelo bonito jardim, atravessámos, e no adro da Igreja estava um grupo de miúdos de alpergatas ( nesse tempo não havia ténis Nike), calças americanas (também não havia jeans Levis), um rádio de pilhas de onde saía o barulho de uma música estranha e um senhor aos gritos. Os rapazinhos torciam-se, atiravam-se ao chão, davam gritos, como se estivessem a ter algum ataque estranho. A provinciana pata brava, que vivia em mim, ficou pasmada com aquilo. Logo o mano mais velho e citadino, se apressou a explicar que era um estilo de música e dança vindas da América. Fiquei mais calma e elucidada, embora um pouco espantada. É que em Tomar tirando os fados, a música popular, os tangos e as valsas, aquela música ainda não era conhecida.
Entrámos na Basílica e fiquei deslumbrada. Já por fora a achara linda, equilibrada, com uma torre de cada lado e aquela cúpula enorme lá em cima. Dentro rendi-me à beleza dela. Foi-me explicado que D. Maria I, a mandara erigir como promessa pelo nascimento de um filho. Os arquitectos e pintores, alguns tinham trabalhado em Mafra. A harmonia e delicadeza das colunas é maravilhosa. A primeira pedra foi lançada em 1776 e a Basílica foi inaugurada em 1789. É de estilo Neoclássico, com três naves. Na do centro destaca-se o túmulo da sua Fundadora. Morta no Brasil, foi o seu corpo trazido para Portugal e ali repousa.
A parte mais aventurosa da visita foi a subida ao Zimbório, que pouco depois foi encerrado ao público. Subimos a escada e no alto eu tive Lisboa aos pés. E Lisboa é tão linda! Os telhados, as trapeiras com sardinheiras, as torres de outras Igrejas, o verde dos jardins, tudo me parecia novo e diferente. O céu azul estava tão perto, que por instantes, julguei lá chegar. O Tejo brilhava ao fundo, sulcado de Cacilheiros e outros barcos, os sons chegavam lá acima esbatidos. Com os olhos cheios de luz, desta luz de Lisboa que não é igual a mais nenhuma, desci com pena.
Foi assim, meu irmão, pela tua mão, pela tua voz, com o teu carinho, que passei amar Lisboa de outra maneira mais profunda, mais íntima.
Eu disse que este mês só falo de Lisboa. Um dia destes iremos à Sé, à Igrejinha de Santo António, quem sabe mais onde. Marcamos encontro aqui,
Até um dia destes.

sábado, 3 de julho de 2010

Tia, minha Tia


É Julho e Julho para mim é Lisboa. Não sei sair de cá. É Arroios e a casa da Avó, o Chiado, o Jaleco, os cinemas, as festas de anos da Tia, da Prima, da Avó. É caso para dar parabéns à prima, única das três ainda viva, que faz anos hoje, no mesmo dia em que a Tia fazia. Tive muitas Tias. Do lado da Mãe eram 4, todas solteiras, mais a mulher de um Tio. Do lado do Pai 2, uma ainda viva e a mulher do Tio. Depois quando casei, adquiri mais algumas que me foram queridas. Claro que com tantas tinha algumas preferidas.
Pendia mais para as do lado do Pai. A que ainda é viva é minha madrinha e vivo no pavor constante de a perder. A outra, esta que fazia anos hoje, era a Tia Maria da Graça, mais conhecida por Tia Bia, ou apenas Tia. Nunca casou. Já depois dos irmãos casados teve um namoro sério, daqueles que costumavam acabar em casamento. Tudo corria bem, até que alguém com uma língua suja, foi com histórias estúpidas, para o pretenso noivo. Ele, conhecendo-a como conhecia, em vez de se calar, foi-lhe fazer perguntas. Ela não gostou que pusessem em causa a sua virtude e acabou o namoro. Ele pediu perdão, esperou um tempo, mas o perdão não veio e casou com outra. Ela ficou solteira. Nunca mais quis saber de homens, ficou com a Mãe, uma sobrinha que criou de bebé e a casa cheia de outros sobrinhos que lá se juntavam. Era uma pessoa boa, pura, adorava a Mãe, os irmãos, os sobrinhos. Como ser humano, claro que tinha defeitos. O principal era um feitio irritadiço, comum a toda a família, com fúrias que mais pareciam o fim do mundo. Passada a tempestade, voltava a ser a Tia, paciente, tolerante, brincalhona, de sempre. Por vezes eram problemas de dinheiro, por vezes um grão de areia, talvez às vezes, um pouco de revolta com a vida. Ficou sem Pai com 6 anos. Toda uma família sem o único que a sustentava. Os irmão rapazes foram saindo de casa nas Caldas e ficou com a Mãe e a irmã. Vieram para Lisboa e foi a corrida de casa da Avó para partes de casa, até chegar à casinha da Travessa. Bordava para fora, cuidava da casa e da Mãe, até ir trabalhar para o I.P.O. na Secretaria. Trabalhou lá até à reforma. Quando vinha do trabalho a pé, comprava para nós gatinhos, ou sombrinhas de chocolate. Eu fingia que gostava. Adorava os gatinhos embrulhados em prata, mas detestava chocolate, além de ter pena de comer os gatinhos. Guardava-os nos bolsos até eles derreterem. Deitava-se no divã e começava a cegarrega: “Tia, dê estalinhos com os dedos dos pés!... Era uma habilidade única e não havia televisão, nem consolas, nem jogos electrónicos. Tirando a velha telefonia que dava aos soluços a triste história da “Coxinha do Tide”, os “Parodiantes de Lisboa” e os “Serões para trabalhadores”, não havia maior divertimento que ouvir os estalinhos dos dedos dos pés da Tia.
Nos anos dela havia festa. Lanche melhorado, visitas, flores e chocolates. Nesse dia vestia sempre de branco. Ficava bonita a Tia.
Ó Tia que saudades da tua açorda com ovinho! Nunca mais comi nenhuma parecida.
Eu casei, vim para Lisboa, ia vê-la a ela e a Avó. A Avó morreu e ela ficou com a sobrinha, a minha Margarida e a filhota dela, grande amiga da minha. A tragédia não se cansava de a procurar. A nossa Margarida morreu nova. Ficou só com a filha dela. Ouvia muito mal. Ao telefone então era um suplicio. Comigo falava horas. A minha voz treinada a falar com o meu Pai, ela ouvia melhor. Contava histórias antigas, falava dos seus queridos mortos.
Num dia nevoento de Fevereiro, dia da Santa com o meu nome, eu estava triste. Fui buscar um filme que tinha visto com ela muitos anos antes: “A Colina da Saudade”. Tínhamos adorado o filme e ela, romântica inveterada, fartou-se de chorar. Eu também.
O telefone tocou, eu atendi e do outro lado uma voz disse-me: “A Tia morreu”. De repente, sem doenças aparentes, sem sofrer parece, como sempre tinha querido.
Foi a última vez que nos reunimos na casinha da Avó. Uma prima minha abraçou-me e disse a frase que a descreveu: “Coitadinha! Era um bocado chatinha, mas era muito nossa amiga”.
Hoje lembro-te Tia. A dar estalinhos com os dedos, a ler os românticos livros de Pearl Buck, a ralhar, a lambuzar-nos de grossas fatias de pão com manteiga e açúcar amarelo, a falar do teu único, grande e perdido amor.
Beijinho Tia. Daqueles repenicadinhos que tu davas.
Até um dia destes. Se calhar vou mesmo ver a “Colina da Saudade”.

domingo, 27 de junho de 2010

Madrugadas e manhãs de Lisboa


Era por esta altura do ano, um pouco mais tarde do que agora, que começavam as Férias Grandes. Ainda em Tomar e depois no Porto, não passavam muitos dias até começar a chatear os meus pais para vir para Lisboa para casa da Avó. Era a Avó, que tinha passado o mês de Maio connosco em Tomar, eram os tios e tias, as primas que adorava e... Lisboa. Esta Lisboa que eu já amava, onde me sentia feliz. A casa da Avó ficava perto da Praça do Chile, numa travessa pequena que começava por umas escadinhas e terminava na Rua Carlos José Barreiros. Os moradores, dos mais variados extractos sociais, iam do Almirante Mendes Cabeçadas, ex-presidente da República, até à Benvinda ex-peixeira da Ribeira e bêbeda por vocação. Havia tudo. Todos respeitavam a Avó, viúva à moda antiga, já entrada em anos, delicada para todos mas, guardando as distâncias. Era uma travessa estranha. De um lado casas de dois e três andares, habitadas por gente da chamada classe média com pouco dinheiro, do outro um casarão forrado a azulejo, de aspecto decadente com janelas tapadas com jornais, verdadeiro cortiço, de onde saíam as pessoas mais variadas, um Pátio Lisboeta à moda antiga e algumas casas velhinhas e pobres. Era o lado onde havia ainda menos dinheiro e mais miséria.
A casa da Avó era alta e pouco larga. No rés-do-chão, com duas janelas para a rua, dois quartos interiores, uma sala grande que dava para um jardim pequeno, onde ela tinha canteiros com roseiras, brincos-de-princesa, erva da fortuna, um mundo pequenino e fresco. Na parte junto à casa, ainda havia vasos de begónias, avencas, fetos. Tinha uma cozinha pequena e uma casa de banho. Durante anos tomamos banho numa enorme tina redonda, que mal cabia na casa de banho. Depois, numa altura de mais dinheiro e contenção de despesas, a tia pôs uma banheira a sério.
Agora que está tudo nos devidos lugares, passamos à história.
Eu dormia com a minha prima num quarto interior, onde entrava uma nesga de luz pelas bandeiras junto ao teto, que davam para a sala. Sempre tive o sono leve. Ás cinco e pouco acordava com o guincho do 1º eléctrico na Praça do Chile. Já entrava uma nesga de luz pela bandeira e eu ficava a olhá-la à espera do 2º ruído da madrugada Lisboeta. E ele chegava pouco depois, quando o barulho das rodas da carroça da leiteira subia as pedras irregulares da rua. Sentia-a entrar no prédio, subir as escadas carregada com a bilha, despejar o leite nas vasilhas deixadas junto às portas, incluindo a nossa. Ela ia embora e um pouco depois chegava o padeiro, que delicadamente atirava o cesto contra a porta, posava o cesto, subia a escada com grandes passos barulhentos e deixava o pão nos sacos pendurados nas portas. Descia a correr e saía com o mesmo bater com a porta delicado. Eram sete horas. A menina que trabalhava longe, descia do primeiro andar com os tacões dos sapatos batendo nos degraus, a tia levantava-se para ir trabalhar, arranjava-se, preparava o pequeno almoço dela e das “meninas”, café com leite (sem leite no meu caso) e grossas fatias de pão com manteiga, fazia o chá e as torradinhas da Avó, arranjava a bandeja e levava o pequeno almoço à Avó que o tomava na caminha. Depois de comer, dizia que ia rezar o terço, pegava nele e adormecia de novo. A tia saía, mas antes dizia-nos num tom trocista: Não vão aborrecer a Avó, nem façam barulho, porque ela está a rezar. Na rua, abria a taberna do lado, os copos batiam no balcão, as peixeiras chinelavam calçada acima e a Benvinda (Malvinda, como lhe chamavamos), mulheraça de grande peito, cara vermelha, cheirando a vinho como um carroceiro, já tinha chegado à janela do cortiço, descia uma seira pela corda e gritava: “Ó Tóino! (era o moço da taberna), dá-me aí 5 litros de lixívia e 1 litro de caloreto”. O Tóino sabia o código: 5 litros de vinho e um de bagaço. A Benvinda tinha muitos filhos, devia ser para lavar a roupa, achava eu. Passado um bocado os efeitos apareciam. Ela cantava o Fado da Carta, a Rosa Enjeitada, berrava com os filhos, chamava todos os nomes ao chóchinhas do marido, insultava quem passava. Só quando a minha Avó chegava à janela se calava e cumprimentava com toda a delicadeza: “Bom dia senhora dona Aldinha, dormiu bem?” A Avó respondia com um sorriso e a Benvinda lá recomeçava a ladaínha.
A Avó só se levantava às dez horas. Levava o resto da manhã a fazer a demorada toilette. Só as dezenas de ganchos que punha no cabelo levavam horas. Eram os invisíveis para prender o carrapito e uns de tartaruga para enfeitar, mais duas travessas transparentes para manter todos os cabelos no lugar. Cheirava a água de rosas e a violeta. Toda de negro, nunca saía sem chapéu com véu sobre os olhos, nem para ir a casa da irmã que morava perto da Igreja de São Jorge de Arroios, onde meus pais casaram. Deitaram abaixo a linda igrejinha para fazerem uma coisa a que chamam igreja e mais parece um armazém de cimento armado.
Já não há Avó, nem Pais, nem igreja. Quem morará na “Casa da Avósinha”? Apenas vive na minha lembrança com cheiros, ternura, gritos de miúdos... e saudades, muitas saudades da Avó, dos tios, dos primos, de mim, da casa, do céu azul purinho de Lisboa, riscado de gaivotas e pombos, das andorinhas.
Tudo isto porque uma madrugada destas acordei com o ruído do 1º autocarro a chegar ao meu bairro. E meia a dormir, pensei ouvir o eléctrico do Chile.
Malhas que o sono tece. O sono e o sonho porque eu sonho muito com estes tempos, com a Avó e com a casinha de Arroios.
Até um dia destes.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A P.D.L.


Ele há cada síndroma! Ele é o S.P.M. ( síndroma pré-menstrual, para quem não sabe), ele é o P.D.F. ( todos sabem o que é), ele é o S.P. P. ( depressão pós parto). Ora eu acabo de descobrir um novo síndroma. Chama-se P.P.L. ( Preguiça pós limpeza grande).
É assim. Poderia dizer que estou cansada, fraca, sem vontade de escrever, sem inspiração. Mentia. Tudo isto não me impediu de ler, ver filmes etc. É mesmo preguiça da brava. Dá-me gozo depois da trabalheira toda, sentar-me e não fazer nada. Ver tudo limpinho, fresco, arrumado, olhar os meus livros, ver o filme “Ensaio sobre a cegueira”, ler o livro, e ficar a pensar qual gostei mais. Ainda não resolvi. Acho que Fernando Meirelles, leu o livro com os meus olhos, tão fiel é ao livro. Aliás é costume dele. Ou existe entre nós uma grande empatia. Arrepiam-me os filmes deste homem. São tão reais, tão bem feitos. De Saramago não sei dizer o que sinto. Amo alguns dos seus livros, abomino outros. Porquê? Sei lá porquê.
Era-me pouco simpático como pessoa, mas isso nunca me impediu de ser imparcial ao ler um livro. Acho que preciso de o ler mais, e é o que vou fazer. A preguiça ainda dura, mas não me impede de ler. Para isso nunca tenho preguiça, nem falta de tempo.
Depois deste arrazoado (ou será desarroado?) todo. Em que tentei explicar a minha ausência, despeço-me como sempre, com a frase do costume: Até um dia destes.

sábado, 12 de junho de 2010

Adeus Tuca


Esta é a segunda cadelinha dos meus filhos e neto.
A Tuca, foi encontrada na estrada que liga Lamego à linda Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Era pequenina, estava suja, ferida e com fome. O irmão da minha nora levou-a para casa e a mãe lavou-a, tratou-a, deu-lhe comida e uma casa para morar. Ela gostava daqueles donos, da vida que levava, dos passeios pela rua. Tinha uma amiga, a Chula, que morreu muito velhinha. Teve filhotes, que um belo “Collie”, chamado Fangue mesmo sem ser pai dos cachorrinhos, a ajudou a criar. Enfim, a vida corria-lhe bem e era feliz. Mas havia uma coisa estranha. Quando o meu filho e a mulher iam a Lamego, a Tuca ficava muito contente e quando eles vinham embora, ela arranjava maneira de entrar para o carro, assim como se quisesse boleia. Quando o meu neto foi baptizado, os avós de Lamego vieram a Lisboa e trouxeram a Tuca. Foi um dia lindo e bem passado, de que tenho saudades. Mas vamos à Tuca. No dia seguinte eles voltaram para Lamego, sem a Tuca. Tinham combinado, deixar a cadela escolher. Abriram a porta do carro, ela foi fazer festas aos donos, mas não entrou. Foi direitinha aos novos donos, aqueles que ela escolheu. Aqui há uma coisa muito bonita, feita por duas pessoas boas e amigas dos animais. Os pais da minha nora gostavam muito da Tuca, tanto que a deixaram escolher o sítio onde queria ser feliz.
Agora vive com a Duna e os outros, com os donos. É muito meiga, afectiva, mas gosta de ser independente. Gosta de apanhar ratos do campo e pássaros, gosta de vadiar, mas também gosta de se aninhar no colo dos donos e receber festas e mimos. É a mais pequenina de tamanho, mas é muito esperta.
Este post é repetido. A Tuca partiu hoje, velhinha e doente. Perder um animal querido, é sempre triste. Os donos, sobretudo o mais pequeno, estão tristes. Eu também. Só nos consola que enquanto viveu, foi um bichinho feliz e amado.
Beijinhos para os donos e o meu adeus cheio de saudades da Tuca.
Até um dia destes.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Fonte da Prata


Havia em Tomar há sessenta anos uma fonte chamada da Prata.
Ficava num largo e era por assim dizer, a entrada de Tomar Cidade.
Não seria arquitectonicamente muito rica, mas era um sinal de boas-vindas a quem entrava na terra, vindo de Lisboa. A água corria alegremente, dava um ar de frescura e matava a sede. Dizia-se que quem dela bebesse, voltaria sempre a Tomar. Nós, tomarenses desses tempos, bebendo-a todos os dias, ficávamos presos à terra para sempre. Em casa dos meus pais, ia-se buscar água à fonte, numa bilha de barro para beber. Era, como lhe competia, insabor, inodora, incolor e fresca, muito fresca.
Dava de beber a todos. Servia de ponto de encontro a “sopeiras” e “magalas” do quartel de Infantaria 15, aquele cuja guarnição se negou a ir para a 1ª Guerra Mundial, e voltou de lá formando à direita de todos os exércitos Aliados, após a Batalha de “La Lys”, devido ao comportamento exemplar e heróico dos seus homens.
Um dia alguém embirrou com a pobre fonte, diziam ter a água enquinada, e tiraram-na de lá. Depois de passar por vários sítios, está agora meia escondida, próxima do seu lugar antigo. Faz pena, como faz pena as voltas que já deram ao largo. Já lá esteve um Tabuleiro enorme, uma Fonte Cibernética (seja lá isso o que for) e agora está de novo em obras. O que vai lá nascer, não sei. Mas vi o que poderia ter sido. Numa maqueta que é o sonho de um homem e passou a ser o meu. Além de bela, aquela praça, contaria toda a História dos Descobrimentos e da influência da Ordem de Cristo nestes e na História de Tomar. Não aproveitaram o projecto. É belo demais para as sumidades que regem Tomar.
Não sei o que lá vão fazer. Daqui em diante, quando chegar ali, fecho os olhos e imagino que a maqueta está lá.
Obrigada T.C. por me ter mostrado e explicado o seu sonho lindo.
Tomar está a cair aos poucos. A parte velha da cidade está decrépita. Mas é bela ainda e tem o Rio, o meu Nabão cantante e belo.
Foram uns bons dias. A comida e a bebida ainda são saborosas, o sino ainda toca, o rio continua a correr e a Janela ainda não caiu.
Até um dia destes. Eu vou sonhar com o sonho do meu amigo.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Quarenta Anos


Há quarenta anos tinha 24 anos, um marido saído da tropa, dois filhos pequeninos e pouco dinheiro.
Meu marido arranjou emprego, fizemos as contas e arranjámos uma casa em Odivelas. Não era o local ideal, mas era mais barata, perto da RTP e era grande. Eu sempre gostei de casas grandes. Estava praticamente vazia de móveis, mas cheia de amor e de esperança.
Tinha mobília de quarto, dada pelos meus pais, as camas dos meus bebés, uma mesa e cadeiras emprestadas por meus sogros, um fogão, a pagar a prestações, uma panela de pressão, prenda de casamento do meu irmão, uma mão cheia de sonhos, outra de juventude.
A casa foi enchendo, eu fui muito feliz e tive alguns desgostos, o terceiro filho nasceu. A menina que eu era, hoje é idosa. A casa vazia, está cheia de coisas, os meus filhos partiram. Mas é aqui que estou bem. Estão aqui quarenta anos da minha vida. Recordações de tempos felizes e infelizes, imagens de pessoas que partiram para sempre. O canto onde minha mãe se sentava, a mobília de casa de jantar da minha sogra, os copos por onde meu pai e meu sogro beberam, as horas de amor que passámos, eu e o meu marido, as nossas discussões, a infância e adolescência dos meus filhos.
Tem quatro andares que já me custam a subir. Mas quando abro a porta, tem um cheiro que só eu conheço. Tem a ternura dos olhos do meu cão. Tem os meus livros. Tem a minha juventude e a minha decadência.
Se me arrancarem daqui, morro.
Estamos aqui os dois e o canito. As sombras começam a encher os cantos. E eu não quero chorar. O dia é feliz.
E afinal estamos os dois, amor. Tu dormes e eu olho para ti e vejo o rapazinho que há quarenta e três anos me deu volta ao juízo.
Até um dia destes.

domingo, 16 de maio de 2010

Só a mim é que acontecem estas coisas!


Passou-se há cerca de 40 anos, tendo como personagens centrais uma tábua avariada, duas mulheres à beira de um ataque de nervos, um homem que não tinha jeito nenhum para arranjar coisas.
A praia dele era mais a contabilidade e a pesca desportiva.
As mulheres eram a minha sogra e eu, o homem o meu sogro. Temos mais uma tábua quase a partir, um monte de roupa de 3 homens, 2 mulheres e 2 crianças, que ainda usavam fraldas de pano.
A cena passa-se numa cozinha, com a tábua a entortar toda, eu sem fraldas passadas para as crancinhas, a minha sogra tentando resolver o caso por aquela noite. Amanhã, dizia ela, vamos comprar uma tábua, isto se o João, o artista claro, não conseguir dar aqui um jeito, até ao fim do mês. Estávamos nesta conversa, vem o meu sogro, o tal com jeito para a pesca, que ferido nos seus brios de macho, nos declarou com ar de troça: Realmente para pregar dois pregos, é preciso esperar o técnico! Foi buscar o martelo, uns pregos enormes, virou a tábua e... a minha sogra ia dizendo para ele ir ver as notícias, ler o jornal, descansar... Nada o demoveu. Tábua de pés para o ar, martelo na mão, pregos na boca e um na outra mão e zás! Primeira martelada no dedo, primeiro irra! (o maior palavrão que alguma vez lhe ouvi). Segunda martelada no dedo, segundo irra! Acompanhado de rais parta a tábua. Respirou fundo, preparou o martelo, apontou o prego e terceira martelada no dedo. Foi o fim. Com uma fúria que nunca lhe vira, saltou em cima da tábua até a partir toda, enquanto repetia a frase destas ocasiões: “Só a mim é que acontecem estas coisas”. Eu e a minha sogra, esquecidas da roupa para passar, riamos a bandeiras despregadas, o que piorava a situação. Por fim, foi-se embora, deitando o fumo do cigarro, que entretanto substituíra os pregos, por todos os lados.
Nós, sempre a rir, arrumámos aquela bagunça toda, ainda passei as fraldas, não me lembro como.
No dia seguinte saiu cedo. Passada meia hora, vieram entregar uma tábua novinha em folha, de metal. Nós estávamos a contar a história ao meu marido. Ao almoço é que foram elas. Ele sério e calado, nós todos a tentar reprimir o riso.
E foi esta a tragédia da tábua de passar, que acabou no lixo, única vitima do ataque de mau génio, do meu querido sogro, que tinha muito jeito para a pesca.
Até um dia destes.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O Avô do Século


Falo-vos de um papa já esquecido por muitos. Quando foi eleito Papa, achei-lhe um ar terreno, diferente das figuras ascéticas de Pio XII e Paulo VI. Como nunca conheci os meus dois avós, nomeei-o meu avô. Quando estive no Vaticano, estive sentada perto da urna de vidro onde dorme o último sono. Comovi-me, como se fosse mesmo o meu avô. E lembrei, um pequeno poema de Manuel Alegre, que fiz meu, logo que o conheci. Disse-lho baixinho, como quem reza.
O poema é lindo e aqui está.

De Deus não sei! Mas quase creio
Que Deus poisou nas mãos cheias de terra
De um jovem camponês de Sotto il Monte.
Por isso mando à Praça de São Pedro
Não uma prece
Mas a minha canção fraterna e livre
Esta canção
Que vai pedir-te a humana benção
João XXIII, o avô do século.

Manuel Alegre

Este Papa, eu não queria para avô.
Até um dia destes.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Só uma flor



Na sexta-feira estava um pouco triste. Pensava ter um dia só com o Vasco, o que vive mais perto, sem os outros que vivem longe.
Lembrei-me do tempo em que todos eram pequeninos, e no dia da mãe me acordavam de manhã, com beijos e as coisinhas que para mim faziam, com carinho, de se meterem na minha cama, enquanto eu via as prendinhas.
A tristeza, como sempre, deu um poema triste, saudoso.
À noite, o mais velho, disse-me que vinha cá com o neto, a nora (nora, filha). Só faltava o impossível. Ver a filha e a neta.
O poemazinho aqui vai.

Só uma flor

Só uma flor!
Depois, talvez um beijo.
É só o que desejo
Meus filhos, meu amor.
Só a vossa presença,
Bastava para mim
Para poder pôr fim
Nesta saudade imensa.
Um telefonema, ao menos
Já que não posso vê-los
Beijar-vos os cabelos
Como em pequenos.

Afinal tive cá 4 a almoçar. Os dois rapazes, a filha (nora, que não é nora) e o neto. Fiquei mais feliz. Mas havia dois lugares vagos na mesa e no coração: as minha meninas, que longe no Algarve, me telefonaram, logo de manhã. E tive flores, um disco triplo de Brel, os beijos e o telefonema meigo da minha filha.
O dia acabou por ser feliz, quase inteiramente feliz.
E digo eu às vezes, que não ligo às datas!
A nossas mães, a minha e a do João, tiveram direito, como sempre, a dois botões de rosa e a muitas saudades.
É bom ser mãe.
Obrigada meus filhos. Um beijo nos cabelos, como dantes, ao deitar.
Até um dia destes.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

26 de Abril


Ontem seria dia de dizer alguma coisa. É costume, todos falam na maravilha que viveram nesse dia, ou no medo. Fui das primeiras. Disse várias vezes, que foi um dos dias mais felizes da minha vida. O meu País livre, sem mordaças, sem guerra, sem censura, livre enfim. Julguei que todos seriam mais felizes. Enganei-me. Os cravos murcharam, os cravas continuaram a cravar, os ricos voltaram mais ricos e os pobres cada vez estão mais pobres.
E ontem, dia 25 de Abril, eu só lembrava o “Triunfo dos porcos” de Orwell.
Os animais libertaram-se, e fizeram o seu código de conduta que aqui está:


1 .Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
4. Nenhum animal dormirá em cama.
5. Nenhum animal beberá álcool.
6. Nenhum animal matará outro animal.
7. Todos os animais são iguais

Tempos depois o código foi modificado e saiu isto:


2. Nenhum animal dormirá em cama com lençóis.
5. Nenhum animal beberá álcool em excesso.
6. Nenhum animal matará outro animal sem motivo.
7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais que outros


Sem querer tirar ao Seve o papel de conselheiro de leituras, recomendo vivamente o livro. É pequeno e lê-se de um fôlego.
Tenho pena, mas não me ocorre mais nada.
Ontem não houve cravos para mim, nem sorrisos, nem alegria. Vi o Salgueiro Maia e não tive pena da sua morte prematura. Talvez fosse o mais feliz.
Sem alegria, sem cravos, até um dia destes.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Vou aqui e já volto


Vou onde? Adivinhem.


Amanhã à noite volto.

Beijinhos, bom fim de semana e... Até um dia destes.

Maria

quarta-feira, 14 de abril de 2010

As voltas que o mundo dá


Em 1867 tinha minha bisavó materna, entre várias outras coisas, uma quinta perto da Póvoa de Santo Adrião (documento da foto). Lá viveu os últimos anos da sua trágica e atribulada vida e lá morreu. Tinha uma filha pequenina, que ficou entregue à irmã mais velha, que por acaso era sobrinha da mãe. Confusos? Eu explico. Meu bisavô e trisavô, personagem que detesto sem nunca o ter visto, casou com uma sobrinha que lhe deu três filhos e morreu nova. Levou ele para casa, a outra sobrinha, irmã da primeira, para lhe criar os filhos. Em paga, resolveu dar-lhe mais que fazer e pôs-lhe uma menina nos braços. Ela adoeceu, ele caridosamente pô-la na tal quinta à espera da morte e casou com outra, que não era sobrinha. Estão baralhados? Olha se eu fizesse como o Camilo e me pusesse a contar a história da minha família toda!?. Hoje não conto. Já temos confusão que baste para um só dia.
Temos uma bisavó enganada, com uma filha pequenina, a minha avó, a irmã da minha avó, que por acaso também é minha bisavó (como? fica para outro dia), uma quinta desaparecida na bruma do tempo. A minha avó cresceu, casou, teve 11 filhos, morreu ela e o marido, deixando-os novinhos e sós. Isto também fica para outro dia.
Ora, quando o Corvo comprou a casa dele e me disse onde ficava, houve qualquer coisa que me chamou a atenção. No baú dos papéis descobri este documento. Descobri-o, e as suspeitas confirmaram-se. O sítio onde é a casa dele, fez parte da dita quinta.
Curioso não é? Andámos a investigar os limites da propriedade e bate certo. Quer dizer, a casa do Corvo é na quinta que foi da trisavó. Quem sabe no próprio sítio onde era a casa em que escondeu a sua vergonha (naquele tempo era assim que se chamava ter um filho sem ser casada), a sua doença, toda a solidão da mulher abandonada por um crime que não foi dela. Ele, como já disse, casou e deve ter sido muito feliz, teve outra filha, morreu muito velho.
Ai se eu fosse o Camilo!... Ele com alguns parentes e muito engenho, imaginação e arte, escreveu perto de 200 volumes. Eu tive uma família enorme cheia de dramas Camilianos, falta-me o engenho, a arte. A imaginação não faz falta, porque só a verdade dava uma data de volumes.
E pronto. Mais uma volta do mundo, mais uma história das muitas que guardo na memória e no velho baú dos papéis.
Não sei porquê, acho que há pessoas bastante baralhadas hoje.
Não vos prometo entrar em explicações, pela vossa sanidade mental. Um amigo de meu pai, um dia que ele lhe tentou explicar, que era primo de si mesmo, ia ficando maluco.
Até um dia destes.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Nunca mais vi futebol


Não gosto de futebol, já o disse várias vezes. Fujo de o ver até na televisão. Sou do Benfica por tradição familiar, também já o disse. Há outra razão para não ver. Sou perigosa, porque além de os meus acompanhantes ficarem com as canelas negras, visto eu dar pontapés quando o Benfica marca, ainda por cima, sempre que via o meu clube jogar, ele perdia. Mas o que verdadeiramente me faz não ver os jogos, tem outra história.
Em 94 ou 95, o Benfica jogou contra o Porto, numa final em Coimbra. O Vasco estava na altura na Lousã, na colónia de férias, como todos os anos. Devo dizer, que ele não é muito de futebóis.
Nessa noite, estava eu a ver o jogo, que o Benfica perdeu 5/6, rebenta uma saraivada de garrafas, pedras, entram e saem bombeiros com macas, a polícia intervém, eu vi montes de putos saírem de maca e escoltados pela polícia, e eu sentadinha no sofá exclamo: “olha para isto. Estão as mães em casa muito socegadas e os miúdos ali. Havia de ser comigo, havia!”. Fui deitar-me calmamente, dormi, e no dia seguinte telefonei para a colónia à hora de almoço, como sempre. O Vasco atendeu, falámos das coisas do costume, se comia, se estava a gostar... depois perguntei-lhe: “viste ontem o jogo na televisão?” Ele hesitou, mas por fim disse-me: “ não, não vi na televisão. Estava no estádio.” Fiquei trémula, gaga, sem palavras. Na minha cabeça só havia uma ideia: onde estava o meu instinto maternal naquela noite? Eu era uma mãe descansada, com o meu filho a correr perigo. Ele lá me explicou que o monitor, logo que começou a barafunda, os tinha posto a salvo. Ralhei, desliguei e tive uma crise de choro à moda antiga. Na minha cabeça continuava a interrogação: “mas onde tinhas o instinto maternal ontem? Onde?.” E foi assim que nunca mais “fui” à bola com o futebol.
Até um dia destes.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Queres uma Amêndoa, Mãe?


Habituei-me a ver estas de licor desde que me conheço. Todas as Páscoas, o meu pai as oferecia à minha mãe em bonitas caixinhas, juntamente com uma moeda de dez escudos, daquelas da caravela. Os da minha idade sabem do que falo. Aos outros só direi que, nesse tempo, dez escudos era algum dinheiro. Foi juntando estas da Páscoa e mais umas tantas que arranjou, que minha mãe comprou a mobília do meu quarto e da minha irmã. Mas voltemos às amêndoas. A minha mãe, que tudo repartia com os filhos, era avara com as “suas” amêndoas. Uma por dia e já gozávamos.
Um dia estávamos a ver fotos antigas, guardadas nesta caixa grande, e perguntei-lhe de que era a caixa. Então soube a história toda das caixinhas e das amêndoas. O padrinho, todos os anos na Páscoa, lhe enviava uma, juntamente com uma libra de cavalinho. Já não sou do tempo dessas moedas, mas valiam bastante.
Um dia contou ao meu pai, e ele prometeu-lhe que teria todos os anos as “suas” amêndoas e uma moeda, não de libra, mas o que ele pudesse. Assim foi até quase ao fim. Morreu na véspera do Domingo de Ramos, não chegou a ter amêndoas nesse ano.
Depois de casar, contei isto ao meu marido. Agora sou eu a dona das figurinhas de açúcar e licor. Já não vêm em caixinhas bonitas, mas sabem ao mesmo licor, açúcar, infância e mimo de mãe.
Tudo na minha vida sabe e cheira a passado.
Queres uma amêndoa, mãe? Vá lá, tira uma pombinha.
Até um dia destes e boa Páscoa para todos.
Maria

quinta-feira, 25 de março de 2010

Mais um ano


Mais um ano sem ti, Mãe. Logo que acordei, olhei o teu retrato e pensei nos versos de Junqueiro, que tu tanto gostavas, e eu te pedia, tantas vezes, para me dizeres. Sabes? Aqueles que começam: “Minha mãe, minha Mãe, ai que saudade imensa...”
Logo à tarde vou ao cemitério, como sempre, limpar a tua casinha, pôr-te flores. Embalarei de novo, a caixa que guarda o que de material resta de ti. Pesa tão pouco, Mãe! Já as saudades e recordações são tão pesadas, que magoam muito.
Agora mando-te o nosso Poema. É o que sinto.

Excerto do Poema “Aos Simples” de Guerra Junqueiro


Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além , por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!...
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
O meu coração puro, imaculado e santo
Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
Para toda a nudez um pano do seu manto,
Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
E para todo o crime o seu perdão de Pai!...
………………………………………………
A minha mãe faltou-me era eu pequenino,
Mas da sua piedade o fulgor diamantino
Ficou sempre abençoando a minha vida inteira
Como junto dum leão um sorriso divino,
Como sobre uma forca um ramo de oliveira.

Sabes Mãe? No beiral da casa onde nasci, ainda há ninhos de andorinhas. Já devem andar por lá a esvoaçar.
Adeus minha Mãe. Mil beijos e a saudade cada vez maior da tua filha.
Até um dia destes.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Frango de cabidela


Quando vivemos no Porto, tinha o meu pai um carrito que nos permitia dar “grandes passeios ao Domingo”, perdoe-me José Régio o atrevimento. Quase sempre eram para o Minho, local que todos adorávamos. Ora Ceide, “visitar o Camilo”, como dizia o meu pai, antecedido de uma paragem em Famalicão, no Tanoeiro, para as belas “Papas de Sarrabulho”, ora Penafiel onde imperava um “Cozido à Portuguesa” de se lhe tirar o chapéu, ora Póvoa do Varzim, onde era obrigatória a “Pescada à Poveira” antecedida dos deliciosos “percebes”. Havia uma terra que ficava muito nas nossas saídas. Braga, a belíssima Bracara Augusta. Meu pai tinha lá um primo já velhinho, casado com uma adorável senhora, que fazia os mais gostosos doces de ovos que já comi. Viviam com uma filha solteira, muito simpática e paciente. Convidavam-nos muitas vezes, umas vezes para Braga, outras para uma quintinha amorosa em Ruílhe. Era sempre um prazer ir a casa deles. Gente afável, comida óptima, vinho a condizer, e os doces, meu Deus, os doces!!!
Um dia meu pai falou, não sei porquê, em frango de cabidela. Logo a prima combinou para daí a uma semana, em Ruílhe, comermos o dito frango com arroz malandrinho. Assim foi. Estava um dia morno de Primavera, a casa era fresca e o frango divino. O meu pai na viajem para casa, só falava no almoço. Tudo bem. O que não estava bem, é que ele tinha andado a dizer a meio Porto, que queria experimentar o arroz de cabidela.
Por azar, no dia seguinte, tínhamos um convite de uma amiga minha para jantar. Vamos para a mesa e quem chega a seguir? A bela terrina com a cabidela e a travessa de arroz malandrinho. Lá comemos, estava boa, mas já tinha um certo ar de dejá-vu. Quando fomos para casa, o meu pai já deitava o frango de cabidela pelos olhos. Julgam talvez que acabou a história? Desenganem-se.
Um amigo do pai, tinha um restaurante para os lados de Gondomar, numa pequena praia fluvial, onde só havia a casa em madeira, pedras, árvores, o rio transparente, o cantar dos passarinhos. Tinha um caminho horrível para lá chegar. Depois era um deslumbramento. Chegamos, saímos do carro e eu senti no ar um aroma conhecido, misturado com lenha queimada. Só disse baixinho, ao meu pai: Pai, não te assustes, mas acho que o jantar é frango de cabidela. Riram-se todos, julgando que estava a brincar.
Entrámos por uma porta e pela outra, entrou quem? O arroz malandrinho e a cabidela de frango.
Três dias a dieta de frango de cabidela. Só anos depois, consegui voltar a prová-lo.
Porquê hoje dia do pai, me lembrei do dito prato? Talvez, à minha maneira, seja uma forma de homenagear aquele em quem tenho pensado todo o dia. Ele não gostava de coisas tristes. Por isso, meu pai querido, um beijo e a saudade imensa que tenho deste tempo.
Até um dia destes.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Imaginação ou talvez não


Continuando em busca das boas memórias do passado, fui descobrir mais um desenho do meu marido.
Como se pode ver, foi feito na Ota, onde ele passou alguns dias, antes de casarmos e ser colocado em Paços de Ferreira.
Imaginação, porque eu não estava lá e o meu filho ainda estava na minha barriga, não nos meus braços. Mas era assim que ele já me via. A mãe com o filho no colo. A mulher plena.
Num tempo em que não havia ecografias, ele conseguiu ver o filho.
Se previu o sexo, não sei. Queria um rapaz e foi o que teve. Tal como no ano seguinte sonhava uma menina, e ela veio. Tal como, anos mais tarde, queria outro rapaz, e ele veio.
Três pintainhos no meu ninho. Cresceram, ganharam asas, voaram pela vida, dois já são pais. Só falta o meu Corvo dar-me um Corvo ou Corva pequeninos, para deixar alguma marca da nossa passagem na terra. E acho que nos saímos bem. Filhos e netos são seres normais, com defeitos e qualidades, mas bem formados.
E nós cá estamos. Mais velhos, cansados, com menos ilusões, mas no fundo os mesmos que éramos neste tempo.
Até um dia destes.

domingo, 7 de março de 2010

Pastorinha do olhar de bruma


Li há dias na revista “Visão” uma crónica de António Lobo Antunes, que me deu volta à cabeça.
Dedicada à mãe com 90 anos, gira à volta da história de uma foto dela em nova, com uns versos de António Sardinha, chamados “Vesperal”. A crónica chama-se “Ó Pastorinha do olhar de bruma”.
Grosso modo, conta que um fotografo tirou a fotografia à mãe e expô-la na montra. Um estudante apaixonou-se pela foto e conseguiu que o homem lha vendesse. Dias depois, o pai da menina não vendo a fotografia, exigiu ao fotografo a entrega da mesma. O estudante devolveu-a com a dita poesia por trás e a sua assinatura. O pai apagou a assinatura, mas a foto foi guardada até hoje. Aqui entra a parte que eu admiro em Lobo Antunes: a facilidade com que entra no pensamento e sentimentos femininos.
Aquilo que ele imagina à volta da fotografia, em princípio, só uma mulher a conseguirá ver.
Qual a mulher que não tem uma foto com uma história de amor não vivida, mas muitas vezes sonhada? Qual não guarda uma carta de um amor passado, um bilhete, um desenho ou tão só, uma lembrança? Pus-me a pensar, onde estaria a minha “pastorinha”.
As cartas de amor que tenho guardadas, são todas do meu marido.
Fotografias tenho muitas. Mas é este Retrato, que ele diz inacabado, que me faz sonhar ainda. Fê-lo quando eu tive a minha filha. Que recordações lindas me traz desse tempo! E é ele que já hoje me faz sonhar com tanta coisa linda. Olho-o e olho-me. Pergunto: Eu era assim? Era assim que o meu amor de então e de hoje, me via. Para ele, eu era assim. Não, não era a “Pastorinha do olhar de bruma”. Era a mulher dele, a mãe dos seus filhos. E ele era e é ainda, o amor que sonhei um dia e que mesmo nos dias piores, me dá alento. O amor que foi tão conseguido, que não preciso de nenhuma “Pastorinha de olhar de bruma” para sonhar ainda.
Leiam a crónica do Lobo Antunes. Esqueçam as lamechices serôdias da Maria.
Até um dia destes.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Volta Primavera!


Estou farta de chuva, de frio, de vento, de tragédias, de fofoquices políticas e outras. Estou farta deste Inverno longo, estúpido, cinzento. Estou farta deste casulo onde me enfiei, qual crisálida. Quero rompê-lo, ser borboleta, voar pelo ar morno, cheirando a flores. Quero ir à minha terra, perder-me na Mata dos Sete Montes, entrar no Convento, vendo-o como se fosse a primeira vez. Quero sentir o cheiro do meu Nabão, ouvi-lo correr. Voltar à noite ao Convento para ver os “Fatias de Cá” representar uma peça, daquelas que correm o Convento e a Mata. O Convento à noite é mágico. Quero pisar o meu chão, ver a casa onde nasci, lembrar os amigos que lá tive. Tomar é sempre linda, mas na Primavera é mais bonita ainda.
E a minha terra faz hoje 850 anos. Obrigada D. Gualdim.
Como tardas Primavera! Volta depressa. Quero ver as andorinhas, o campo verde, o sol. Estou cansada de ser crisálida, quero voltar a ser borboleta.
Até um dia destes.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Carta aberta a Pedro Mexia


O senhor Pedro Mexia, mexeu onde não devia. Quem é o senhor
para dizer mal de um livro, que eu aposto que não leu? Folheou, quando muito, como faz a maior parte dos críticos literários. Apanhou algumas frases e vá de escrever e criticar. Qualquer ser humano com um mínimo de sentimentos e discernimento, nunca faria uma crítica tão parva, tão porca, como a que fez.
Que sabe o senhor da heroicidade do homem que criticou? Que ideia tem do que ele sofreu no corpo e na alma ao escrevê-lo?
Passa-lhe pela cabeça o que é, ir fazer um simples exame de rotina, e sair de lá com dois cancros declarados? Faz uma ideia do que é passar dias e dias, passeando uma argália atrás? Suponho que apesar da sua ignorância, saiba onde esta é metida. Acharia graça ter uma por umas horas? Seria capaz de ter coragem de descrever isso?
Não tinha. O senhor só é grande a escrever m...
Conheci André Moa depois de ler o livro. Seria o senhor homem para alimentado apenas a sumos de vegetais, cantar, recitar, ser a alma de uma reunião de amigos uma tarde inteira, sem um desfalecimento, sem um rito de dor, sem um olhar de tristeza? Não acredito. Essa gordurinha balofa não aguentava.
Leia o livro todo e depois fale. Leia o livro do Salvador Vaz da Silva e aprenda com eles a ser homem. Até lá não fale deles. Cale-se. Pense qual seria a sua reacção se tivesse um cancro só.
Quanto a Vitorino Nemésio e Torga, que o senhor não deve ter lido, deixe-os fora disto.
Senhor Mexia não mexa no que não sabe. É melhor estar calado.
Sem respeito nem consideração
Maria

Nós meus amigos, até um dia destes.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Dona do Passado


Fez ontem 34 anos que partiste. Contigo foram as histórias do passado, que me contavas vezes sem conta. Sentada no chão, a cabeça nos teus joelhos, a tua mão acariciando a minha cabeça, pedia: “Conta avosinha”. E tu nem perguntavas o quê. Sabias bem o que eu queria. Histórias de família, ora cómicas, ora dramáticas, o teu longo namoro com o avô, descrição das roupas e factos do teu tempo, histórias de outros tempos nos quais gostaria de ter vivido.
Tiveste uma infância e adolescência de menina rica. Professores em casa, uma cultura acima do normal, que fazia jus à tua inteligência. Tocavas piano e falavas francês e outras línguas, bordavas na perfeição. Casaste, e a vida sorriu-te até ao dia em que o avô partiu, cedo, demasiado cedo. Com seis filhos abaixo dos quinze anos, tudo mudou. Criar quatro rapazes e duas garotinhas, foi difícil. Quando eu nasci, já tinhas vários netos. Fomos doze, contando com as duas que morreram pequeninas. Dois dos filhos foram levados pela morte, muito cedo. Sofreste muito, avó. Eu sei.
Nunca te vi chorar. Acho que as lágrimas secaram como as minhas.
Frágil por fora, mas com um espirito muito forte, a tudo resiste. Enquanto tu quiseste. Um dia, com 98 anos, uma gripe de nada, atirou-te para a cama. O enfermeiro foi pôr-te o soro e o oxigénio, e mal a porta da rua bateu atrás dele, arrancaste tudo e só murmuraste: “Não quero mais”. Pregaste os olhos no retrato do avô em frente à cama, e passada meia hora foste embora. Dona de ti até ao fim, não foi avó? Senhora da tua vontade e da tua vida, até ao fim.
Eu neguei-me a acreditar. Como dizia em pequena “as avosinhas não morrem”. Senti-me traída, enganada. Depois tive que aceitar que até a minha avó tinha a sua hora.
Ao fim de todos estes anos, ainda me custa viver sem ti. Sabes? Nunca te menti. Não era capaz. Aqueles olhos verdes, liam até ao fundo da minha alma. Ficaram as histórias, avó. Lembro-me de todas. Encheriam vários livros se as contasse.
Um beijo na mão, avó e a tua benção. Como há 34 anos, como todas as noites antes de dormir.
Até um dia destes.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Doutor Fernando Nobre, porquê?

Nunca aqui falei em política. É um tema controverso, que não se enquadra no espírito do meu Blog e de que não gosto. Política, futebol e religião, cada um tem a sua e o meu respeito por todas as ideias, leva-me a não falar disso. Além de tudo, não entendo nada de política e sinceramente, enoja-me cada vez mais. Por isso vou ser breve.
De há muitos anos, tenho um respeito muito grande pelo Doutor. A sua vida e obra, que tenho seguido, transformou-o num ser de outro Planeta para mim.
Ontem fiquei estupefacta. O meu Doutor ia anunciar a candidatura à Presidência da República.
Da Wikipédia copiei esta Biografia dele.
“A Vida
Nasceu em Angola, em 1951. Aos 12 foi viver para o Congo. No total foram 16 anos em África. Estudou na Bélgica, onde acabou por passar cerca de 20 anos na capital Bruxelas
Desde que se recorda sempre quis ser médico. Fez primeiro toda a especialidade em cirurgia geral e urologia. Dezasseis anos de formação especifica, para optar pela medicina humanitária e desistir da ideia de ser professor na Faculdade de Medicina.
A 19 de Fevereiro de 2010 , no Padrão dos Descobrimentos em Lisboa, apresentou a sua candidatura à Presidência da República Portuguesa.
Participou nos Médicos Sem Fronteiras entre 1977 e 1983. É actualmente o Presidente Assistência Médica Internacional. Já participou em mais de 100 missões de ajuda humanitária
Fernando Nobre está sempre pronto a partir em missões de emergência médica, ou para 'visitar os projectos permanentes da AMI. É sempre em Portugal o primeiro a mandar ajuda em caso de catástrofe natural.
Fernando Nobre chegou ao 25º lugar da lista de "Os Grandes Portugueses", programa da RTP1.

Wikipédia

Doutor:
Que aconteceu, para depois de ter dedicado toda uma vida, a ajudar os mais necessitados, depois de ter patinhado entre os escombros de terras destruídas, de ter patinhado no “sangue, suor e lágrimas” desses povos, que tanto precisam de si, ir agora meter-se no pântano nojento e mal cheiroso da política?
Depois de um poeta, um Humanista? Que desilusão, Doutor.
Desista. Pois não vê, que vai perder todo o prestígio de uma vida inteira?
Já meti demais a foice em seara alheia. É claro, que o Doutor tem todo o direito de querer ser candidato. Mas também é claro, que eu tenho o direito de não concordar e me sentir desiludida.
Com todo o respeito e admiração que ainda me merece.
Maria
Nós, até um dia destes.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Sem Abrigo encontrado morto

Eu sei que a minha volta, deveria ser um agradecimento aos meus queridos amigos, pela ternura e ajuda que me deram. Foram todos amorosos, tentaram dar-me força numa altura muito má da minha vida. Sei também, que deveria contar o que se passou. Depois de médicos, exames, análises, parece que tudo se resolverá, com medicamentos, calma e um pouco de paciência. Feitas as explicações, vamos à história de hoje, que não é alegre, como poderão ver pelo nome. Não tem fotos. A miséria, todos a conhecem e, não tem rosto, nem nacionalidade.
No Jornal “O Templário”, semanário da minha terra, vem este título na primeira página. Eu sei que isto acontece todos os dias, em qualquer lugar. Mas em Tomar, na Tomar que conheci, não acontecia. O “meu capitão Oliveira”, de quem já falei várias vezes, por várias razões, não deixaria que isto acontecesse. Era Salazarista sim. Tinha uma relação de amizade com o meu pai, que odiava o Salazar e isso fazia-me uma certa confusão. É que, mais que Salazarista, “o meu capitão” era tomarense. Fez daquela terra um jardim, mas não só. Uma das suas obras foi a casa dos pobres, onde homens e mulheres encontravam abrigo, num ambiente acolhedor e simples, com horta e criação, que além de lhes dar trabalho, era uma ajuda para a manutenção da casa. Os que viviam cá fora, iam lá buscar o alimento de que necessitavam. Havia pobres em Tomar. Talvez os mais velhos se recordem de alguns: O Martinho, que lá vivia, o Troca a Nota, o D. Inês, o Jeitoso e a irmã, sei lá. Nunca me lembro de nenhum ter morrido assim.
Agora, um pobre paquistanês, que vivia em Tomar há muito tempo, apareceu morto numa lixeira, meio roído pelos ratos. Vivia numa casa sem portas nem janelas, davam-lhe de comer e dinheiro, que gastava em vinho. Desapareceu, e ninguém se preocupou muito. Apareceu, no estado que eu já disse: morto, numa lixeira e roído pelos ratos. Será que isto acontecia no tempo do “Capitão”? Deixem-me duvidar. Já nada é o que era dantes. Onde está a minha terra? Onde os seus jardins, as pedras do chão, a janela do Convento suja, mas inteira? Onde os homens como o Salazarista “Capitão Oliveira”, que por acaso, foi general e Director Geral da Polícia?
Na última vez que fui ao cemitério, não tinha uma flor. O mini-monumento, que lhe fizeram, é mais pequeno do que o bebedouro de pássaros que tem à frente.
O “meu Capitão” merecia mais, gente da minha terra. Perdoem-lhe o Salazarismo e, lembrem-se do Tomarense que ele foi.
E pronto. Voltei. Com uma história triste, mas que me fez lembrar alguém, que merecia mais dos seus conterrâneos.
Beijinhos e obrigada a todos.
Até um dia destes.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Até um dia destes

Vou encostar a porta de mansinho, parar por algum tempo.
Vou voltar, prometo, mas não sei quando.
Como se costuma dizer, não tenho dia, nem mês marcado. Pode ser daqui por quinze dias, um mês, não sei.
Razões de saúde, a isso me levam.
Continuarei a vir aos vossos blogs, farei comentários, lerei os mails.
Não quero perder-vos, daí esta curta explicação. A Maria continua aqui, mas está doente. Logo que esteja bem, volto. É uma promessa.
Por isso, abraços grandes e beijinhos para todos e...
Até um dia destes.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O galo que não queria morrer


O nosso amigo Zé do Cão, levou-me tão longe com a história do peru, que não resisto a contar uma passada com um galo, que não queria morrer.
Foi há muitos anos. Eu teria 5, talvez. Morávamos ainda, na velha casa onde nasci. A cozinha era grande, com soalho de tábuas corridas e alguns ladrilhos junto da lareira. Um dia, deram ao meu pai um belo galo, crista vermelha, boas goelas. O bicho, metido num caixote, asas presas, olhava para nós com ar sobranceiro, como se interroga-se o que fazia ali, tão longe do seu galinheiro natal e das suas galinhas. De vez em quando, abria as goelas e lançava para o ar um grito de protesto.
A minha mãe, tal como eu, nunca foi capaz de matar um animal. A mocinha, que ajudava lá em casa, negava-se a cortar o pescoço ao galo, porque tinha medo dos olhos dele. A minha mãe pediu ao meu pai para antes de sair, tratar da saúde ao bicho. Ele disse que sim, mas esqueceu-se. A mãe, tinha o nariz arrebitado e era orgulhosa, não pediu segunda vez. Mandou a moça pôr o panelão de água ao lume, para dar o banho póstumo ao galo, muniu-se do maior facão que tinha, pôs o dito dentro de um alguidar de barro e, vá de cortar o pescoço. Aí começou a tragédia. Só cortou metade. O desgraçado, cabeça pendurada, sangue a espirrar por todo o lado, esvoaçou pela cozinha, deixando sangue e dejectos por onde passava. Em desespero, a mãe mandou a moça chamar o meu pai ao emprego, ali ao virar da esquina. Entretanto havia loiça partida, a cozinha metia nojo e, ele continuava no seu esvoaçar de adeus sem se deixar agarrar. Por fim, o pai chegou, agarrou o galo e, de um golpe, cortou o pescoço todo.
Galo morto, metido no alguidar e escaldado, o resto do dia foi passado a reparar os estragos. Os móveis e o chão de madeira, foram esfregados, vezes sem conta, com sabão amarelo, potassa, muitas águas e uma escova de barbas rijas. Levou tempo até tudo ficar em ordem.
O galo era velho. Não havia panelas de pressão. Quando à noite o fomos comer, estava rijo como pedras. Foi a vingança dele, acho.
Vês Zé, o que as tuas histórias fizeram?
De alguidares, falaremos noutro dia.
Até um dia destes.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Mariana


Não conheço, pessoalmente, a Mariana Palavra, mas conheço bem a família dela.
Vareira, jornalista, 31 anos. No Haiti durante o terrível sismo, a sua voz e imagem, aparecem em todos os noticiários.
As nossas famílias foram sempre íntimas. A tia é uma das minhas melhores amigas. Há dias, tínhamos falado da Mariana. Quando ouvi a notícia do sinistro, foi a primeira pessoa que me veio à ideia.
Apressei-me a telefonar à tia e, esta disse-me que ela estava viva e bem fisicamente. Deveria voltar breve.
Depois, vi a Mariana e ouvi-lhe a voz. Uma voz aparentemente calma. Falava dos amigos que perdeu, daqueles de que não sabia o paradeiro, do horror que presenciava.
Hoje, ao ler as notícias, vi que a Mariana vai ficar lá, onde precisam dela, diz.
Sabe-se lá porquê, não fiquei admirada. Talvez porque sei de que fibra é aquela família feita. Apreensiva, sim. A mãe, a tia, os irmãos, devem estar em pânico. Esperavam a volta dela, para a acarinhar e, fazer esquecer um pouco, o pavor que viveu e continua a viver. Mas devem estar muito orgulhosos também. Eu estou.
Mariana, não nos conhecemos, mas de agora em diante, entraste na minha galeria de heróis e heroínas.
Talvez um dia, os nossos caminhos se cruzem. Gostava de te abraçar, de te dizer tudo o que em mim provocaste.
Obrigada Mariana Palavra. Tu és a prova de que afinal, a tua geração não é a “Geração Rasca”. Ainda há muita gente boa e muita mulher valente.
Até um dia destes.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Miúdos em dias de chuva


Hoje, falando com o meu filho mais velho, ele queixava-se que, o filho com onze anos se molhava de propósito. Isto transportou-me para muito tempo atrás, quando tinha a mesma idade e até mais anos.
Quando mudamos de casa em Tomar, fomos morar para um prédio acabadinho de fazer, na então parte Nova da Cidade. As ruas ainda não estavam feitas, eram barrentas, cheias de buracos, que com a chuva se tornavam poças de água. Da casa onde morava até à Escola que frequentava, era perto. Tinha, então, um belo impermeável vindo de Espanha, branco, com carapuço e quase até aos pés. Usava botas de carneira com tachas nas solas e, claro, um guarda-chuva, que eu usava para tudo, menos para me abrigar da dita chuva. Os pés, fosse porque razão fosse, entravam em todas as poças. Algumas eram fundas e, a água entrava pelo cano baixo das botas. O capuz, nunca cobria a cabeça. O gozo de sentir a água escorrer cara e tranças abaixo, era imenso. Chegava a casa feita pinto molhado. Claro que ouvia raspanete. Claro que apanhei algumas constipações. Mas o prazer de sentir a chuva na cabeça e na cara, patinhar em tudo quanto era buraco, faziam-me esquecer o resto. As tranças molhadas a bater-me no rosto, a sensação de liberdade de as ver dançar ao vento, como cordas molhadas, são lembranças que não esquecem. Agora, fujo da chuva e do vento e nem me atrevo a enfrentá-los. Mas aquele prazer está na minha memória marcado como uma lembrança muito boa.
Por isso entendo o meu puto. Que importa uma constipação, comparada com a liberdade de apanhar uma valente carga de água?
Afinal, as crianças não mudaram assim tanto. E eu, pelos vistos, continuo, por dentro, a ser a “trancinhas” maluca, garota, que tem uma pena danada de já não ter coragem de se meter debaixo de chuva, com os pés dentro de água e um guarda-chuva fechado na mão.
Até um dia destes.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Meu Neto




Há onze anos, à uma hora e um quarto, tive uma prenda das mais lindas que até hoje recebi.
Na noite gelada, depois de umas horas de ansiedade por ti e pela tua mãe, nasceste. Já era a quinta vez, que tinha uma prenda dessas, um bebé. O primeiro, o teu pai, depois a ti-ti e o padrinho, de seguida a minha primeira neta, naquele momento, tu.
Um menino lindo, perfeito, um misto de boneco e anjo.
Passados três meses, novo presente. Os teus pais emprestaram-te à avó. Foram dois anos muito felizes. Voltar a ter um bebé nos braços, acalenta-lo com velhas canções de embalar, que ainda lembras, ver-te crescer, esperto, alegre, meigo, ouvir-te as primeiras palavras. Estas, fazem-me sempre rir. O Nabão, teu companheiro e guarda, ladrava e, eu dizia: “Cala-te cão”. Um dia, ele ladrou e, antes de eu dizer nada, ouvi a tua voz de bebé: “Caa cão”. Chorei e ri ao mesmo tempo.
A vida afastou-nos. Foste para mais longe e, o sonho acabou. Quando cá estás, ainda pedes ao deitar: “Canta a da Estrelinha, avó”. E, de novo baixinho, canto para ti, a “Canção de Embalar” do Zeca Afonso. Até quando vais pedi-la? Hoje fazes 11 anos. E é por isso, que tudo me vem à ideia. Porque me lembro, que foste e és, o último bebé que embalei com ternura e força de mãe. Agora, já não tenho força, mas ainda te posso cantar: “Dorme meu menino, a Estrela d’alva, já a procurei e não a vi, outra que vier de madrugada, outra que eu souber, será para ti.” Queria dar-te, a ti e à tua prima, todas as estrelas do céu e, um mundo onde fosse fácil viver.
Vou mandar-te a “Canção da Estrelinha”, não cantada por mim, mas pelo seu autor.
Beijinhos, coceguinhas na orelhinha, um dia muito feliz, meu neto.
A tua avó continua a adorar-te.
Agradeço aos teus pais, esses dois anos, que nunca esquecerei.
Bom Ano Novo para os três, é o que mais deseja a mãe e avó.
Maria