quinta-feira, 25 de março de 2010

Mais um ano


Mais um ano sem ti, Mãe. Logo que acordei, olhei o teu retrato e pensei nos versos de Junqueiro, que tu tanto gostavas, e eu te pedia, tantas vezes, para me dizeres. Sabes? Aqueles que começam: “Minha mãe, minha Mãe, ai que saudade imensa...”
Logo à tarde vou ao cemitério, como sempre, limpar a tua casinha, pôr-te flores. Embalarei de novo, a caixa que guarda o que de material resta de ti. Pesa tão pouco, Mãe! Já as saudades e recordações são tão pesadas, que magoam muito.
Agora mando-te o nosso Poema. É o que sinto.

Excerto do Poema “Aos Simples” de Guerra Junqueiro


Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além , por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!...
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
O meu coração puro, imaculado e santo
Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
Para toda a nudez um pano do seu manto,
Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
E para todo o crime o seu perdão de Pai!...
………………………………………………
A minha mãe faltou-me era eu pequenino,
Mas da sua piedade o fulgor diamantino
Ficou sempre abençoando a minha vida inteira
Como junto dum leão um sorriso divino,
Como sobre uma forca um ramo de oliveira.

Sabes Mãe? No beiral da casa onde nasci, ainda há ninhos de andorinhas. Já devem andar por lá a esvoaçar.
Adeus minha Mãe. Mil beijos e a saudade cada vez maior da tua filha.
Até um dia destes.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Frango de cabidela


Quando vivemos no Porto, tinha o meu pai um carrito que nos permitia dar “grandes passeios ao Domingo”, perdoe-me José Régio o atrevimento. Quase sempre eram para o Minho, local que todos adorávamos. Ora Ceide, “visitar o Camilo”, como dizia o meu pai, antecedido de uma paragem em Famalicão, no Tanoeiro, para as belas “Papas de Sarrabulho”, ora Penafiel onde imperava um “Cozido à Portuguesa” de se lhe tirar o chapéu, ora Póvoa do Varzim, onde era obrigatória a “Pescada à Poveira” antecedida dos deliciosos “percebes”. Havia uma terra que ficava muito nas nossas saídas. Braga, a belíssima Bracara Augusta. Meu pai tinha lá um primo já velhinho, casado com uma adorável senhora, que fazia os mais gostosos doces de ovos que já comi. Viviam com uma filha solteira, muito simpática e paciente. Convidavam-nos muitas vezes, umas vezes para Braga, outras para uma quintinha amorosa em Ruílhe. Era sempre um prazer ir a casa deles. Gente afável, comida óptima, vinho a condizer, e os doces, meu Deus, os doces!!!
Um dia meu pai falou, não sei porquê, em frango de cabidela. Logo a prima combinou para daí a uma semana, em Ruílhe, comermos o dito frango com arroz malandrinho. Assim foi. Estava um dia morno de Primavera, a casa era fresca e o frango divino. O meu pai na viajem para casa, só falava no almoço. Tudo bem. O que não estava bem, é que ele tinha andado a dizer a meio Porto, que queria experimentar o arroz de cabidela.
Por azar, no dia seguinte, tínhamos um convite de uma amiga minha para jantar. Vamos para a mesa e quem chega a seguir? A bela terrina com a cabidela e a travessa de arroz malandrinho. Lá comemos, estava boa, mas já tinha um certo ar de dejá-vu. Quando fomos para casa, o meu pai já deitava o frango de cabidela pelos olhos. Julgam talvez que acabou a história? Desenganem-se.
Um amigo do pai, tinha um restaurante para os lados de Gondomar, numa pequena praia fluvial, onde só havia a casa em madeira, pedras, árvores, o rio transparente, o cantar dos passarinhos. Tinha um caminho horrível para lá chegar. Depois era um deslumbramento. Chegamos, saímos do carro e eu senti no ar um aroma conhecido, misturado com lenha queimada. Só disse baixinho, ao meu pai: Pai, não te assustes, mas acho que o jantar é frango de cabidela. Riram-se todos, julgando que estava a brincar.
Entrámos por uma porta e pela outra, entrou quem? O arroz malandrinho e a cabidela de frango.
Três dias a dieta de frango de cabidela. Só anos depois, consegui voltar a prová-lo.
Porquê hoje dia do pai, me lembrei do dito prato? Talvez, à minha maneira, seja uma forma de homenagear aquele em quem tenho pensado todo o dia. Ele não gostava de coisas tristes. Por isso, meu pai querido, um beijo e a saudade imensa que tenho deste tempo.
Até um dia destes.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Imaginação ou talvez não


Continuando em busca das boas memórias do passado, fui descobrir mais um desenho do meu marido.
Como se pode ver, foi feito na Ota, onde ele passou alguns dias, antes de casarmos e ser colocado em Paços de Ferreira.
Imaginação, porque eu não estava lá e o meu filho ainda estava na minha barriga, não nos meus braços. Mas era assim que ele já me via. A mãe com o filho no colo. A mulher plena.
Num tempo em que não havia ecografias, ele conseguiu ver o filho.
Se previu o sexo, não sei. Queria um rapaz e foi o que teve. Tal como no ano seguinte sonhava uma menina, e ela veio. Tal como, anos mais tarde, queria outro rapaz, e ele veio.
Três pintainhos no meu ninho. Cresceram, ganharam asas, voaram pela vida, dois já são pais. Só falta o meu Corvo dar-me um Corvo ou Corva pequeninos, para deixar alguma marca da nossa passagem na terra. E acho que nos saímos bem. Filhos e netos são seres normais, com defeitos e qualidades, mas bem formados.
E nós cá estamos. Mais velhos, cansados, com menos ilusões, mas no fundo os mesmos que éramos neste tempo.
Até um dia destes.

domingo, 7 de março de 2010

Pastorinha do olhar de bruma


Li há dias na revista “Visão” uma crónica de António Lobo Antunes, que me deu volta à cabeça.
Dedicada à mãe com 90 anos, gira à volta da história de uma foto dela em nova, com uns versos de António Sardinha, chamados “Vesperal”. A crónica chama-se “Ó Pastorinha do olhar de bruma”.
Grosso modo, conta que um fotografo tirou a fotografia à mãe e expô-la na montra. Um estudante apaixonou-se pela foto e conseguiu que o homem lha vendesse. Dias depois, o pai da menina não vendo a fotografia, exigiu ao fotografo a entrega da mesma. O estudante devolveu-a com a dita poesia por trás e a sua assinatura. O pai apagou a assinatura, mas a foto foi guardada até hoje. Aqui entra a parte que eu admiro em Lobo Antunes: a facilidade com que entra no pensamento e sentimentos femininos.
Aquilo que ele imagina à volta da fotografia, em princípio, só uma mulher a conseguirá ver.
Qual a mulher que não tem uma foto com uma história de amor não vivida, mas muitas vezes sonhada? Qual não guarda uma carta de um amor passado, um bilhete, um desenho ou tão só, uma lembrança? Pus-me a pensar, onde estaria a minha “pastorinha”.
As cartas de amor que tenho guardadas, são todas do meu marido.
Fotografias tenho muitas. Mas é este Retrato, que ele diz inacabado, que me faz sonhar ainda. Fê-lo quando eu tive a minha filha. Que recordações lindas me traz desse tempo! E é ele que já hoje me faz sonhar com tanta coisa linda. Olho-o e olho-me. Pergunto: Eu era assim? Era assim que o meu amor de então e de hoje, me via. Para ele, eu era assim. Não, não era a “Pastorinha do olhar de bruma”. Era a mulher dele, a mãe dos seus filhos. E ele era e é ainda, o amor que sonhei um dia e que mesmo nos dias piores, me dá alento. O amor que foi tão conseguido, que não preciso de nenhuma “Pastorinha de olhar de bruma” para sonhar ainda.
Leiam a crónica do Lobo Antunes. Esqueçam as lamechices serôdias da Maria.
Até um dia destes.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Volta Primavera!


Estou farta de chuva, de frio, de vento, de tragédias, de fofoquices políticas e outras. Estou farta deste Inverno longo, estúpido, cinzento. Estou farta deste casulo onde me enfiei, qual crisálida. Quero rompê-lo, ser borboleta, voar pelo ar morno, cheirando a flores. Quero ir à minha terra, perder-me na Mata dos Sete Montes, entrar no Convento, vendo-o como se fosse a primeira vez. Quero sentir o cheiro do meu Nabão, ouvi-lo correr. Voltar à noite ao Convento para ver os “Fatias de Cá” representar uma peça, daquelas que correm o Convento e a Mata. O Convento à noite é mágico. Quero pisar o meu chão, ver a casa onde nasci, lembrar os amigos que lá tive. Tomar é sempre linda, mas na Primavera é mais bonita ainda.
E a minha terra faz hoje 850 anos. Obrigada D. Gualdim.
Como tardas Primavera! Volta depressa. Quero ver as andorinhas, o campo verde, o sol. Estou cansada de ser crisálida, quero voltar a ser borboleta.
Até um dia destes.