Há quarenta anos tinha 24 anos, um marido saído da tropa, dois filhos pequeninos e pouco dinheiro.
Meu marido arranjou emprego, fizemos as contas e arranjámos uma casa em Odivelas. Não era o local ideal, mas era mais barata, perto da RTP e era grande. Eu sempre gostei de casas grandes. Estava praticamente vazia de móveis, mas cheia de amor e de esperança.
Tinha mobília de quarto, dada pelos meus pais, as camas dos meus bebés, uma mesa e cadeiras emprestadas por meus sogros, um fogão, a pagar a prestações, uma panela de pressão, prenda de casamento do meu irmão, uma mão cheia de sonhos, outra de juventude.
A casa foi enchendo, eu fui muito feliz e tive alguns desgostos, o terceiro filho nasceu. A menina que eu era, hoje é idosa. A casa vazia, está cheia de coisas, os meus filhos partiram. Mas é aqui que estou bem. Estão aqui quarenta anos da minha vida. Recordações de tempos felizes e infelizes, imagens de pessoas que partiram para sempre. O canto onde minha mãe se sentava, a mobília de casa de jantar da minha sogra, os copos por onde meu pai e meu sogro beberam, as horas de amor que passámos, eu e o meu marido, as nossas discussões, a infância e adolescência dos meus filhos.
Tem quatro andares que já me custam a subir. Mas quando abro a porta, tem um cheiro que só eu conheço. Tem a ternura dos olhos do meu cão. Tem os meus livros. Tem a minha juventude e a minha decadência.
Se me arrancarem daqui, morro.
Estamos aqui os dois e o canito. As sombras começam a encher os cantos. E eu não quero chorar. O dia é feliz.
E afinal estamos os dois, amor. Tu dormes e eu olho para ti e vejo o rapazinho que há quarenta e três anos me deu volta ao juízo.
Até um dia destes.
Meu marido arranjou emprego, fizemos as contas e arranjámos uma casa em Odivelas. Não era o local ideal, mas era mais barata, perto da RTP e era grande. Eu sempre gostei de casas grandes. Estava praticamente vazia de móveis, mas cheia de amor e de esperança.
Tinha mobília de quarto, dada pelos meus pais, as camas dos meus bebés, uma mesa e cadeiras emprestadas por meus sogros, um fogão, a pagar a prestações, uma panela de pressão, prenda de casamento do meu irmão, uma mão cheia de sonhos, outra de juventude.
A casa foi enchendo, eu fui muito feliz e tive alguns desgostos, o terceiro filho nasceu. A menina que eu era, hoje é idosa. A casa vazia, está cheia de coisas, os meus filhos partiram. Mas é aqui que estou bem. Estão aqui quarenta anos da minha vida. Recordações de tempos felizes e infelizes, imagens de pessoas que partiram para sempre. O canto onde minha mãe se sentava, a mobília de casa de jantar da minha sogra, os copos por onde meu pai e meu sogro beberam, as horas de amor que passámos, eu e o meu marido, as nossas discussões, a infância e adolescência dos meus filhos.
Tem quatro andares que já me custam a subir. Mas quando abro a porta, tem um cheiro que só eu conheço. Tem a ternura dos olhos do meu cão. Tem os meus livros. Tem a minha juventude e a minha decadência.
Se me arrancarem daqui, morro.
Estamos aqui os dois e o canito. As sombras começam a encher os cantos. E eu não quero chorar. O dia é feliz.
E afinal estamos os dois, amor. Tu dormes e eu olho para ti e vejo o rapazinho que há quarenta e três anos me deu volta ao juízo.
Até um dia destes.