Torga de novo
Farta de escrever disparates, sem inspiração, lembrei-me de um poema de Torga. Ficam os meus amigos mais bem servidos e, dou a conhecer mais uma poesia linda, triste e, atrevo-me a dizer actual.
Em 1515 era governador da Índia D. Afonso de Albuquerque. Depois de muito lutar, ferido e doente, ainda quis deixar uma carta a El-Rei D. Manuel uma carta.
A carta é esta:
“"Senhor. - Eu nam escrevo a vos alteza per minha mão, porque, quando esta faço, tenho muito grande saluço, que he sinal de morrer: eu, senhor, deixo quá ese filho per minha memória, a que deixo toda minha fazemda, que he assaz de pouca, mas deixo lhe a obrigaçam de todos meus seruiços, que he mui grande: as cousas da india ellas falarám por mim e por elle: deixo a india com as principaes cabeças tomadas em voso poder, sem nela ficar outra pendença senam cerrar se e mui bem a porta do estreito; isto he o que me vosa alteza encomendou: eu, senhor, vos dey sempre por comselho, pera segurar de lá india, irdes vos tirando de despesas: peçoa vos alteza por mercee que se lembre de tudo isto, e que me faça meu filho grande, e lhe dè toda satisfaçam de meu seruiço: todas minhas confianças pus nas mãs de vos alteza e da senhora Rainha, a elles m emcomemdo, que façam minhas cousas grandes, pois acabo em cousas de voso seruiço, e por elles vollo tenho merecido; e as minhas tenças, as quaes comprey pela maior parte, como vossa alteza sabe, beijar lh ey as mãos pollas em meu filho: escrita no mar a 6 dias de dezembro de 1515. Afomso dalboquerque" carta de Afonso de Albuqerque ao rei D. Manuel I[“.
Inspirado nela, escreveu Miguel Torga um dos seus melhores poemas.
Afonso de Albuquerque de Miguel Torga
“Quando esta escrevo a Vossa Alteza
Estou com um soluço que é sinal de morte.
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à índia a defender-lhe a sorte.
Morro de mal com todos que servi,
Porque eu servi o rei e o povo todo.
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo.
De Oeste a Leste a índia fica vossa;
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão.
Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar...
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar.
Em mais alguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou.
Por isso a índia há de acabar em fumo
Nesses doiros paços de Lisboa;
Por isso a pátria há de perder o rumo
Das muralhas de Goa.
Por isso o Nilo há de correr no Egito
E Meca há de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano.
Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim...
Do que fiz não cuido agora:
A índia inteira falará por mim.”
Leiam e pensem.
Até um dia destes
Maria
quarta-feira, 16 de março de 2011
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12 comentários:
Mariamiga
Extraordinária ideia esta que aqui plasmas. Juntar Afonso de Albuquerque e Miguel Torga é mais do que lindo: é lindíssimo.
Como sabes, a Goesa que me dá cabo da mona chama-se Raquel. Os pais e cinco irmãos estavam em... Vasco da Gama, onde o meu futuro sogro era director da Alfândega.
Começáramos o namoro a 22 de Agosto. A invasão da tropa indiana (ou a libertação, escolha-se) começou em 18/19 de Dezembro. Ela ficou naturalmente de rastos até conseguir saber que a família estava bem. Eu acompanhei-a, como é óbvio.
Toda esta lenga-lenga para te dizer que o teu texto me tocou profundamente. Os Goeses dizem que eu sou mais Goês do que eles. Dizem bem. Eles são excelentes; com uma excepção que logo me havia de calhar...
Adorei. E quero que não te ausentes durante tantos dias. Fazes (-me) falta.
3abs & qjs para tu
Maria;
Como o amigo Henrique, também eu fico "deveras orgulhoso" que tenhas juntado dois vultos enormes da nossa história separados por mais de quatrocentos anos que são Albuquerque e Torga!...
Ambos foram enormes e tu, Maria, és muito grande para te lembrares de verdadeiros descendentes da Alma Lusitana.
bjs.
Osvaldo
Quão bela a poesia Lusitana
que honrou a Pátria amada
ao deixar em verso toda uma saga
dos nossos heróis pelo mundo fora
e é com eles que nos deliciamos
ao ler os seus feitos
de agora!
Um beijinho da laura
Torga, a rua eterna paixão!
Hoje tens mais uma saudade para te alimentar a alma. Hoje, lá longe teu pai olha pela sua Petite Marie.
Beijinho
Amiga Maria!O que escreves é alimento.
Ontem depois de escutar atentamente a escritora Lídia Jorge, no Programa da TV2, Camara Clara, mudei uma opiniâo que estava enraizada em mim.
Sempre coloquei o meu País acima de quase tudo.
Está aqui expresso e confirmado, o que ela disse:Os portugueses são o melhor que o país possui.
Só que andamos de mâo dadas com o nosso fado.
bjs
Jrom
Farta de escrever disparates, sem inspiração"???
Os teus textos são sempre agradáveis a ler e oferece-nos agora mais um texto bem original. Bem, custou-me um pouco lê-lo mas é porque ainda não estou bem habituada ao novo acordo ortográfico... ;)
Minha querida, agradeço as tuas belas palavras que deixaste aquando do meu sofrimento que está a tornar-se saudade, palavra tão portuguesa, e teres estado a segurar a minha mão quando eu precisava de segurança.
Muitos Beijinhos
Verdinha
Henriquamigo
Só hoje respondo, porque tenho estado de molho com uma valente crise de rins. De vez em quando prega-me a partida.
Deveria estar a caminho de Sevilha e, fiquei aqui a ver a banda passar. Só hoje abri o computador.
Obrigada pelo teu comentário, que não mereço. O mérito é de Afonso de Albuquerque e Torga. Limitei-me a juntá-los.
Calculo o que a Raquel sofreu.
Abs. dos homens e beinhos para ela e para ti
Maria
Amigo Osvaldo
É pena que homens como Afonso de Albuquerque e Torga, tenham desaparecido e hoje, só haja pavões palavrosos, que nada fazem pelo nosso país e pelo nosso povo. Cada um pior que o outro.
Beijinhos pra a Anita e para ti.
Maria
Kim amigo
Foi mesmo no dia do Pai que postei isto. Para mim, dia sem pai.
O meu filho mais velho nasceu neste dia. O meu Pai dizia que, "era a melhor prenda do dia do pai que tinha recebido".
Beijinho
Maria
Jrom
Somos um povo estranho. Lá fora somos bons, cá dentro não valemos nada. É só conversa e nada de obras. Vivemos à sombra do passado glorioso que tivemos e acabou e, vivemos sem pensar no futuro.
As grandes cabeças emigram. Ficam os cabotinos que nem fazem nem deixam fazer.
Beijo
Maria
Querida Laurinha
A poesia de Torga é linda mas, triste. O que fomos e o que somos.
Tenho estado doente. Outra vez os rins.
Só hoje arranjei coragem para abrir o PC.
Beijinhos Flor de Linho
Maria
Verdinha querida
Compreendo-te tão bem! Faz hoje 39 anos que a minha Mãe partiu. A minha saudade é cada vez mais funda.
Senti a tua dor e compreedi-a bem.
Estou sempre aqui para ti.
Beijinhos
Maria
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