terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Busto da República


Somos os campeões do faz-de-conta. Vivemos num país cheio de problemas, de chagas sociais, de crises, de falta de segurança, mas há sempre alguma coisa para nos distrair da realidade. A 1ª é sem dúvida, o futebol; a 2ª as fofocas das Revistas cor-de-rosa, os casamentos e descasamentos, a moda, as festas do jet-set; a 3ª as ideias de alguns idealistas ou malucos, a quem passa pela cabeça que mudar o Busto da República, adianta alguma coisa.
Matutaram, pensaram muito, e chegaram à conclusão que o Busto está velho, caduco, fora de moda. Nada que os franceses já não tenham feito. A Marianne deles, já mudou de rosto muitas vezes. Já foi Brigitte Bardot, Mireille Mathieu, Catherine Deneuve, etc. Mas nós queremos mais. Há quem opine por Ana Padrão, Catarina Furtado, Maria João Luís. Há quem ache que deve ser uma coisa sem sexo, sem cor. Há outros que lhe querem fazer um “lifting”. Ora aqui, entrou a minha imaginação a trabalhar. Quem neste País melhor que ela?
A República tem 100 anos – ela tem 66, dizem.
Querem um “lifting” à República – ela já fez vários.
Nem homem nem mulher – ela faz lembrar um travesti.
Na imagem acima verão se gostam.
Para mim, falando sério, ficava o busto antigo. Não é ele que precisa de obras. Quem precisa é a República e nós todos.
Até um dia destes.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Os olhos de meu Pai


Fazias hoje 101 anos. Em tantos anos que passamos juntos, tive tempo para te conhecer bem. Lembro-te novo, lembro-te velhinho, doente, morto. Mas o que mais recordo, são os teus olhos.
Quando nasci, devo ter visto, entre as senhoras que assistiram ao meu nascimento, um homem que me pegou e deve ter visto o meu primeiro olhar. Os teus olhos brilhavam de alegria e uma lágrima teimosa correu deles. Eram lindos os teus olhos, Pai. Doces e marotos, duros como pedras quando te zangavas. Tantos olhares em dois olhos! Comovias-te facilmente com qualquer coisa, mas chorar, vi-te poucas vezes. Duas por minha culpa, uma quando a Mãe morreu e outra quando a Avó partiu.
Perdoa as lágrimas que te fiz chorar. A primeira vez, quando tive a poliomielite, no meio das dores que me torturavam a cara e a cabeça, vi um rio delas pela tua cara abaixo, sem pudor nem vergonha. A segunda vez foi quando te disse que ia ter um filho. Lembras-te Pai? Conhecia bem o teu feitio e tive medo. Barriquei-me atrás do sofá, para proteger o meu filho, disse-te e fiquei à espera da bofetada, dos gritos e insultos. Não vieram. Levantei os olhos para os teus e em vez da dureza que esperava, vi tristeza, lágrimas e só ouvi a frase sussurrada: “ tinhas de ser tu a dar-me este desgosto!”. Expliquei que me iria casar. Estavas branco, mal falavas e quando fomos para a mesa disseste: “vê se comes alguma coisa de jeito”. Anos mais tarde falámos desse dia e confessaste que aquilo que tinha sido um grande desgosto, se tornara numa grande alegria.
Eram felizes os teus olhos no dia de hoje. Gostavas de ver a casa cheia, a mesa farta, o vinho a correr. Mas os teus olhos procuravam a todo o momento, os filhos, os netos, os bisnetos. Eram doces, então. Ficavam cor de mel e pareciam escorrer ternura.
E agora Pai? Onde estão os teus olhos?
Um beijo grande, meu primeiro e eterno amor.
Até um dia destes.