domingo, 31 de maio de 2009

Um dia que não esqueço


Foi há muitos anos. Na mesma Igreja onde já tinha sido baptizada, onde ia à Missa quase todos os Domingos, onde entrava muitas vezes para ver os santinhos bonitos, desfiar umas orações, com uma fé cega, como desejava ainda sentir.” A minha Igreja”, como lhe continuo a chamar, a mesma que ainda hoje, é a minha primeira visita, quando vou a Tomar. São João Baptista, a minha Igreja, é linda, a mais linda Igreja do mundo, para mim, claro. Lá dentro volto a ser a mesma menina do retrato.
Hoje não vou contar nada. Está muito calor, estou cansada, não tenho vontade de escrever. Sorte a vossa, porque eu pedi ao Guerra Junqueiro uma poesia, que diz o que eu não sei dizer.

Minha mãe

Minha mãe, minha mãe! Ai que saudade imensa
do tempo em que ajoelhava, orando ao pé de ti.
Caia mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se, voando em torno dos seus lares,
suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
dormia quieto e manso o impávido lebreu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
e a lua branca, além, por entre as oliveiras,
como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu.
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço
vendo a lua subir, muda, alumiando o espaço
eu balbuciava minha infantil oração,
pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
que mandasse um alívio a cada sofrimento,
que mandasse uma estrela a cada escuridão.

Guerra Junqueiro


E pronto ficamos assim. Bom dia de praia.
Até um dia destes.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Um Perfume, uma Roseira...


Lembram-me de ti, Mãe. Basta o leve aroma da tua água de colónia preferida, a “Eau de Cologne 4711”, para te lembrar.
Nalgumas peças de roupa tua que guardei, ela sente-se ainda. Às vezes o Vasco dá-me um frasco e quando o abro, és tu que ali estás. Ponho-a na minha pele, aspiro-a e sinto o conforto da tua presença. É doce, tão doce, minha querida Mãe, voltar a sentir o teu perfume.
Quando vejo uma Roseira de Santa Teresinha com as pequeninas rosas, esteja onde estiver, é sempre a tua Roseira do quintal do Carvalhido, que ali está. Então, sem pedir, sem ter medo que alguém me ralhe, roubo dois ou três botões para o teu retrato. Porque a Roseira, esteja onde estiver, é tua Mãe.
Por isso, hoje dia dos teus anos, em vez de um ramo de flores e um poema, é isto que te dou: O teu perfume e as tuas rosinhas.
Só mais uma coisa, Mãe: Continuo a gostar tanto de ti como dantes.
E tenho saudades, muitas saudades, de me encostar ao teu peito, cheirar o teu perfume, sentir as tuas mãozinhas frágeis e macias, passarem-me de leve no cabelo.
Adeus Mãezinha. Beijos da tua arisca, que não te esquece nunca.
Até um dia destes.

terça-feira, 26 de maio de 2009

A minha casa


Faz hoje 40 anos que vivo na minha casa.
Depois de casada vivi dois anos com os meus pais, enquanto meu marido estava na tropa. Viemos para Lisboa, melhor dizendo, para Cascais, para casa dos meus sogros, até o meu marido entrar para a R.T.P.
Decidimos então, arranjar uma casa nossa, onde pudéssemos criar os dois filhos que já tínhamos. Procurámos em Cascais e arredores, mas os preços eram incomportáveis. Alguém nos indicou Odivelas, onde as casas eram muito mais baratas. Arranjámos este 4º andar, com 5 assoalhadas, que na altura nos pareciam enormes.
Naquele dia mudámos com os parcos móveis, dois filhos e uma enorme vontade de ter uma vida feliz.
Quando falo em parcos móveis, quero dizer: uma mobília de quarto dada pelos meus pais, as caminhas dos meus filhos, um velho canapé coxo, uma mesa de apoio, umas prateleiras, uma mesa e duas cadeiras, emprestadas pela minha sogra, um fogão e pouco mais. Máquina de lavar? Frigorifico? Esquentador? Aspirador? Não.
Era tudo feito à moda antiga. O meu único luxo era uma panela de pressão, dada pelo meu irmão. As fraldas de pano dos dois bebés, lavava-as no tanque. A água do banho era aquecida em panelas.
Não acreditam? Foi há 40 anos, não esqueçam.
O dinheiro era esticado e chegava.
Nunca vou esquecer o primeiro dia aqui passado. O meu marido trabalhava das 16 até ao fim da emissão. Os meus sogros vieram trazer os netos e partiram. Depois de deitar os meus filhos, vi-me só, numa casa estranha, quase vazia, sem vizinhos, sem luz na rua.
Eu nunca tinha estado tão só. Por momentos entrei em pânico. Se um dos meninos adoecesse, se me assaltassem a casa, se... sei lá o que pensei. Eram cerca de 2 da manhã, o meu marido chegou e encontrou-me sentada em frente à cozinha, num sítio em que via a casa toda, com uma tesoura na mão. Para que era a tesoura? Sei lá! Acho que era para me defender de algum atacante. Convínhamos que não foi a recepção mais amorosa do mundo. Eu estava lívida de medo.
No dia seguinte já estava tudo bem. Tinha a minha casa, muito trabalho, os meus filhos. As outras casas começaram a encher-se, fizeram as ruas, abriram lojas. A minha casa foi-se transformando aos poucos. Hoje parece pequena. Quase nada saiu de cá, muita coisa entrou. Tive outro filho. A felicidade andou quase sempre por cá. Houve momentos tristes: morte dos nossos pais e outras pessoas queridas. Saída dos filhos, aos poucos.
Ficou a casa, a mesma casa, mais cheia, mas vazia do riso dos meus filhos. Ainda com amor, felicidade, mas com uma saudade imensa desses tempos duros, em que havia três crianças a chilrear por cá.
Por isso, hoje estou alegre e triste. Faz anos que me tornei independente, dona do meu nariz e de uma enorme casa vazia de móveis, mas cheia de mocidade. Agora olho em volta, vejo muitos móveis, muitos livros, muitas máquinas, muita comodidade. Mas onde estão os meus filhos? Aonde está a nossa mocidade meu amor?
Até um dia destes.

domingo, 24 de maio de 2009

Morte na Picada


Já li muitos livros sobre a chamada Guerra no Ultramar.
É um tema do nosso tempo, que tocou de perto muitos de nós.
Concordando ou não, ela existiu e até há bem pouco tempo era Tabu falar dela. A pouco e pouco, alguns escritores foram tendo a coragem de a lembrar: Manuel Alegre, Carlos Vale Ferraz, João Aguiar, Lobo Antunes e agora Antunes Ferreira, em a “Morte na Picada”.
Sei que para algumas pessoas será difícil falar ou ler, sobre o tema.
Não é nada cómodo nem agradável saber o que se passou.
Mas devem compreender que, para quem lá esteve (alguns contrariados e revoltados por não aceitarem o que estavam a fazer) deve ser difícil, melhor dizendo, doloroso, conseguirem contar parte do que viram e viveram.
Não tenho procuração de ninguém para falar assim. A parte que vivi dessa guerra foi pequena, mas marcou-me. Perdi alguns amigos, vi outros voltarem doentes de corpo e espírito. Foi por pouco, muito pouco, que o meu marido lá não foi parar.
Henrique Antunes Ferreira vai fazer uma conferência sobre “Morte na Picada”. É mais uma prova de coragem, de alguém que esteve numa guerra estúpida, que ninguém queria, mas aguentámos cerca de 15 anos. Ele vai falar do livro, o livro fala dessa guerra.
É tempo de deixar de tapar a cabeça e fingir que nada aconteceu.
Ninguém teve influência, nem responsabilidade no que escrevi. É toda minha.
Até um dia destes.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Dia da Espiga


Se bem me lembro...no Dia da Espiga não havia escola de tarde. As mães preparavam o cabazinho com a merenda e, a seguir ao almoço, partíamos em grandes e coloridos grupos, em busca dum campo onde houvesse todos os pertences para a Espiga ser perfeita. Em Tomar era fácil, nesse tempo. Bastava ir aos Pegões, aos campos entre Santa Maria e Marmelais, à Estrada da Serra.
Campos cobertos de papoilas, espigas à discrição, oliveiras, alfazema ou rosmaninho, havia tudo. As mães sentavam-se à sombra conversando, fazendo renda, deitando o olhinho cuidadoso e curioso para os seus passarinhos livres. Era uma bebedeira de luz, cor e algazarra. Às cores, cheiros e sons da Natureza, juntavam-se as cores garridas dos nossos vestidos e laçarotes, o ruído das palavras e gritos lançados à brisa leve de Maio. Trepávamos árvores, corríamos, cantávamos velhas canções de outrora, colhíamos a Espiga, fazíamos bailarinas com as papoilas, coroas de flores, com que enfeitávamos as cabeças das mães e as nossas. Depois da merenda, no regresso a casa, as correrias e brincadeiras continuavam. Os carros eram poucos ou nenhuns, não havia perigo.
A Espiga, pendurava-se atrás da porta da cozinha, no mesmo local onde estivera a do ano anterior. O Pão Santo, guardado um ano antes, devidia-se e era distribuído por todos. Estava mole, o Pão, ou os dentes achavam. Novo Pão era guardado para o ano seguinte.
Banho tomado, jantar comido, esperava-nos a cama fresca e acolhedora, que os corpos pequenos reclamavam. Dormíamos felizes com a certeza de que não nos iria faltar o pão de cada dia.
O Pão Santo e a Espiga estavam lá, para o assegurar.
Oh minha infância onde estás? Onde os campos de papoilas, as mães, a crença de que tudo era fácil e certo, porque tínhamos apanhado a Espiga?
Mas que grande espiga! Para o que me havia de dar hoje.
É quinta-feira de Espiga, amigos. Comprem um raminho na rua. Custa pouco e é a tradição. Além disso, eu não acredito em espigas, mas que as há, há.
Até um dia destes.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Para que foram vocês gastar dinheiro?


Era com esta frase e um certo ar de indiferença, que recebias a prenda que te levávamos no teu dia de anos.
Depois, abrias lentamente o embrulho, alisavas o papel, dobráva-lo, juntavas a fita e o laço e, só então olhavas o que te tínhamos dado, primeiro a medo, depois virando por todos os lados para ver a utilidade. Se não gostavas, dizias frontalmente. Se gostavas, ficavas com um ar feliz, calada e beijavas-nos.
Depressa descobri que o que te agradava eram coisas pequenas, quase sem valor material. Uma pequena moldura com retrato, um lenço, um quadro com algumas frases e um ramo flores. Roupa não valia a pena. Ou não gostavas, estava larga ou apertada.
Era difícil dar-te qualquer coisa.
Hoje é fácil, infelizmente. Basta uma flor e uma lembrança.
Mas sabes, Mãe Marcelina? Eu gostava de ter passado a tarde à procura de uma prenda para ti. Gostava de ainda ouvir a tua voz dizer: “Para que foram vocês gastar dinheiro?”
Beijos e saudades de todos nós: filhos, netos, bisnetos.
Olha, a tua prenda de hoje é uma notícia boa. A tua sobrinha Maria João vai ser avó.
Até um dia destes.

sábado, 16 de maio de 2009

Ensino


Quando entrei para a 1ª classe da instrução primária, dentro da minha mala havia: Um livro de leitura, uma tabuada, um caderno de duas linhas, um de uma linha, um quadriculado, um de desenho, um lápis, uma pena (sim, uma pena daquelas de molhar no tinteiro), uma borracha, um apara lápis, uma lousa, um palito de lousa, um trapo para apagar e às vezes, alguns lápis de cor. O tinteiro estava metido num buraco da carteira. Pesava pouco, a mala. Até à 3ª classe só mudava o livro. O resto do material era o mesmo. Na 4ª já havia quatro livros: um de leitura, um de História de Portugal, um de Geografia, um de Aritmética. Com estes elementos aprendia-se a ler, fazer contas e problemas, os rios, as serras, os nomes das províncias, as terras e até as linhas de combóio, a História de Portugal desde o Viriato até à altura em que estávamos. Quando se fazia a 4ª classe, sabia-se fazer contas, sabia-se ler e escrever na perfeição, tinha-se um conhecimento relativamente bom de História e Geografia.
No Liceu havia um livro por Disciplina e mais algum material. Nada que as nossas costas não aguentassem.
Agora é diferente. Os livros são aos três e quatro por Disciplina. Os cadernos idem, o material aumentou em quantidade e qualidade. As costas dos garotos vergam ao peso de tanta tralha. A erudição em contrapartida decresce a olhos vistos, os problemas de coluna crescem da mesma maneira.
Os pais queixam-se cheios de razão, que gastam balúrdios em livros, alguns dos quais nem chegam a ser abertos. Os putos não aprendem mais do que nós, pelo contrário.
Isto tudo me veio à cabeça, porque hoje ao tentar ajudar uma amiguinha numas dúvidas de História, me deparei com três livros, praticamente iguais e todos eles pouco elucidativos. Lá fui tentando desembaraçar a meada, até que me deparei com a palavra “Reculectar”. Ora se há coisa de que me posso gabar, é ter um vasto vocabulário. Procurei e descobri que: “Reculectar é: apanhar lenha e arbustos selvagens”. Não se cansem a ir ver aos dicionários pois não vem lá. Corri todos os manuais que ela tinha e foi assim que descobri. Agora imaginem a cena: “A ti Maria Alentejana berrando pró sê homi: Ó Tóino vai-me reculectar uma pouca de lenha modeu fazer o lumi!”
Imaginaram?
A cultura é muito bonita!
Estou a tentar brincar, mas olhem que isto é muito sério. Estou a falar nos homens e mulheres de amanhã. Com o ensino que temos, onde é que vão chegar?
As escolas não têm segurança, os professores não têm condições para trabalhar, não há disciplina nem respeito, não se aprende nada de útil nem de prático.
Para quando uma revolução no ensino? Mas uma coisa séria, não estas palhaçadas que fazem agora.
Não há pedagogos? Não há metodólogos?
A esperança de um povo são as crianças. Pensem nelas por favor. Pensem num ensino lógico, útil, instrutivo. Pensem em escolas onde os professores sejam respeitados e não vivam no medo permanente de ser atacados pelos pais e pelos filhos, onde sejam avaliados pela maneira que ensinam e não pelo número de alunos que passam de ano. No clima de medo e insegurança em que se sentem, deve ser impossível ensinar. E os prejudicados são os miúdos, que não aprendem, perdem o gosto pelo estudo, deixam de respeitar os professores, não sabem distinguir o certo do errado.
Já escrevi mais do que queria e se calhar muita gente não está de acordo comigo.
Só para terminar, lembro aqui um pouquinho da "Balada da Neve" de Augusto Gil: "Mas as crianças senhor, porque lhes dás tanta dor, porque padecem assim?"
Até um dia destes
.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

E se eu abrisse estes programas?


Curiosos? Eu também ficaria. Mas vai haver alguns antigos alunos do velho e querido Nun’Álvares, que certamente saberão o que lá está dentro. Talvez alguns se lembrem de ter participado num ou outro Sarau. Talvez alguns sintam uma lagrimita teimosa ao canto do olho. Talvez alguns sorriam das lembranças boas desse tempo.
Alguém vai pensar: “Onde terei metido o raio do programa? Quem lá estava? Que será feito de Fulano?” E no dia seguinte, num qualquer café, comentará: “Há uma Maria que tem o Programa da nossa festa de finalistas. Quem será esta Maria?”
A esta última pergunta eu respondo já. Andei um ano apenas no colégio, mas o meu irmão fez lá parte da primária e todo o liceu.
Tenho os programas de dois anos seguidos. O último dele, o primeiro meu. Guardo tudo e tudo me serve para lembrar a minha terra, os meus amigos, alguns amigos do meu irmão. Os meus amigos já me esqueceram. Os dele conhecem-no bem, não a mim. Já disse tudo o que podia. Quem está lá dentro? Se alguém se lembrar, é só dizer. Talvez lhe mande uma cópia.
Pois é amigos. Hoje a Maria está com vontade de brincar. Isto foi de falar nas tranças no último Post. Recuei quase 54 anos. Vi-me miúda, de tranças e bibe aos quadradinhos, subindo a Corredoura a meter conversa com toda a gente.
Isto hoje está mesmo uma charada. Alguém quer adivinhar?
Bom fim de semana.
Até um dia destes.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Quando eu tinha tranças


Quando eu tinha tranças, Tomar resumia-se a um aglomerado de casas baixas, ruas estreitas calcetadas de belos seixos rolados, uma praça, onde D. Gualdim seu fundador imperava. De um lado a Câmara Municipal Manuelina, do outro a Igreja de São João Baptista, nos outros lados casas grandes. Na Praça desembocava a Corredoura que nesse tempo me parecia enorme e larga, a rua de São João, a rua Direita, que por acaso é um bocado torta. Dum lado chamava-se rua Regimento Infantaria 15 e ia dar à Várzea Grande, à estação, à estrada para Lisboa, do outro chamava-se Rua Silva Magalhães e ia ter ao Pelourinho, à Várzea Pequena, ao Mouchão, à Igreja de São Gregório, à estrada de Leiria. Subindo a Corredoura, atravessava-se a bela e única ponte e estava-se em Além da Ponte ao pé do antigo Convento, de onde se diz Santa Iria se atirou (ou foi atirada) às águas do Nabão. Tinha a Igreja dedicada à Santa, um colégio onde andei, meia dúzia de casas. Junto ao colégio passava a estrada que seguia para o Cemitério, a lindíssima Igreja de Santa Maria do Olival, com a sua peculiar torre sineira ou Atalaia e seguia-se para Marmelais, Mais longe era a Fábrica de Fiação, a estrada de Coimbra e outros destinos.
Em qualquer lado que estivéssemos, de qualquer ângulo que olhássemos, lá estava altaneiro e belo, rodeado de verdes variados, o Castelo de D. Gualdim. Era só subir a rua Pé da Costa de cima, chegar ao Terreiro, franquear a porta, andar um bocadinho e aparecia em toda a sua Majestosa união, o Convento de Cristo com a sua Charola, a Janela conhecida de todos, os claustros, os corredores intermináveis e o Castelo, as torres, as muralhas.
Um pouco ao lado, a igreja de Nossa Senhora da Conceição, pequenina basílica.
Noutro monte, a Senhora da Piedade, com a monumental escadaria, a graciosa capelinha.
De um dos lados do pequeno terreiro, viam-se as ruas, as casas, a igreja.
Depois Tomar cresceu. Espalhou-se para lá do rio, fizeram-se novos bairros.
Mas eu continuava a andar à vontade, era na cidade velha. Só lá me sentia bem. Todos me conheciam, eu conhecia todos. As pedras redondas do chão sentiam os meus pés e eu gostava de as sentir.
Um dia fui-me embora. Quando voltei, anos mais tarde, achei diferenças: jardins menos bem tratados, ruas sujas, um Nabão poluído, mas as pedrinhas das ruas eram as mesmas. Acho que me conheceram os pés e os pés conheceram-nas.
Um dia, veio um senhor que em nome do progresso, acabou com a velhinha ponte de madeira que no verão unia o Mouchão ao Parque das Merendas, fez uma ponte onde podem passar tanques, tipo forte e feia, arrancou árvores, pôs uns candeeiros e floreiras inconcebíveis e... crime hediondo, arrancou as pedras das ruas, substituindo-as por um pavimento lisinho, iluminado, cómodo (dizem, porque os meus pés não gostam), que transformou a calçada tomarense num chão igual a todos.
Calculo que haverá muita gente em desacordo comigo e não me importo. Vivemos num país livre ao menos de pensamento.
Mas que dizem se um dia destes acordarem e em vez da Roda do Mouchão estiver uma bela torre Eólica? Gostavam? Eu não.
Pois é. Eu já estou velha, avessa a mudanças. Tenho saudades da Tomar antiga, das pedras do chão, dos salgueiros e das minhas tranças.
Perdoem-me os novos. Os da minha idade ou mais velhos, talvez lá no fundo, sintam o mesmo que eu.
Até um dia destes.

sábado, 9 de maio de 2009

Só uma letra


Só uma letra faz toda a diferença. Neste caso, a falta dela.
Descobri isso quando me debatia entre uma sonolência doentia e uma insónia, provocadas pela crise de Favismo, que me acometeu.
É. Tenho alergia às favas. Não posso tocá-las, nem comê-las, nem sequer passar-lhes perto. Ora, estamos no tempo delas. É difícil ir às compras sem as ver. Foi o que me aconteceu. Bastou-me cheirá-las de longe, para ficar com comichões, lábios dormentes e dificuldade em respirar. Tenho alergia também às “Aspirinas”. Os sintomas ainda são piores. Hoje, cheguei à brilhante conclusão que, a origem das duas alergias é a mesma: Falta de uma qualquer enzima. Pelos vistos, eu tenho problemas com elas. Também não tolero o leite por causa da falta de outra enzima.
No meio desta confusão veio-me à cabeça o “Fauvismo”, corrente artística de que fazem parte alguns pintores que gosto. Maurice Vlaminck, Henri Matisse eram “Fauvistas”.
O Fauvismo é segundo li:” Primado da cor sobre as formas: a cor é vista como um meio de expressão íntimo, desenvolve-se em grandes manchas de cor que delimitam planos, onde a ilusão da terceira dimensão se perde; A cor aparece pura, sem sombreados, fazendo salientar os contrastes, com pinceladas directas e emotivas; autonomiza-se do real, pois a arte deve reflectir a verdade inerente, que deve desenvencilhar-se da aparência exterior do objecto; a temática não é relevante, não tendo qualquer conotação social, política ou outra”.
Parágrafo. Fim de citação.
Se é esta ou não a verdade, não sei. Só sei que gosto.
Já o “Favismo” podem defini-lo como quiserem, que para mim, é uma valente chatice que me atormenta todos os anos.
Ai, como eu queria passar ao pé das favas, como paro a olhar um quadro de Matisse! Com prazer, sem medo, sem problemas.
E afinal, é apenas uma letra, um simples u, que faz toda a diferença.
Bom fim de semana, sem alergias.
Até um dia destes.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Corvo Vasco


Faz hoje 30 anos, foi um dos dias mais felizes da minha vida. Ao fim de onze anos voltava a ter um filho. Não sabia se era menino ou menina nem estava nada preocupada com isso. Queria que viesse perfeito, saudável, afinal aquilo que todas as mães desejam.
Nasceste rapaz, com tudo o que eu quisera e... lindo. Quando te vi bem, horas depois, contei-te os dedos das mãos, dos pés, vi que tinhas tudo no sítio e fiquei doida de alegria. Eu tinha um bebé novo, bonito como os irmãos, cheio de vitalidade. Na Maternidade onde nasceste, as enfermeiras discutiam quem te iria vestir e diziam que eras o mais lindo de todos os que lá estavam.
Já te envergonhei o suficiente para um dia só. Mas a procissão ainda vai no adro.
Foste crescendo esperto, alegre, imaginativo, cheio de mimo de toda a gente. Eras um puto simpático, mas davas cada barraca que só visto. Está descansado que não vou contar, até porque nunca mais daqui saía.
Tens a tendência de te dares bem com pessoas mais velhas. É um dos teus traços mais marcantes, que muito aprecio, mas me preocupa um bocadinho. Isso já te causou vários desgostos. Muito novinho perdeste um Amigo, o teu Antunis, como lhe chamavas, que te adorava e a quem pagavas na mesma moeda. Depois um dos Avós, a Madrinha, a Avó e aquele que mais te doeu, aquele que te deixou marcas tão profundas na memória, no feitio, nos gostos, até em alguns gestos, o outro Avô, meu Pai. Nesse dia, pela primeira vez depois de crescido, vi-te chorar. Disseste: “Mãe. Todos perderam muito, mas eu perdi o meu maior amigo”. Era verdade. Nos últimos tempos tu foste o amigo, o companheiro, o confidente dele. Foi para nós dois, o seu último olhar, o seu último beijo.
Há pouco tempo, houve um Corvo teu amigo que voou inesperadamente. Voltei a ver-te o mesmo olhar profundamente triste, sem lágrimas à vista desta vez. Devem ter-te caído no coração feitas chumbo. Eu sei. Também choro assim.
É por isso que te peço: Arranja amigos da tua idade. Vai ter com a tua turma, rapaz! Mas não esqueças os outros. Continua a dar-nos a todos os mais velhos, a tua doçura, a tua atenção, o carinho que só tu sabes dar. Não quero que mudes meu filho, mas um dia nós vamos partir. E nesse dia vais-te sentir só.
Não estou a criticar, pelo contrário. Gosto que tu sejas como és. Mas acima de tudo quero ver-te feliz.
É verdade, a senhora velhinha do segundo andar, perguntou que tal era a tua mulher. Diz que a quer conhecer. Vê lá se arranjas uma senão ela nunca mais se cala.
Daqui a bocado dou-te os beijinhos todos. Agora levas um e já estás com sorte.
Felicidades neste importante dia em que passas a ser “Trintão”. Estás quase velho.
Até um dia destes.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Noites de Insónia de Camilo Castelo Branco e, minhas


Em “Noites de Insónia” em que já nem os “Narcóticos” resultam e, “O Esqueleto”, “O Coração, Cabeça e Estômago”, me pedem algumas “Horas de Paz”, vou buscar “Um livro” que me dê “Duas Horas de Leitura”. Por vezes resulta, outras não.
Então, começo a lembrar-me de “Coisas Espantosas”. Recordo os “Delitos da Mocidade”, lembro todo “O Bem e Mal” que fiz e, às vezes, “Lágrimas Abençoadas” correm-me nas faces. Há noites, em que me passam pela cabeça, “Os Mistérios de Lisboa”, as “Cenas Contemporâneas” a que assistimos, em que “Um Homem de Brios” se perde em “Vulcões de Lama”. Vivemos num tempo, em que “A Corja” consegue provocar “A Queda de um anjo”, quando este tenta “Cavar em Ruínas”. Algumas vezes pergunto: “Voltareis, Ó Cristo?” e, fico na dúvida se hei-de consultar “O Santo da Montanha” ou “A Bruxa do Monte Córdova”. É que neste mundo, onde impera “O Demónio do Ouro”, já nem se pode saber “Onde Está a Felicidade”, nem esperar por “Um Amor de Perdição”. Se virmos bem, talvez já nem existam “Doze Casamentos Felizes”.
“Ao Anoitecer da Vida”, chegam as “Nostalgias”, adivinha-se “Nas Trevas”, o “Ultimo Acto” das nossas vidas.
Mas, como se um “Anátema” pesasse sobre as nossas cabeças, continuamos à espera que um “Livro Negro do Padre Dinis”, se resolva e buscamos entre “As Cenas Inocentes da Comédia Humana”, como “Agulha em Palheiro”, as “Estrelas Propícias” que nos irão salvar.
Passamos a vida convencidos, que somos “Os Mártires” de todas as desgraças do mundo. No futebol, por exemplo, os nossos clubes perdem e, logo alguém se lembra do “Eusébio Macário”, perdão do Eusébio do Benfica. Lamuriamos porque “As virtudes antigas” cada vez são mais raras, descobrimos que “A vida do José do Telhado”, se repete no dia a dia. E chegados aqui, lembramos o clima de “Vingança” em que vivemos. Raro é o dia em que se não ouve na calada da noite um grito: “Maria! Não me mates, que sou tua Mãe”, ou outro parecido. Já não há “Serões de São Miguel de Ceide”, nem de lado nenhum, porque passamos a noite a olhar para a televisão, sabendo quase em directo que, em mais uma cena conjugal, a mulher se transformou na “Caveira da Mártir”.
Esperamos, já um pouco incrédulos, que uma qualquer “Maria da Fonte” nos salve.
Muito haveria ainda para dizer. Camilo tem muito mais livros. Eu não vou mais longe, porque estou-me a sentir “A Doida do Candal”.
Assim, acabo este “Curso de Literatura Portuguesa”, que espero vos dê uma boa noite de sono. Se não dormirem, cantem. O nosso escritor ainda tem o “Cancioneiro Alegre” publicado.
Como já viram, são só alguns, dos muitos títulos de livros de Camilo. Não chegam a ser metade, mas já não tenho fôlego para mais e, “O Sangue” lateja-me na cabeça.
Diverti-me a escrever isto. Espero que alguns se divirtam também. Os outros, experimentem ler. Talvez seja melhor do que o Xanax.
Até um dia destes.

domingo, 3 de maio de 2009

As Nossas Mães



Não a tua Mãe, Marcelina, não a minha Mãe Maria Adelaide.
Simplesmente as “Nossas Mães”. Duas mulheres diferentes e iguais, que moram nos nossos corações lado a lado.
Na nossa sala, na parede, há dois retratos das duas feitos por ti, com o mesmo amor e carinho, com que hoje trouxeste da rua, duas rosas brancas para Elas.
Só isso lhes podemos dar. As rosas, as saudades, as lembranças e um imenso amor, que a morte não matou.
Por isso, este “post” leva hoje dois nomes: o meu e o teu.
Saudades para as duas.
Maria e João

Até um dia destes.