domingo, 30 de agosto de 2009

Éramos cinco em Tomar e havia frio



Um dia destes em conversa com o meu irmão, uma das muitas em que há poucas palavras e muitas lembranças, lembrámos o frio de Tomar no Inverno e a braseira.
Dito assim, é difícil de entender. Eu conto. Já passaram sessenta e tal anos e tudo mudou na vida das pessoas, incluindo a nossa.`
Éramos cinco. Os nossos pais, o meu irmão, eu e a nossa irmã pequenina. A luz ainda era de 110 voltes, fraquinha e era do Senhor Mendes Godinho. Quando deixávamos mais do que uma lâmpada acesa, lá vinha a frase do pai: “Mas vocês julgam que eu sou sócio do Mendes Godinho, ou quê?”. O fogão era a lenha, estava aceso o dia todo. A braseira cheia de brasas, posta sob a mesa, dava-nos mais um pouco de calor. Quando entrávamos em casa, a ternura e as mãos macias da mãe, tiravam-nos a roupa e os sapatos molhados e frios, vestiam-nos roupa já quente e seca e sentávamo-nos à roda da mesa, com mantas nas pernas. O meu irmão a fazer os trabalhos da escola, nós a brincar, a mãe a coser roupa cantarolando baixinho e olhando de vez em quando as panelas onde o jantar já fazia. O pai chegava, chapéu na cabeça, tombado para a nuca, samarra de gola de pele de raposa e os safões de pele de vaca. Desenvencilhava-se de tudo aquilo, acendia o cigarro, abria o jornal, comentava as notícias. Depois do jantar continuávamos os cinco à roda da mesa. Longas conversas de tempos idos, ele de Óbidos e das Caldas, ela de Águeda onde vivera grande parte da sua mocidade. Ligava-se a telefonia que mais ou menos nitidamente, trazia notícias, música, os folhetins da Emissora, sempre boas obras literárias e interpretados por bons actores. À quarta-feira era dia de “Teatro das Comédias”, dirigido por Álvaro Benamor. Peças portuguesas e estrangeiras, bem representadas. A mais pequenina às vezes adormecia ao colo da mãe. A água da caldeira cantava baixo, aquecendo a água das botijas de metal ou grês. O sono começava a chegar. Botijas cheias, metidas na cama, uma corrida pelo corredor, um arrepio ao trocar a roupa e o quentinho da cama a fazer adormecer três cabecinhas ensonadas. Um último beijo dos pais, as mãos da mãe a aconchegar a roupa numa carícia e um “Até amanhã se Deus quiser”, já meio bocejado.
Éramos cinco então. Dois já partiram. Nós três que ficámos, cada um para seu lado, com novas famílias, novas lembranças.
Mas eu sei, meus irmãos, que há momentos em que tudo isto vos vem à ideia como a mim. E que lembramos a nossa primeira casa, a braseira e sobretudo os nossos pais.
Hoje foi a mim que a saudade atacou. Amanhã será um de vós a lembrar, os cinco, o frio e a braseira.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O meu Amigo do fundo do quintal


Quando vivi no Porto, a casa era grande (já falei nela) e tinha um grande quintal. Lá bem no fundo eram as capoeiras das galinhas e dos coelhos. Por trás, havia uma quinta grande, meio abandonada.
Apenas um homem de meia idade lá vivia. Cultivava couves, tomava conta da casa abandonada. O nosso quintal não dava alimento para toda a bicharada. O meu pai fez negócio com o homem e todos os dias ele deixava um molho de couves e outro de erva. No fim da semana faziam-se as contas. Era eu que tratava da bicharada. De manhãzinha ia buscar a encomenda posta no telhado do galinheiro. Quase sempre via o homem. Magrinho, quase andrajoso, calado. Depois de uns dias a dar-lhe os bons dias sem resposta, uma manhã ouvi um tímido: “Bom dia”. Andamos assim uns tempos. Veio o Inverno e eu via o homem tiritar de frio, debaixo da mesma pouca roupa de Verão. Um dia tentei meter conversa, perguntando se queria beber um café com leite. A resposta veio baixa, quase sussurrada: ”se queria, menina”. Fui à cozinha, enchi uma grande caneca de café com leite a escaldar, barrei manteiga no pão e levei-lho. Ele olhou-me de lágrimas nos olhos e disse-me: “o meu nome é António”. A história repetiu-se muitas vezes. Ele era pouco falador, mas já íamos trocando umas palavras.
Um dia adoeci. Doença grave e prolongada, que me amarrou à cama meses. Pedi à minha mãe que não se esquecesse do pequeno almoço do senhor António. Ele perguntava por mim todos os dias. Um dia, pediu licença à minha mãe para me ver. Ela, um pouco relutante, lá disse que sim.
Á tarde, toca a campainha, sinto uns passos arrastados na escada e maravilhada vi o Senhor António, limpo, penteado, fato no fio, gravata e... o maior ramo de malmequeres amarelos, que alguma vez tinha visto. Pouco disse. Mas havia tanta ternura e preocupação naqueles olhos que já tinham visto tanto, que me comovi.
Curei-me, voltei ao fundo do quintal e ao convívio quase mudo com ele. Mas fiquei a saber que a amizade se encontra em todo o lado. Até no fundo do quintal.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A Júlio o que é de César


Anteontem, por puro acaso, entrei numa “Sacolinha” em Cascais.
Lembrei-me do J.C. Como gosto de ter provas daquilo que os outros dizem, fui provar os pastéis de que ele tem feito enorme publicidade. Provei, comi, comprei. São mesmo deliciosos. Um folhado à moda antiga e um creme de fazer água na boca.
Por isso, Sheriff, daqui em diante, vou acreditar nos teus gostos, salvo no que diz respeito ao Wisky. Aí ninguém me convence. Até o cheiro me repugna. Mas lá os pastelinhos... Fiquei fã. E agora quando for a Cascais, lá vai um, lá vão dois, pastelinhos a voar.
E lá se vai a linha de que tanto me orgulho.
Meninos, vão à “Sacolinha”. Os pastelinhos são quase tão bons como as ”Bolas de Berlim” da tia Maria dos bolos da Praia da Conceição.
Obrigada J.C. pela dica.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Amigos Bloguistas


Não tenho vontade de escrever e muito menos tencionava fazê-lo hoje.
Estou cheia de problemas, com a neura, sem vontade para nada. Só me apetece dormir.
Estou, no entanto a ver que está tudo na mesma. Vou a um blog e deparo-me com uma despedida, mais ou menos anunciada. Vou a outro e encontro desalento. E não, não vou fazer o mesmo. Com problemas, sem problemas, irei aparecendo. Se calhar, não com a mesma frequência, mas volto. NÃO QUERO PORTAS FECHADAS!
Parem um pouco, encostem a porta, mas fechar, NÃO!
Depois desta bela convivência de meses, um corte, será o nosso fim. E vocês um dia vão querer voltar, eu sei.
Será que depois das gripes, da crise, temos agora a filoxera dos blogs?.
Estou para aqui a pregar um discurso e estou na mesma. Fechar, não fecho.
Aonde está a vossa coragem? Precisam que uma escrevinhadora de nada, com um metro e cinquenta e três, menos de cinquenta quilos, velha de quase 65 anos, vos dê força?
Vão mas é trabalhar! Seus calões! Força no teclado e saia o que sair.
A sério, amigos. Estou cheia de problemas, sem vontade de nada, mas fechar este cantinho, era acabar comigo.
Vamos embora, mãos à obra. Se houver comentários, tudo bem. Se não houver ( o meu estará certo para vós), não há. O que importa é o nosso trabalho. Nós somos os maiores, quem não lê é que perde.
Vamos ao trabalho? Bora lá.
Beijinhos.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes e... Vão mas é trabalhar!

domingo, 16 de agosto de 2009

Manhã de Verão



Gosto da madrugada no Verão.
É luminosa, doce e há frescura
Não há barulho ainda, cheira a pão
E ao café com leite da ternura.

As ruas estão desertas, tudo dorme.
Os cães procuram o seu raio de sol.
E eu sinto calma, uma calma enorme
De campos de papoula e girassol.

A brisa ainda fresca faz voar de leve
As cortinas da janelas já abertas
Deixando entrar uma frescura breve

Daqui a pouco o calor volta de novo,
As ruas já não ficam mais desertas
E a vida vai voltar como um renovo.




Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Miguel Torga


Ontem, por razões alheias à minha vontade, não assinalei a data de nascimento do meu escritor mais querido.
Adolfo Correia da Rocha nasceu em São Martinho de Anta, em 12 de Agosto de 1907.
Vindo de família pobre, cursou o Seminário que cedo deixou, rumou ao Brasil, onde viveu alguns anos com um tio, que lhe patrocinou, primeiro no Brasil e depois em Coimbra, parte do curso de Medicina. A certa altura, como ele já publicava livros e colaborava em revistas, retirou-lhe a ajuda e ele viu-se obrigado a pagar estudos e viver com o seu trabalho. Formado, exerceu clínica em vários locais, nomeadamente em Leiria, onde acabaria por ser preso pela Pide. Desafecto ao regime, a sua vida não foi fácil.
Tinha adoptado, como escritor, o nome Miguel, homenagem a Cervantes e Unamuno, Torga, como a urze do seu Douro amado, que uma vez presa à terra não a larga mais.
De Miguel Torga já muita gente falou. Pessoas que o conheceram, que o estudaram.
Eu apenas posso falar do que ele é para mim: O homem que merecia o Nobel e nunca o recebeu. O homem que nunca se enfeudou a nenhum partido político, porque quis ser coerente até ao fim. Para ele, apenas Portugal e a Ibéria contavam.
É com um poema de “Poemas Ibéricos” que termino.

Terra
Quanto a palavra der, e nada mais.
Só assim a resume
Quem a contempla do mais alto cume,
Carregada de sol e de pinhais
Terra-tumor-de-angústia de saber
Se o mar é fundo e ao fim deixa passar...
Uma antena da Europa a receber
A voz do longe que lhe quer falar...
Terra de pão e vinho
(A fome e a sede só virão depois,
Quando a espuma salgada for caminho
Onde um caminha desdobrado em dois).
Terra nua e tamanha
Que nela coube o Velho-Mundo e o Novo...
Que nela cabem Portugal e a Espanha
E a loucura com asas do seu povo

Torga, 1984

Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

História de uma grande pescaria


Para afastar tristezas, cá vai mais uma história de sogra-nora.
Estávamos de férias em Cascais. Um belo dia resolvemos ir passar o dia seguinte à Lage da Ramela. Uns iriam pescar à cana, outros mergulhar, eu e a minha sogra apanhar sol.
O meu sogro comprou na Lota, um enorme balde de sardinha para fazer engodo. Penso que a maioria sabe o que é. Esmagam-se as sardinhas, atiram-se ao mar, o peixe vem ao cheiro e pesca-se.
O balde chegou a casa cheio. Nós as duas, olhámos para as sardinhas e tivemos a mesma exclamação: Mal empregadinhas! Do pensar ao fazer, foi um minuto. Assim que os pescadores viraram costas, nós escolhemos as sardinhas melhores, guardámo-las no frigorifico e calámo-nos muito caladinhas. O balde ficou no mesmo sítio, onde o tinham posto. Parte das sardinhas é que não.
Feito o farnel, verificadas as canas e o restante material, foi tudo para a cama, porque no outro dia era preciso madrugar.
De manhã cedo, pegámos na tralha toda incluindo as sardinhas. Quando chegámos ao destino, escolhemos o melhor lugar, acautelámos os mantimentos e o meu sogro foi fazer o engodo.
Aí começou o gozo. “Pensei que tinha mais sardinhas!” dizia ele.
E nós caladas. “Que diabo aconteceu às sardinhas? Parece que encolheram!”. Eu não consigo estar calada, é sabido. Acabei por dizer, muito séria: “Se calhar é do calor”. A minha saudosa cúmplice ajudou: “Pois! Deve ter sido”. Ele, coitadinho, acreditou.
Foi um dia óptimo. O peixe é que não picou o anzol nem se deixou arpoar. Nós duas ainda gozamos com eles, mandando bocas do tipo: “E agora que é que vamos jantar? Estávamos à espera da pescaria. Mais valia termos guardado as sardinhas....” Sei lá que mais. Chegadas a casa, banho tomado, fomos fritar as sardinhas que tínhamos subtraído ao balde. Mesa posta, sardinha frita, arroz de tomate, saladinha, pão e vinho. Começam a comer, esganados e o meu sogro só dizia: “Que rica sardinha! Que maravilha! É da Ti’Ana, aposto.” Nós, que sim, que era da Ti’Ana, onde mais é que havia daquelas sardinhas?.
Coitados dos nossos pescadores! Ficaram todos convencidos. Beberam o café, foram para a sala ver televisão e nós, enfim sós, demos largas às gargalhadas que nos estavam a engasgar.
Com papas e bolos, se enganam os maridos.
Ai mãe Marcelina, depois de ti, nunca mais ninguém me ajudou a pregar partidas destas. Sinto tanto a tua falta!
Até um dia destes e “Façam o favor de ser felizes”.

sábado, 8 de agosto de 2009

É aqui a Guerra de 2009?


Pouco passava das dez e meia de hoje, Raul Solnado bateu à porta da última guerra. Abriram-lha sem fazer perguntas e a estas horas deve estar a contar as suas histórias e a fazer rir muitas pessoas.
Durante várias gerações foi o que fez. Novos e velhos riam e vão continuar a rir, com as suas rábulas, com o seu sorriso contagiante, com as suas expressões tão próprias.
Solnado era um homem bom. Solnado era um Alfacinha da Madragoa, castiço, gingão, com uma cara marota e uma figura peculiar.
Fiquei em choque com a morte dele. Depois, a frase com que acabava um dos programas que fez na televisão, veio-me à memória: “Façam o favor de ser felizes”. A lágrima caiu, mas não achei digno dele desatar a fazer lamentações. Ele merece mais.
Assim, obrigada Solnado pelas gargalhadas que me fizeste dar;
Obrigada Solnado por todos os momentos de teatro que me deste.
Obrigada Solnado pelo papel de inspector da polícia, na “Balada da Praia dos Cães”. Obrigada Solnado pelo teu magnifico papel em “Batom”, peça televisiva. Obrigada Solnado pelo “Zip” e todos os concursos a que deste vida. Obrigada Solnado por todas as Guerras que travaste contra a morte. Finalmente, obrigada Solnado por teres sido tu.
Outros melhor que eu te contarão. Por mim, vou-te lembrar sempre e repetir a tua frase: “Façam o favor de ser felizes”.
Até sempre Raul. Um beijo.
Nós, até um dia destes.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A Maria deu lugar à Avó

Durante uns dias não vai haver Alcatruzes. A Maria deu lugar à avó, que não percebe nada de Blogs e menos ainda de computadores.
Por isso, hoje em vez do habitual: “Até um dia destes”, direi até quando calhar.
Logo que calhe, a Maria volta. Vou desligar o computador, porque a avó não pesca nada disto.
Beijinhos e saudades para todos.
Até quando calhar.