quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Carta ao Ano Novo


O Ano que está acabar, não vai deixar saudades. Desastres naturais, guerras, morte, gente com fome, crianças sem lar nem carinho. A nível pessoal, também não foi nada bom para mim e para os meus. E nestes meus, junto a minha querida Soledade, que tanta amargura tem tido este ano.
Termina mal. Tanto no nosso país, como em toda a terra, a água cai, os rios enchem, mais pessoas ficam sem lar, mais miséria, mais fome.
Que vais fazer, Ano Novo?
Vamos entrar em ti, com alguma esperança, que algo mude, que a Paz chegue, que a comida seja para todos, que os doentes melhorem, que os infelizes vejam um raio de sol e felicidade.
É em ti, novinho e ainda puro, que os nossos corações acreditam, para trazer, alguma coisa nova.
Como serás? Igual aos outros que nos encheram de esperança, para depois nos desiludirem? Ou serás diferente?
Já não acredito muito, que assim seja.
É assim tão difícil mudar o Mundo? Tu, que aí vens, novo, limpo, dá-nos, ao menos um pouquinho de Paz. Que as guerras acabem.
Será que és capaz? Será que és diferente?
Desejo, para todos vós amigos, um Bom Ano Novo.
Talvez, afinal, ainda haja milagres.
Até um dia destes.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Para ti, minha Margarida



Descobri esta gravação do nosso Tango predilecto. Aquele que cantávamos mais vezes.
Hoje farias anos. Lembrei-me de te mandar este Vídeo.
Sei, que onde quer que estejas, vais gostar. Acenderás um cigarro e, nos teus olhos aparecerá a mesma “Nostalgia”, que dá o nome ao tango.
Eu fumarei um cigarro, pensarei em ti, na nossa amizade, que nem a morte apagou e, nos meus olhos, a mesma “Nostalgia”, aparecerá.
Ouve Margarida. Daqui a pouco, às dez da manhã, depois do café.
Adeus minha querida prima, minha grande companheira.
Até um dia destes.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Mulheres de Pescadores


Mais dois pescadores morreram no mar, desta vez na Foz do Neiva.
Dois irmãos, uma Mãe a quem o mar roubou dois filhos.
Nunca é demais, falar da vida triste, pobre e arriscada, destes verdadeiros “Heróis do Mar”. Nunca é demais, falar destas mulheres, que além da dor de perder filhos, maridos e pais, ficam sem amparo.
Por isso, é delas que vos falo hoje, com a tristeza de quem as conheceu bem e sente com elas essa mágoa enorme.

Morrer no Mar

O Mar lhes deu o pão e lho tirou.
O Mar foi sua vida e sua morte.
Foi berço de embalar e foi caixão.
Traçou-lhes toda a vida e toda a sorte.

Foi nele que cresceram, que viveram.
Foi dele que tiraram pão e abrigo.
Foi seu patrão, seu dono, seu amigo.
Foi nele que sonharam e nele que morreram.

Alguns, o Mar não quis e deitou fora,
Mortos ou vivos, voltaram para a praia.
Aos outros qui-los seus e, os guardou.

Em terra, uma mulher seu homem chora.
É negro o lenço, a blusa, o xaile, a saia,
Porque o pescador partiu e, não voltou.

Maria


Até um dia destes.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Maria Chorona


Maria Chorona lhe chamou alguém,
Por tudo e por nada, Maria chorava.
Chorava por mal, chorava por bem.
Seu choro era fonte que nada secava.

E às vezes a mãe, experiente da vida,
Dizia entre afagos: não chores Maria,
As lágrimas secam e um dia, querida
Tu vais-te lembrar do que eu te dizia.

E tonta a Maria chorava, chorava,
Chorava por tudo, chorava por nada,
Pensando que a fonte nunca mais secava.

Maria Chorona já não chora agora.
Dos olhos não vem a lágrima esperada
E sofre a Maria, mas chorar, não chora.

Maria 2009


Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Desterrada




Com os olhos de criança é que te vejo
Minha terra, meu berço de embalar,
Minha infância feliz, minha esperança,
Meu desejo constante de voltar.

Meu convento de sonho, meu rio verde
Correndo, como eu no teu jardim,
Minha lembrança que jamais se perde,
Meus sonhos de menina sem ter fim.

No dia que eu morrer irei lembrar
Todos os que amei e já perdi
E aqueles que ainda cá estão.

E, se virem, no meu rosto correr água,
Não pensem que são lágrimas de mágoa
São salpicos da Roda do Mouchão.

Hoje faço 65 anos. Tive a alegria de ver de novo o meu irmão. Foi um momento apenas, mas que me fez ganhar o dia.
Depois, lembrei-me da minha (nossa) terra, do rio, de duas figuras incontornáveis, nascidas em Tomar, como eu.
Nas margens do mesmo rio fomos meninos. Eles, foram grandes homens. Eu, a Maria pequenina, frágil de corpo e alma, ao pé dos dois mestres, mas com o mesmo amor pela terra que nos foi berço.

Eles que me perdoem, a singela homenagem, aos dois e ao nosso Nabão.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes. Eu hoje fui.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

1640


Faz hoje 369 anos, “40 conjurados portugueses, juntaram-se ao povo e proclamaram a Restauração do Reino de Portugal, durante 60 anos sob o jugo espanhol”. Era assim que rezavam os manuais escolares no meu tempo.
Em Tomar, mal a madrugada raiava, os foguetes estalavam, as duas bandas tocavam pela cidade o Hino da Restauração. Havia comemorações oficiais e festas populares. Em casa, havia lições de história, que meu pai, acérrimo inimigo dos espanhóis, nos contava. Belas cenas e frases do dito dia. Era bonito e romântico. D. Filipa de Vilhena armando os imberbes filhos, para lutarem pela restauração da Pátria cativa. D. Luisa de Gusmão, duquesa de Bragança, espanhola de nascimento, incitando o seu hesitante marido a ser Rei, com duas frases que lhe atribuem: “Antes morrer reinando, do que viver servindo” e, “Mais vale ser Rainha uma hora, que Duquesa toda a vida”. Tudo isto era muito bonito e dizia muito à cabecinha louca da Maria.
Hoje pergunto muitas vezes, se valeu a pena.
Mas não era de política que ia falar.
Um ano, por via das deslocações de meu pai, encontravamo-nos no Carregal. Investiguei se havia festejos. Não havia. Então, passaria a haver. Reuni toda a miudagem conhecida, munimo-nos de capas improvisadas, espadas de lata, panelas, colheres de pau, cornetas e, no dia 1 de Dezembro, às 6 e pouco, fomos para baixo da janela do quarto dos meus pais, cantando, em altos gritos, o hino da Restauração acompanhado de um grande alarido. Ele gostava de dormir até tarde. Veio à janela, primeiro com ar zangado, depois, encarou comigo, à frente dos novos restauradores, a cara abriu-se num sorriso enorme e orgulhoso. Eu, fui rainha por um dia.
E hoje? Quem sabe para aí por que é feriado?
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

domingo, 29 de novembro de 2009

É de Noite


É de noite que o passado me procura,
Com as lembranças boas e as más.
É na noite sem estrelas, fria e escura,
Que sonho os sonhos, que o dia me desfaz.

É na noite que busco a mocidade.
É na noite que penso no futuro.
É na noite que sinto mais saudade
Do que não vivi e em vão procuro.

É de noite que o fumo do cigarro,
Me mostra a inconsistência desta vida.
Do mundo que não quero, mas agarro
Porque não sei viver noutra medida.

É de noite que penso: vou morrer!
Vou perder tudo o que tenho e sou.
E é então que mais quero viver
Sem saber como, nem para onde vou.


Maria

É também à noite que fumo o último cigarro do dia. O que mais prazer me dá, talvez por ser de noite.


Para não ter o blogue parado, vai mais uma repetição.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Hoje era dia de escrever


Mas, como me falta a inspiração, a vontade e, ainda por cima, estou com uma neura daquelas, deixo-vos com fotografias variadas da minha linda terra, onde me apetecia estar.
É um lugar lindo, para um Bom Fim de Semana.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Aniversários



É assim: Esta cabeça, já teve boa memória.
Agora, já está cansada e baralha data e mês.
Fiz confusão e da grossa, meti as mãos pelos pés
E assim começa a história.

Ontem, dei os parabéns, à minha querida Estrela
Que afinal só faz anos, no décimo nono dia.
Desculpa lá, pequenina, esta falha da Maria
E no dia certo lê, o que para ti eu queria.

Hoje quem trouxe a cegonha, para terras de Tabuaço
Foi o nosso querido Osvaldo, um jovem de sessenta anos,
Bem vividos, sempre em paz, com a vida e os desenganos.
Com a sua Anita ao lado, parabéns, beijo e abraço.

E quem mais trouxe a cegonha neste dia abençoado?
A nossa Pascoalita, linda e boa rapariga
Parabéns, dia feliz, um beijo para ti amiga
Que a vida te dê tudo, o que tiveres desejado.

E pronto. Se me esqueci de alguém por distracção
Não levem a mal por favor. A Maria está velhota
São quase sessenta e cinco. E agora tomem nota:
Falta pouco, muito pouco. E mais não vos digo, não.

Escrito em cima do joelho, desculpem a brincadeira.
Parabéns Osvaldo e Pascoalita. Um abraço, beijinhos e desejos de tudo de bom para vós.

Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Parabéns Estrela de Alva


Para ti, um poema de Florbela Espanca e um milhão de Estrelas.

A Uma Rapariga

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste duma flor!

Florbela Espanca - Charneca Em Flor

Beijinhos, minha Estrelinha pequenina e muitos dias felizes.

Até um dia destes e façam o favor de felizes.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A Mala de Porão


Havia em casa de meus pais quatro malas dessas, chamadas de Porão. Eram enormes. Tinham servido para o enxoval da minha mãe, serviam na altura para guardar roupas antigas, cobertores, velhos jornais, que meu pai se negava a deitar fora. Uma, estava quase sempre vazia. Só nas férias grandes, quando íamos para a Quinta do Carregal, por três meses, ela servia. Era lá que ia toda a roupa da família.
Ora, nesses tempos, a viagem de Tomar para Ovar era complicada.
Ou apanhávamos o comboio em Tomar, descíamos em Chão de Maçãs (hoje Fátima) e apanhávamos o comboio da linha do Norte, ou íamos de carro, ou charrette até ao Entroncamento, onde apanhávamos o dito combóio. Quase sempre era esta última a viagem escolhida. Viagem longa, chata, cansativa, a desse tempo.
Do Entroncamento a Ovar levava quase um dia, com farnel a meio do caminho, arrufadas em Coimbra e vários sonos embalados pelo andar do combóio e interrompidos pelo som estridente do apito. Enfim, viagens à moda antiga.
Mas não é de viagens que vou falar hoje.
No meu tempo de menina, ainda havia escassez de alguns bens de primeira necessidade. O azeite, por exemplo. Ora, o meu pai sempre teve azeite com fartura. Tinha amigos produtores do mesmo, que lho arranjavam. Já na Quinta, era coisa rara e cara. O meu pai resolveu levar uma enorme lata, para as cunhadas. Havia um problema. No Entrocamento estavam os fiscais. Um deles era terrível. Nada lhe escapava, dizia ele.
A lata foi metida na mala da roupa, a roupa distribuída por outras malas e, toca para o Entroncamento. A minha mãe estava pálida e trémula. O meu pai, como sempre, contava histórias e falava com toda a gente, calmo e sereno. Chega a hora de carregar as bagagens, e o dito fiscal, muito amável, ajudou a carregar a mala para a carruagem das mercadorias e malas grandes. Deita-lhe a mão e pergunta: “Que é que você leva hoje na mala, que pesa tanto?” O meu pai respondeu-lhe calmamente: “Azeite”. O outro fartou-se de rir, comentando que o meu pai estava sempre a brincar.
Passados anos, em pleno Café Paraíso, gabava-se de nunca ter sido enganado. “Nem um chouriço me escapava”. O meu pai perguntou-lhe: “Tem a certeza?” “Claro que tenho a certeza, ninguém me enganou.” Agora imaginem lá, a cara do tipo, quando o meu pai lhe perguntou: “Lembra-se de um dia me ter ajudado a carregar uma mala e me ter perguntado o que era?” “Claro. Você até me disse que era azeite! Está sempre a brincar!” “Pois olhe que nesse dia não estava. Era mesmo azeite.” O homem mudou de cor.
Todo o café se ria. Ele, o que nunca tinha sido enganado, até pegara na asa da mala.
Histórias de meu pai, histórias da minha Tomar velhinha, histórias da minha saudade.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Hoje é com os Patos Bravos




Fui descobrir esta velha revista no baú das coisas velhas.
Será que algum tomarense se lembra dela?
Ao que sei, só saíram três números. Tenho o nº 2.
Chamou-se “Tomar Cultural”. Faziam parte dos seus colaboradores e eram coordenadores, Carlos Carvalheiro, director, fundador e alma, do grupo “Fatias de Cá” e Alfredo Caiano Silvestre, do blog “Notas”, que muitos de vós conhecerão e colaborador de vários outros. Este maroto, abandonou todos os blogs, não responde a mensagens da Maria, que tem saudades das lindas fotos da nossa Tomar velhinha.
Então, alguém se lembra da Revistinha? É de Julho de 81. Vá lá, façam um esforço. Silvestre, responde lá, ao menos hoje.
Os que não são Patos Bravos, podem sempre tentar descobrir, o “Segredo do Gualdim Pais”. Não, não tem nada a ver com esoterismo e está bem à vista.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

domingo, 8 de novembro de 2009

Para Ti







Quase sem palavras, deixo-te um ramo de lírios brancos e a saudade imensa que por ti sinto.

Um beijo, minha querida.






Até um dia destes e façam o favor de ser felizes

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cãoprimidos


Estranho título, é verdade. Depois de verem a história, saberão porquê.
Logo de manhã, antes, durante e depois do pequeno almoço, tomo cinco comprimidos de várias qualidades. O meu cão toma um, para as artroses. Até os cães velhotes as têm. Ora acontece que os comprimidos do cão, estão próximos dos meus e, são parecidos com umas vitaminas minhas. Já há dias que andava a gozar, dizendo que, “Um dia destes, troco os comprimidos, tenho que os separar”.
Hoje, tomados os que são para tomar em jejum, pus em cima da mesa do pequeno almoço, os outros e os do cão. Distraída e ensonada, tirei o meu comprimido e o do cão, das respectivas pallettes. Peguei no copo de água e tomei o do cão. Achei um bocado estranho, porque o meu tem aquele cheirinho próprio das vitaminas, de que não gosto, mas cheguei à conclusão que, ou tinha o nariz tapado, ou já estava habituada ao cheiro. O pior foi quando reparei que o meu comprimido, ainda estava no mesmo sítio. Fiquei completamente baralhada. Primeiro: o que me iria fazer o medicamento do cão? Segundo: deveria dar o meu comprimido ao cão ou tomá-lo? Terceiro: iria começar a ladrar, ganir, comer porcarias da rua, alçar a perna para fazer chi-chi, pôr-me a lamber as mãos às pessoas?
Já passaram umas horas e nada disto aconteceu. Agora, que as artroses estão melhores, estão. Pelo menos as dores não têm sido muito fortes.
Distraída, eu? Que ideia! Isto já é da idade.
Bom fim de semana.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.
PS: Se notar alguns efeitos secundários, aviso.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Concurso


Fui desafiada pelo meu amigo Antunes Ferreira, para esta brincadeira. É fácil, é barato e... Não dá milhões.
É divertido. Não quebrem a corrente. O único fim é divertir-nos
Beijinhos.
Maria

a) Eu já ........Cheguei à conclusão que a vida é feita de altos e baixos e é nisso que reside a sua graça.

b) Eu nunca..... Fui desleal com um amigo.

c) Eu sei.....Que a a minha vida está a mais de meio, mas quero viver o que me falta o melhor possível.

d) Eu quero.....Ver toda as pessoas sejam felizes.

e) Eu sonho..... Com um mundo sem violência e em que as oportunidades sejam iguais para todos.

Depois de completar o pontilho com as suas resposta indique cinco bloggers para
Dar sequência à brincadeira.


Eles aqui vão:

Corvo http://bloguedocorvo.blogspot.com/

Ana http://claustrodaana.blogspot.com/

Luís Ribeiro http://tomaracidade.blogspot.com/

Girassol http://mariabesuga.blogspot.com/

Zé do cão http://zedocao.blogspot.com/

Divirtam-se. Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.



sábado, 31 de outubro de 2009

Quentes e Boas, Frescas e Perfumadas


Lembrei-me hoje, que no dia um de Novembro, em casa dos meus pais se comiam as primeiras castanhas assadas, ou cozidas com erva doce. Era dia de Pão por Deus. A campainha da porta tocava o dia todo. Eram os meninos a pedir o Pão por Deus. Nós não sabíamos o que era “o dia das bruxas”, não gastávamos dinheiro em mascaradas, não éramos “civilizados”. Bastava-nos um saquitel de pano, ou um pequeno cesto e ala moços e moças que se faz tarde, lá íamos bater às portas amigas e conhecidas, levantar o nosso quinhão. Era marmelada, frutos secos, bolinhos, rebuçados e castanhas. Voltávamos à noitinha, cansados e contentes.
Os que nos batiam à porta, também iam bem servidos. Eram dias de festa, sem grandes gastos.
Mas falando em castanhas, as lembranças vão para Lisboa, para o Rossio, a Rua do Carmo, o Chiado. Nas nossas andanças por essas paragens, eu e a minha prima, a minha Margarida, habituámo-nos a sentir o cheiro da Lisboa Outonal. Cheirava a castanha assada e violetas, duas coisas que ambas adorávamos.
Três raminhos de violetas, um em cada casaco, o terceiro para levar à avózinha, uma dúzia de castanhas, embrulhadas em papel de jornal e, felizes como passarinhos livres, subíamos e descíamos o Chiado, empoleiradas em saltos de agulha, olhando as montras lindas e sonhando um dia, comprar aquelas roupas, as jóias, os perfumes. Eram tardes felizes. Quando conseguíamos ter algum dinheiro, entrávamos na Bénard ou na Versailles, pedíamos um chá e duas chávenas e uma torrada douradinha, que se derretia na boca. Esses, eram os dias de luxo. Os outros, os das castanhas, também eram bons. Cada uma pegava no cartucho à vez, para aquecermos as mãos mal protegidas pelas luvas. Ficávamos quentinhas, consoladas. O passeio acabava à noitinha, voltávamos a casa e a avózinha nem ralhava, porque lhe levávamos violetas, a sua flor querida.
Agora, as castanhas são poucas, caras, metidas em sacos de plástico e das violeteiras, nem sombra. Ficou tudo no passado. A avózinha, a minha Margarida, a juventude. Só ficaram alguns sonhos de que não abro mão. Quais? Não digo, são sonhos meus.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Meu Rio


Chamaram os romanos, quando por lá andaram, Nabância ou talvez Sellium, à minha terra. Um rio por lá passava e tinha o nome de Tamarara ou Nava. Se foi o rio que deu o nome à terra, ou a terra que deu o nome ao rio, não sei, não tenho certezas a esse respeito. O facto é que a Terra se chama Tomar (de Tamarara?), o Rio se chama Nabão (de Nava ou de Nabância?).
Nasce em Ansião, pequeno regatinho, vai recebendo água pelo caminho, chega ao Agroal e recebe todo o caudal da nascente que lá existe. Aí, sim, torna-se Nabão e deixa de ser Nabinho. Corre até Tomar, ora manso e sereno, apertado entre fragas, ora saltando rápidos, ora espraiando-se pelos campos, onde se encontra a melhor hortaliça e fruta do País. Já moveu fábricas, noras, já lavou toda a roupa suja de Tomar e arredores. É lindo em todo o seu curso. Mas ao chegar a Tomar, torna-se mais bonito ainda. Ele é o espelho dos salgueiros, reflecte partes do Castelo, move a Roda, símbolo de Tomar e meu.
É este o Meu Rio. Bem perto dele nasci. Talvez porque era inverno, se ouvisse o sussurro das suas águas. Era meio-dia em ponto quando vi a luz do dia. O sino de São João batia as horas, a Nabantina tocava em frente à minha casa. Foram os primeiros sons que ouvi. Maior, corri pelas suas margens, molhei os pés no rio, andei de barco, passei vezes sem conta a velhinha ponte de madeira, só montada no verão. Sim. A mesma que alguém de mau gosto, substituiu por aquela coisa que ocupa metade do Mouchão e que é horrível. Por acaso a mesma pessoa que cortou árvores onde não devia, que substituiu as velhas pedras roladas da minha e outras ruas, por um pavimento feio e piroso. Por acaso a mesma pessoa que deixou os lindos jardins ao abandono, por acaso a mesma pessoa, que pouco se importa que a Janela da Sala do Capítulo esteja em perigo, que a Rua pé da Costa de Cima corra o risco de desabar, etc. etc. etc.
Bem. Eu só ia dizer como é lindo o meu rio. Cliquem na foto.
Se não quiserem ler o que escrevi, não leiam. Foi só a revolta da Pata Brava da Maria que me obrigou a mostrar a minha raiva. As patas bravas quando chegam a velhas, ficam rezingonas, dizem mal de tudo.
Até um dia deste e façam o favor de ser felizes.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Regresso


Perto daqui, vivi todas as férias da minha infância e adolescência. A Ria de Ovar, é uma lembrança doce e triste.
Hoje, vi este quadro de Catherine Labey e, tudo me veio à memória: cores, cheiros, ruídos, imagens. Lembrei-me, de pessoas, de bichos, de dias de outono, em que tudo se aquietava, lentamente, até a noite cair. Da Ria, subia uma neblina ténue, das casas pequeninas subia um fuminho, havia no ar um cheiro a resina e lenha a arder. Os homens, as mulheres e as crianças, recolhiam a casa, depois de um dia inteiro nos campos. O gado, já dormia. Os carros de bois, já não chiavam, como durante o dia. O rumor leve, dos Moliceiros, quase não se ouvia.
Dentro de casa, o calor da lareira, o aroma da comida e novamente o cheiro acre da resina, das pinhas, da lenha.
E da janela do meu quarto, olhava a Ria, tranquila, prateada, varada pelos saltos das tainhas. De longe em longe, umas palavras soltas, o som metálico dos tachos no fogão. Depois, uma voz alta que dizia: “a ceia está na mesa!”.
Parava de sonhar e olhar a Ria. Descia a escada escura e, entrava na sala iluminada e quente da lareira.
Foi tudo isto que voltei a ver, olhando este quadro. Hoje tudo é diferente. Mas para mim, é tudo sempre igual. Guardo tudo avidamente, na memória e na saudade imensa, de um tempo em que era fácil ser feliz.
Por mais que faça, é sempre o passado que, volta a dominar-me o pensamento.
Obrigada, Catherine Labey. O seu quadro, deu-me hoje uns momentos felizes.
Não sei viver neste mundo que não entendo.
Este post já foi publicado no meu primeiro Blogue.
Hoje andei todo o dia a pensar na minha Ria.
Como a inspiração não me ajudou, resolvi repeti-lo.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Peregrinação


Isto hoje vai em estilo tragicomédia, ainda não sei em quantos actos.
1º Acto
Marido a caminho do posto do Posto de Saúde, várias sextas feiras às oito da manhã, para conseguir marcar uma consulta para a mulher. A semana passada conseguiu uma, com o nº 1.
2º Acto
Mulher levanta-se às 7 horas, para estar pontualmente no dito posto às oito horas.
3º Acto
Fila que dá volta ao quarteirão, formada por pessoas a bater os dentes com frio.
4º Acto
Afinal o nº1 era de uma lista nº não sei quantos.
5º Acto
Cento e tal pessoas dentro de um corredor e uma sala pequena dividida ao meio por um balcão, atrás do qual estão três amáveis funcionárias que explicam que tem que ser devagarinho, porque o Sistema Informático pifou.
A fila anda lentamente enquanto as pessoas começam a refilar com tudo e todos, a mulher incluída.
6º Acto
10 horas, lá entra a criatura, pede os medicamentos e sai.

Ora agora, que já brinquei com coisas sérias vem o resto.
O dito Posto há anos que não tem condições nem para um quinto dos doentes. Possui uma única casa de banho para homens e mulheres, em condições de higiene mais que lamentáveis. Suja, sem sabão para lavar as mãos, nem papel higiénico, nada.
O engraçado, é que na sala e corredores, as paredes estão decoradas com belos cartazes sobre os cuidados a ter com a famigerada gripe A e outros que explicam minuciosamente com imagens, como lavar as mãos. Pedido sabão, não há. Livro de reclamações, está em parte incerta.
Onde é este Posto? Não vale a pena dizer. Todos conhecem algum igual.
Só vos dou um conselho: se puderem, façam um Seguro de Saúde. Porque se estão à espera do médico da Caixa, é melhor não se darem ao luxo de estar doentes. Garanto que lá não se tratam e ainda trazem de brinde mais doenças e os nervos feitos num feixe.
Se querem animar-se vão ver os nossos belíssimos, caríssimos e cheíssimos, Estádios de futebol. Aí sim, há saúde, alegria, boas acomodações. É outro asseio. E claro, eram a prioridade máxima para o nosso povo. Bem empregados impostos.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Meu Pai


Faz hoje oito anos partiste. Estavas cansado de lutar com a idade e o sofrimento. Tinhas feito noventa e dois anos dia um e achaste que chegava.
Sofro muito ainda. Vou sofrer sempre. A falta que me fazes, é cada vez maior.
Não te quero escrever uma carta triste e magoada.
Quando eu era pequenina, fizeste-me uns versos para a minha mãe me cantar, com a música de uma canção em voga.
Adormeci os meus filhos e netos com ela centenas de vezes.
É esse testemunho de amor que hoje deixo aqui:

Minha filha

Minha filha dorme bem o teu soninho,
No teu berço aconchegado como um ninho.
Sonha só com teus bonecos e teus pais,
Com flores, coisas lindas, nada mais.

Sonha com a avó, com as tias,
É preciso que tu rias
E tenhas vida feliz!
Minha filha,o amor de mãe é sempre assim
E no mundo só tu vales para mim.

Não te enchas de ilusões, querida,
Com os mimos que a mãe te der.
O teu pai dava por ti a vida,
Como ela também te quer.

E afinal eu só queria
Ter uma vida sem fim...
E ter-te muito abraçada, amor
E o teu pai junto de mim.

A última vez que a cantei, foi para ti. No dia em que te levaram para sempre, cantei-a baixinho, como quem reza, junto ao teu ouvido.
Depois, nunca mais a cantei. Ficará para sempre como símbolo do nosso amor.
Lembras-te dos nossos amores-perfeitos da casa do Carvalhido?
Aqui vão, num mau desenho meu, feito para a Mãe há muitos anos. Hoje são para ti. Ela não se ia importar.
Um beijo meu Pai e a saudade imensa da tua fila.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes. Eu hoje não sou capaz.

domingo, 18 de outubro de 2009

O meu primeiro amor


Tínhamos a mesma idade e conheciam-nos desde bebés.
Crescemos juntos até perto dos cinco anos e éramos quase inseparáveis. Chamava-se João (tinha que ser), era loiro, grandes e lindos olhos azuis, meio encobertos por óculos. O João via muito mal. Quando brincávamos, a minha mão tinha a mão do João sempre agarrada. Os nossos pais trabalhavam juntos, as mães eram amigas. Nos jardins da Cerca ou do Mouchão brincávamos, corríamos, andávamos nos baloiços, no escorrega, sempre de mãos dadas. Chamavam-nos namorados e nós acreditávamos. Nada nos separava, só a noite quando íamos dormir e as férias.
E foi nas férias que tudo acabou.
Passaram sessenta anos e lembro tudo com uma precisão enorme.
Nós estávamos de férias no Carregal, perto de Ovar. Ele ficou em Tomar. Uma manhã o telefone tocou, chamaram o meu pai, ele ouviu, ficou lívido e só disse: Vou já para aí. Fechou-se no quarto com a minha mãe, ouvi-a chorar e ouvi o nome do João e o meu. Qualquer coisa me alertou para uma tragédia. O pai partiu, depois de me abraçar com força e a mãe, entre lágrimas e soluços, contou-me, com a delicadeza possível o que acontecera.
O avó do João tinha uma loja de ferragens e vidros na minha rua. O João entrou a correr na loja e foi bater com o pescoço num vidro que estavam a cortar. A minha mão não estava lá para o deter. Era só isso que eu sabia dizer no meio dos gritos de dor.
Foi há tanto tempo! Porque me lembrei disto hoje? Não sei. Não recordo, sequer com precisão, a data em que isto se passou. Mas é Outubro e Tomar, a Feira, as lembranças do tempo de infância, andam constantemente na minha cabeça. Hoje foi esta tragédia que enlutou Tomar e me marcou a mim para sempre, que me veio à memória.
Adeus João, meu amigo, meu primeiro amor tão tristemente acabado.
Houve outros amores, uns rápidos, outros mais compridos que acabaram. Um dia apareceu outro João e foi para toda a vida.
Mas dizem que o primeiro amor nunca se esquece. Comigo foi assim.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Não se apagam borrões com pingos de tinta


Maieté Proença, actriz e escritora brasileira fez um vídeo altamente ofensivo para os portugueses.
Sempre embirrei com a senhora, quer como pessoa, quer como actriz. Por essa razão nunca me despertou a atenção ler o que escreve.
Agora que o livro foi lançado em Portugal e depois de alguns milhares de portugueses terem visto a forma deselegante como se portou no dito vídeo, volta à cena para explicar que tudo foi dito num contexto humorístico e que os portugueses não têm senso de humor. Apela para o avozinho português, tentando comover-nos com o grande amor que tem a Portugal e com o facto de ser portuguesa.
A “senhora” não tem um pingo de vergonha ou amor próprio. A melhor maneira de lhe demonstrarmos que não somos assim tão estúpidos, é não comprar o livreco, evitando assim, dar mais uns Euros a quem nos trata mal.
Já está uma petição na net. Eu já assinei.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes, como dizia o nosso Solnado, que tão bem fazia rir, sem ofender.

sábado, 10 de outubro de 2009

E às vezes a tristeza faz-nos rir...


A cena passou-se há quase quarenta anos. Lembrei-me hoje dela, porque após esta época de doenças, sustos ,medos, me deu para pensar noutras épocas parecidas.
A avó do meu marido tinha diabetes, já tinha tido que amputar uma perna e a doença estava a provocar mais estragos. O médico que a tratava, era um senhor já de idade avançada, médico de toda a família. Um dia, vendo-a muito prostrada, as filhas chamaram o Doutor. Quando ele chegou, a casa estava cheia de gente, incluindo uma cunhada da enferma, velhinha ela também. Ele entrou no quarto, onde ficaram as filhas e a cunhada. Os outros ficaram à porta, prontos para ouvir a opinião do nosso “João Semana”.
Examinou-a, sentado na cama ao lado dela e depois de um bocado, começou a fazer perguntas. A partir daqui vai em discurso directo para melhor compreensão:

Doutor para a doente:
Então como te chamas?
Cunhada:
Ó Senhor Doutor, o senhor não sabe o nome da minha cunhada? É Rosalina.
Doutor: Cala-te Rosa.
Doutor para a doente:
Quantos anos tens?
Cunhada:
Ó Doutor, a minha cunhada tem 78 anos.
Doutor:
Cala-te Rosa.
Doutor para a doente:
Como se chamava o teu marido?
Cunhada:
Ó Doutor, então já se esqueceu do nome do meu irmão? Era João.
Doutor:
Cala-te Rosa.
Doutor já irritado, para a doente:
Quantos filhos tens?
Cunhada:
A minha cunhada tem sete filhos, três raparigas e quatro rapazes, mas dois rapazes já morreram. Até foi o Doutor que os tratou!
Doutor completamente transtornado:
Ó Rosa cala-te e vai-te embora!
Cunhada:
Ó Doutor eu só estava a responder, porque a minha cunhada está doente.

Saiu indignada e nem percebeu as explicações das sobrinhas, resmungando entre gengivas: Este Doutor foi sempre muito malcriado e agora depois de velho está pior.
Apesar da aflição em que estávamos, foi gargalhada geral, que incluiu o médico e a doente.
Pobre tia Rosa, tão bem intencionada e tão inconveniente.
Esta foi mais uma história antiga que a Maria viveu.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Para Alguém


Para Alguém que à tua sombra nasceu e à tua sombra repousa.
Para ti que tinhas a grandeza de alma que o Pico tem de altura.
Beijos para a minha irmã, sobrinhos e para teus irmãos.
Para ti, meu cunhado querido, toda a imensa saudade que sinto.

Até um dia destes.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Cem anos Pai


Entre estas duas fotografias medeiam 89 anos. Na primeira és um bebé com um ano, na segunda um velhinho com 90.
Em ambas a mesma expressão feliz. Foste, ou tentaste sê-lo sempre.
A vida não foi fácil. Perdeste o teu Pai muito novinho, tiveste que trabalhar cedo, perdeste dois irmãos novos, ficaste sem a nossa mãe, o teu grande amor, uma filha, a Avó e mais irmãos, mas sempre reagiste a tudo.
Nascido em Alcobaça faz hoje cem anos, foi Óbidos a terra da tua infância feliz. Depois as Caldas, de onde vieste para Lisboa, após a morte do Avô. Um dia, em visita a umas primas em Ovar, encontraste aquela que foi o teu grande amor, a nossa Mãe.
Após um namoro longo e quase sempre por carta, veio o casamento, a ida para Tomar, os filhos. Foste muito feliz lá, não foste, Pai? Éramos muito felizes então. A saída de Tomar para o Porto custou-te muito. Deixavas para trás os teus amigos, as paródias, anos de vida. Mas chegaste ao Porto e em pouco tempo, tinhas novos amigos e eras feliz de novo.
Depois os filhos foram vindo para Lisboa e nasceram netos. E tu vieste atrás de nós. Afinal estava cá toda a família. A morte da Mãe desesperou-te, mas mais uma vez, conseguiste refazer a tua vida.
Tínhamos pensado, ou melhor, a ideia foi do meu irmão, fazer hoje uma grande reunião de filhos, netos e bisnetos. Ele adoeceu e ficámos sem pernas para andar.
A tua prenda, Pai, é que o teu filho, o teu orgulho, está a recuperar.
A reunião há-de fazer-se qualquer dia.
Todos beberemos um copo no sítio em que estivermos. Darei aos meus irmãos aquele último beijo que me deste, porque eu estava ao pé de ti, mas que era para os três. Lembraremos as tuas historias, o teu carinho, as tuas fúrias horríveis. Falaremos do amor lindo entre ti e a nossa Mãe. Talvez uma lagriminha teimosa caia dos nossos olhos. Mas faremos os possíveis para nos sentirmos felizes, porque era isso que tu querias, meu Pai, minha Saudade imensa.
Tinha muita coisa para te contar. Mas há coisas tristes que não te direi hoje. Fica para outro dia.
Um beijo da tua “fila”, que te irá amar até ao fim.
Nós, até um dia destes e façam o favor de ser felizes. Ele foi, enquanto pode.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Cartão Vermelho



Pessoas a morrer de fome e outras de fartura
Pessoas com inúmeras casas e outras a viver na rua
Falta de respeito pelas ideias dos outros e tentativa de impor as suas.
Tráfico de mulheres e trabalho escravo.
Abuso, violação e rapto de crianças.
Experiências com animais.
Abate de animais para adornar as Barbies deste mundo.
Implantes de silicone.
Deslealdade, mentira e batota.
Tentativa de me obrigarem a comer sapos.

Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Irmãos


Quando há quase 65 anos cá cheguei, tu estavas à minha espera.
Se os bebés percebem e eu acho que sim, fiquei feliz porque tinha um irmão. A que nasceu entre nós, tinha partido, mas estavas tu. Roubei-te um pouquinho da atenção dos pais, mas penso que não te ralaste muito. Fomos irmãos, amigos, cúmplices.
Íamos ao cinema ver filmes de cow boys, passeávamos, trocávamos confidências e tu e o resto da malta tinham uma paciência infinita com a miúda das tranças. Quando a nossa irmãzinha nasceu, fomos companheiros de quarto por uns tempos.
Ela era a boneca pequenina, de dedo na boca, caracóis e engraçada. Nós continuávamos a ser quase inseparáveis.
Ensinaste-me tanto! Contigo aprendi a gostar do “Cavaleiro Andante”, do “Mosquito”. Depois da condessa de Ségur. “O evangelho duma avó”, “O bom diabrete”, “O Brás”. A seguir veio Simenon e o seu “Maigret”, Saint-Éxupéry e “Terre des Hommes”.
Um Natal apresentaste-me Torga e “Os novos contos da Montanha”.
Foi uma das melhores prendas que recebi. Viciei-me nele.
Nos intervalos havia os filmes de Eddie Constantine. Um dia destes vamos revê-lo, juro.
Mas houve mais. As tuas visitas quando os meus filhos nasceram, a ternura que tens por eles e que eu retribuo com o mesmo amor pelo teu.
Houve as dores divididas. A perda, tão cedo, da nossa mãe, o tempo de angústia do fim do nosso pai, o abraço enorme do dia da morte dele. E mais coisas que sofremos a meias.
E os momentos felizes: Paris, Itália e as lembranças da nossa infância feliz em Tomar. E a nossa menina (Por mais que faça, vejo-a sempre pequenina, de caracóis e dedo na boca). Agora todos juntos de novo, como sempre, como na foto que vai acima e que publico sem vossa autorização. Aconteça o que acontecer, será sempre assim: Tu, o protector, nós as protegidas.
E sabes Irmão? Com tudo isto, acho que já sou capaz de dizer no meio da Corredoura em Tomar, no alto do Parque Eduardo VII em Lisboa, no cimo da Torre Eiffel em Paris, Eu AMO-VOS, meus irmãos. Admiro-vos.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes. Eu hoje estou.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Vindimas


Era por esta altura que as vindimas eram feitas na quinta.
Desde manhãzinha, homens, mulheres e crianças, munidos de cestos e tesouras, invadiam as vinhas. Iam-se cortando os cachos vermelhos ou dourados, depenicando um ou outro bago, enchendo os cabazes pequenos, vazando-os depois nos grandes cestos víndimos, que eram transportados às costas dos homens até à adega. Esta era grande com telhado de duas águas e uma porta. De um dos lados estavam os toneis, do outro grandes tabuleiros para a fruta, a batata e a cebola, ao fundo uma enorme dorna de pisar vinho, uma escada que dava para a plataforma onde estava a prensa de esmagar as uvas e a balança. Nessa parede havia uma porta que dava para a escada exterior por onde subiam os homens com os cestos. Lá no alto, o meu pai, calças de cotim, botas e boina basca, caderno na mão e lápis atrás da orelha, pesava, assentava o peso das uvas, dava de beber aos homens que vazavam os cestos na prensa. Tudo aquilo abanava com o motor. O sumo ia correndo. O dia ia correndo. Os cestos iam chegando cada vez mais lentos.
À noite, entre cantigas e brincadeiras, uma parte do mosto era pisada à moda antiga, na dorna velha. O cheiro embriagava um pouco as cabeças mais pequenas. No fim, a ceia. Broa de milho fresca, chouriço, toucinho.
No outro dia era o rabisco. Nós miúdos, íamos pela vinha fora, procurando um cacho esquecido, que nos deliciava.
Era assim há perto de 60 anos.
A foto junta, tem muitos mais. É do tempo dos meus avós. Nela estão minha mãe, a mais pequenina ao pé do cesto e as irmãs, vestidas de vindimadoras. Deve ter à volta de 100 anos.Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

História de um par de meias


Há coisas em que as mulheres não mudam. Vi isso hoje no Post da Ritinha. Ela, menina ainda, conta a história de uma camisola. Fiquei um tanto perplexa por ver tanta sensibilidade e romantismo numa mocinha. Depois, dei comigo comovida, porque me lembrei que há 41 anos, guardo dentro de uma caixa umas velhas meias de vidro.
Meias mesmo. Daquelas que se usavam com tiras de elástico (ligas), ou as mais sofisticadas prendiam com os elegantes cintos de ligas.
Houve um Natal, em que tínhamos pouco dinheiro e o meu marido me ofereceu um par de meias de vidro. Fiquei contente pela lembrança, usei as meias e, quando, já bem usadas tinha pensado deitá-las fora, não fui capaz. Guardei-as até hoje. Quando as encontro no meio de arrumações, dobro-as com ternura e volto a guardá-las.
E sabes Ritinha? No fim de tantos anos, também lembro o dia em que as recebi e quem mas deu. Não podia esquecer porque ele é ainda hoje o meu marido, o meu amor, o pai dos meus filhos e avô dos meus netos.
Como eu desejo, que daqui a muitos anos, olhes para esse camisola com o mesmo amor! Beijinhos querida.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Uma noite em Roma


Éramos quatro. Vínhamos com os olhos cheios de beleza, de Milão, Veneza, Pádua, Assis, Pisa, Siena e Florença. Florença, meu amor, Florença, onde vou voltar. Chegados a Roma, foi um corrupio, para conseguirmos ver o máximo possível. Uma noite, depois de jantarmos, não sei o quê, fomos à “Piazza di Spagna”, subimos as escadinhas que vão dar à Igreja “Trinità dei Monti”, sentámo-nos na esplanada de um pequeno bar, pedimos quatro “Limoncello” e, cada um ficou a sonhar os seus sonhos, enquanto conversávamos. Eu e o meu irmão lembrávamos o filme “Férias em Roma” com Audrey Hepburn. A minha cunhada, pensava em toda a arte que Roma encerra. O meu marido, com ar sonhador, esperava ver a Laetitia Casta, descer as escadas, bela e sedutora, sentar-se à mesa com ele e, em voz doce, pedir: “Un Limoncello, per favor”. Não teve sorte, coitado. Tirando eu e a minha cunhada, os únicos seres do sexo feminino, eram umas inglesas já entradas, tão bem bebidas que, uma delas, teve direito a ambulância e tudo.
Nós, bebemos mais um copinho daquele Amalfitano néctar e dispusemo-nos a voltar para o hotel. Fomos direitos ao metro mais próximo e, vimos um cartaz a anunciar “Greve”. Fartámo-nos de andar, até aparecer um bem aventurado táxi, que nos levou ao descanço merecido. No dia seguinte, havia mais Roma para ver.
Tenho de confessar que este post é repetido. Publico-o hoje porque queria escrever alguma coisa que tivesse a ver com o meu irmão sem entrar em lamechices. É tudo o que ele menos precisa.

Assim, lembrando os nossos dias felizes em Itália, fico a sonhar repeti-los.

Boa noite irmão e cunhada.

Até um dia destes e façam o favor de ser felizes. Eu vou tentar.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Torga e o Douro


Falar em Torga é dizer Douro.
Lê-lo, é conhecer a luta dura
Do homem contra o xisto.
É ver transformada a terra pura
Em terra mãe de vinha.
São socalcos esculpidos com enxada
Talhados como quem faz uma escada
Direita ao céu.
Terra dura regada e adubada
Pelo suor e o sangue
Que o homem lá verteu.
E lá no fundo o rio
Dourado e belo e frio,
Ora correndo em saltos
Ora espreguiçando-se cansado
De vir de longe do berço onde nasceu.
E o rabelo passa carregado
A caminho de Gaia, o seu porto
Com pipas desse vinho consagrado
Que sendo do Douro, vai ser rebaptizado
Como vinho do Porto.

Maria 03-09-2009

Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

domingo, 30 de agosto de 2009

Éramos cinco em Tomar e havia frio



Um dia destes em conversa com o meu irmão, uma das muitas em que há poucas palavras e muitas lembranças, lembrámos o frio de Tomar no Inverno e a braseira.
Dito assim, é difícil de entender. Eu conto. Já passaram sessenta e tal anos e tudo mudou na vida das pessoas, incluindo a nossa.`
Éramos cinco. Os nossos pais, o meu irmão, eu e a nossa irmã pequenina. A luz ainda era de 110 voltes, fraquinha e era do Senhor Mendes Godinho. Quando deixávamos mais do que uma lâmpada acesa, lá vinha a frase do pai: “Mas vocês julgam que eu sou sócio do Mendes Godinho, ou quê?”. O fogão era a lenha, estava aceso o dia todo. A braseira cheia de brasas, posta sob a mesa, dava-nos mais um pouco de calor. Quando entrávamos em casa, a ternura e as mãos macias da mãe, tiravam-nos a roupa e os sapatos molhados e frios, vestiam-nos roupa já quente e seca e sentávamo-nos à roda da mesa, com mantas nas pernas. O meu irmão a fazer os trabalhos da escola, nós a brincar, a mãe a coser roupa cantarolando baixinho e olhando de vez em quando as panelas onde o jantar já fazia. O pai chegava, chapéu na cabeça, tombado para a nuca, samarra de gola de pele de raposa e os safões de pele de vaca. Desenvencilhava-se de tudo aquilo, acendia o cigarro, abria o jornal, comentava as notícias. Depois do jantar continuávamos os cinco à roda da mesa. Longas conversas de tempos idos, ele de Óbidos e das Caldas, ela de Águeda onde vivera grande parte da sua mocidade. Ligava-se a telefonia que mais ou menos nitidamente, trazia notícias, música, os folhetins da Emissora, sempre boas obras literárias e interpretados por bons actores. À quarta-feira era dia de “Teatro das Comédias”, dirigido por Álvaro Benamor. Peças portuguesas e estrangeiras, bem representadas. A mais pequenina às vezes adormecia ao colo da mãe. A água da caldeira cantava baixo, aquecendo a água das botijas de metal ou grês. O sono começava a chegar. Botijas cheias, metidas na cama, uma corrida pelo corredor, um arrepio ao trocar a roupa e o quentinho da cama a fazer adormecer três cabecinhas ensonadas. Um último beijo dos pais, as mãos da mãe a aconchegar a roupa numa carícia e um “Até amanhã se Deus quiser”, já meio bocejado.
Éramos cinco então. Dois já partiram. Nós três que ficámos, cada um para seu lado, com novas famílias, novas lembranças.
Mas eu sei, meus irmãos, que há momentos em que tudo isto vos vem à ideia como a mim. E que lembramos a nossa primeira casa, a braseira e sobretudo os nossos pais.
Hoje foi a mim que a saudade atacou. Amanhã será um de vós a lembrar, os cinco, o frio e a braseira.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O meu Amigo do fundo do quintal


Quando vivi no Porto, a casa era grande (já falei nela) e tinha um grande quintal. Lá bem no fundo eram as capoeiras das galinhas e dos coelhos. Por trás, havia uma quinta grande, meio abandonada.
Apenas um homem de meia idade lá vivia. Cultivava couves, tomava conta da casa abandonada. O nosso quintal não dava alimento para toda a bicharada. O meu pai fez negócio com o homem e todos os dias ele deixava um molho de couves e outro de erva. No fim da semana faziam-se as contas. Era eu que tratava da bicharada. De manhãzinha ia buscar a encomenda posta no telhado do galinheiro. Quase sempre via o homem. Magrinho, quase andrajoso, calado. Depois de uns dias a dar-lhe os bons dias sem resposta, uma manhã ouvi um tímido: “Bom dia”. Andamos assim uns tempos. Veio o Inverno e eu via o homem tiritar de frio, debaixo da mesma pouca roupa de Verão. Um dia tentei meter conversa, perguntando se queria beber um café com leite. A resposta veio baixa, quase sussurrada: ”se queria, menina”. Fui à cozinha, enchi uma grande caneca de café com leite a escaldar, barrei manteiga no pão e levei-lho. Ele olhou-me de lágrimas nos olhos e disse-me: “o meu nome é António”. A história repetiu-se muitas vezes. Ele era pouco falador, mas já íamos trocando umas palavras.
Um dia adoeci. Doença grave e prolongada, que me amarrou à cama meses. Pedi à minha mãe que não se esquecesse do pequeno almoço do senhor António. Ele perguntava por mim todos os dias. Um dia, pediu licença à minha mãe para me ver. Ela, um pouco relutante, lá disse que sim.
Á tarde, toca a campainha, sinto uns passos arrastados na escada e maravilhada vi o Senhor António, limpo, penteado, fato no fio, gravata e... o maior ramo de malmequeres amarelos, que alguma vez tinha visto. Pouco disse. Mas havia tanta ternura e preocupação naqueles olhos que já tinham visto tanto, que me comovi.
Curei-me, voltei ao fundo do quintal e ao convívio quase mudo com ele. Mas fiquei a saber que a amizade se encontra em todo o lado. Até no fundo do quintal.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A Júlio o que é de César


Anteontem, por puro acaso, entrei numa “Sacolinha” em Cascais.
Lembrei-me do J.C. Como gosto de ter provas daquilo que os outros dizem, fui provar os pastéis de que ele tem feito enorme publicidade. Provei, comi, comprei. São mesmo deliciosos. Um folhado à moda antiga e um creme de fazer água na boca.
Por isso, Sheriff, daqui em diante, vou acreditar nos teus gostos, salvo no que diz respeito ao Wisky. Aí ninguém me convence. Até o cheiro me repugna. Mas lá os pastelinhos... Fiquei fã. E agora quando for a Cascais, lá vai um, lá vão dois, pastelinhos a voar.
E lá se vai a linha de que tanto me orgulho.
Meninos, vão à “Sacolinha”. Os pastelinhos são quase tão bons como as ”Bolas de Berlim” da tia Maria dos bolos da Praia da Conceição.
Obrigada J.C. pela dica.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Amigos Bloguistas


Não tenho vontade de escrever e muito menos tencionava fazê-lo hoje.
Estou cheia de problemas, com a neura, sem vontade para nada. Só me apetece dormir.
Estou, no entanto a ver que está tudo na mesma. Vou a um blog e deparo-me com uma despedida, mais ou menos anunciada. Vou a outro e encontro desalento. E não, não vou fazer o mesmo. Com problemas, sem problemas, irei aparecendo. Se calhar, não com a mesma frequência, mas volto. NÃO QUERO PORTAS FECHADAS!
Parem um pouco, encostem a porta, mas fechar, NÃO!
Depois desta bela convivência de meses, um corte, será o nosso fim. E vocês um dia vão querer voltar, eu sei.
Será que depois das gripes, da crise, temos agora a filoxera dos blogs?.
Estou para aqui a pregar um discurso e estou na mesma. Fechar, não fecho.
Aonde está a vossa coragem? Precisam que uma escrevinhadora de nada, com um metro e cinquenta e três, menos de cinquenta quilos, velha de quase 65 anos, vos dê força?
Vão mas é trabalhar! Seus calões! Força no teclado e saia o que sair.
A sério, amigos. Estou cheia de problemas, sem vontade de nada, mas fechar este cantinho, era acabar comigo.
Vamos embora, mãos à obra. Se houver comentários, tudo bem. Se não houver ( o meu estará certo para vós), não há. O que importa é o nosso trabalho. Nós somos os maiores, quem não lê é que perde.
Vamos ao trabalho? Bora lá.
Beijinhos.
Até um dia destes e façam o favor de ser felizes e... Vão mas é trabalhar!

domingo, 16 de agosto de 2009

Manhã de Verão



Gosto da madrugada no Verão.
É luminosa, doce e há frescura
Não há barulho ainda, cheira a pão
E ao café com leite da ternura.

As ruas estão desertas, tudo dorme.
Os cães procuram o seu raio de sol.
E eu sinto calma, uma calma enorme
De campos de papoula e girassol.

A brisa ainda fresca faz voar de leve
As cortinas da janelas já abertas
Deixando entrar uma frescura breve

Daqui a pouco o calor volta de novo,
As ruas já não ficam mais desertas
E a vida vai voltar como um renovo.




Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Miguel Torga


Ontem, por razões alheias à minha vontade, não assinalei a data de nascimento do meu escritor mais querido.
Adolfo Correia da Rocha nasceu em São Martinho de Anta, em 12 de Agosto de 1907.
Vindo de família pobre, cursou o Seminário que cedo deixou, rumou ao Brasil, onde viveu alguns anos com um tio, que lhe patrocinou, primeiro no Brasil e depois em Coimbra, parte do curso de Medicina. A certa altura, como ele já publicava livros e colaborava em revistas, retirou-lhe a ajuda e ele viu-se obrigado a pagar estudos e viver com o seu trabalho. Formado, exerceu clínica em vários locais, nomeadamente em Leiria, onde acabaria por ser preso pela Pide. Desafecto ao regime, a sua vida não foi fácil.
Tinha adoptado, como escritor, o nome Miguel, homenagem a Cervantes e Unamuno, Torga, como a urze do seu Douro amado, que uma vez presa à terra não a larga mais.
De Miguel Torga já muita gente falou. Pessoas que o conheceram, que o estudaram.
Eu apenas posso falar do que ele é para mim: O homem que merecia o Nobel e nunca o recebeu. O homem que nunca se enfeudou a nenhum partido político, porque quis ser coerente até ao fim. Para ele, apenas Portugal e a Ibéria contavam.
É com um poema de “Poemas Ibéricos” que termino.

Terra
Quanto a palavra der, e nada mais.
Só assim a resume
Quem a contempla do mais alto cume,
Carregada de sol e de pinhais
Terra-tumor-de-angústia de saber
Se o mar é fundo e ao fim deixa passar...
Uma antena da Europa a receber
A voz do longe que lhe quer falar...
Terra de pão e vinho
(A fome e a sede só virão depois,
Quando a espuma salgada for caminho
Onde um caminha desdobrado em dois).
Terra nua e tamanha
Que nela coube o Velho-Mundo e o Novo...
Que nela cabem Portugal e a Espanha
E a loucura com asas do seu povo

Torga, 1984

Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

História de uma grande pescaria


Para afastar tristezas, cá vai mais uma história de sogra-nora.
Estávamos de férias em Cascais. Um belo dia resolvemos ir passar o dia seguinte à Lage da Ramela. Uns iriam pescar à cana, outros mergulhar, eu e a minha sogra apanhar sol.
O meu sogro comprou na Lota, um enorme balde de sardinha para fazer engodo. Penso que a maioria sabe o que é. Esmagam-se as sardinhas, atiram-se ao mar, o peixe vem ao cheiro e pesca-se.
O balde chegou a casa cheio. Nós as duas, olhámos para as sardinhas e tivemos a mesma exclamação: Mal empregadinhas! Do pensar ao fazer, foi um minuto. Assim que os pescadores viraram costas, nós escolhemos as sardinhas melhores, guardámo-las no frigorifico e calámo-nos muito caladinhas. O balde ficou no mesmo sítio, onde o tinham posto. Parte das sardinhas é que não.
Feito o farnel, verificadas as canas e o restante material, foi tudo para a cama, porque no outro dia era preciso madrugar.
De manhã cedo, pegámos na tralha toda incluindo as sardinhas. Quando chegámos ao destino, escolhemos o melhor lugar, acautelámos os mantimentos e o meu sogro foi fazer o engodo.
Aí começou o gozo. “Pensei que tinha mais sardinhas!” dizia ele.
E nós caladas. “Que diabo aconteceu às sardinhas? Parece que encolheram!”. Eu não consigo estar calada, é sabido. Acabei por dizer, muito séria: “Se calhar é do calor”. A minha saudosa cúmplice ajudou: “Pois! Deve ter sido”. Ele, coitadinho, acreditou.
Foi um dia óptimo. O peixe é que não picou o anzol nem se deixou arpoar. Nós duas ainda gozamos com eles, mandando bocas do tipo: “E agora que é que vamos jantar? Estávamos à espera da pescaria. Mais valia termos guardado as sardinhas....” Sei lá que mais. Chegadas a casa, banho tomado, fomos fritar as sardinhas que tínhamos subtraído ao balde. Mesa posta, sardinha frita, arroz de tomate, saladinha, pão e vinho. Começam a comer, esganados e o meu sogro só dizia: “Que rica sardinha! Que maravilha! É da Ti’Ana, aposto.” Nós, que sim, que era da Ti’Ana, onde mais é que havia daquelas sardinhas?.
Coitados dos nossos pescadores! Ficaram todos convencidos. Beberam o café, foram para a sala ver televisão e nós, enfim sós, demos largas às gargalhadas que nos estavam a engasgar.
Com papas e bolos, se enganam os maridos.
Ai mãe Marcelina, depois de ti, nunca mais ninguém me ajudou a pregar partidas destas. Sinto tanto a tua falta!
Até um dia destes e “Façam o favor de ser felizes”.

sábado, 8 de agosto de 2009

É aqui a Guerra de 2009?


Pouco passava das dez e meia de hoje, Raul Solnado bateu à porta da última guerra. Abriram-lha sem fazer perguntas e a estas horas deve estar a contar as suas histórias e a fazer rir muitas pessoas.
Durante várias gerações foi o que fez. Novos e velhos riam e vão continuar a rir, com as suas rábulas, com o seu sorriso contagiante, com as suas expressões tão próprias.
Solnado era um homem bom. Solnado era um Alfacinha da Madragoa, castiço, gingão, com uma cara marota e uma figura peculiar.
Fiquei em choque com a morte dele. Depois, a frase com que acabava um dos programas que fez na televisão, veio-me à memória: “Façam o favor de ser felizes”. A lágrima caiu, mas não achei digno dele desatar a fazer lamentações. Ele merece mais.
Assim, obrigada Solnado pelas gargalhadas que me fizeste dar;
Obrigada Solnado por todos os momentos de teatro que me deste.
Obrigada Solnado pelo papel de inspector da polícia, na “Balada da Praia dos Cães”. Obrigada Solnado pelo teu magnifico papel em “Batom”, peça televisiva. Obrigada Solnado pelo “Zip” e todos os concursos a que deste vida. Obrigada Solnado por todas as Guerras que travaste contra a morte. Finalmente, obrigada Solnado por teres sido tu.
Outros melhor que eu te contarão. Por mim, vou-te lembrar sempre e repetir a tua frase: “Façam o favor de ser felizes”.
Até sempre Raul. Um beijo.
Nós, até um dia destes.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A Maria deu lugar à Avó

Durante uns dias não vai haver Alcatruzes. A Maria deu lugar à avó, que não percebe nada de Blogs e menos ainda de computadores.
Por isso, hoje em vez do habitual: “Até um dia destes”, direi até quando calhar.
Logo que calhe, a Maria volta. Vou desligar o computador, porque a avó não pesca nada disto.
Beijinhos e saudades para todos.
Até quando calhar.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A influência da trovoada no gosto dos queijos


Mais uma história passada com a minha sogra e comigo.
O meu tio Alentejano, cunhado da minha sogra, trouxe um dia do seu Alentejo natal, ali para os lados da Chança, uns queijos para o meu sogro e o meu marido. Eles adoravam os queijos, nós não. Os ditos cheiravam a caserna da tropa, depois de tiradas as botas dos magalas e empestavam a casa. Acabado o almoço, comidos os queijos com exclamações de prazer deles e um imenso enjoo nosso, os senhores iam ao café e nós púnhamos os malcheirosos na varanda. Aquilo empestava a casa. Um dia, estávamos nós na sala e os queijos na varanda, cai uma carga de água e uma trovoada de estarrecer. Quando parou, uma de nós gritou: “Ai os queijos!” Corremos à varanda e eles lá estavam, ensopadas, moles, com um ar ainda pior que antes. “Que é que vamos fazer?” pergunta uma. Bem. Limpámos os queijos, pusemos um prato na borda do fogão e esperámos que acontecesse um milagre.
O milagre não veio, mas veio a hora do jantar e os dois maridos. De vez em quando, olhávamos uma para a outra, assim com ar de “como vamos nós descalçar a bota”. Chegou a hora dos queijos. Vieram para a mesa, eles começam a cortar fatias e a comer. Meio desconfiado, o pai pergunta: “os queijos sabem-te ao mesmo?” O filho responde: “ não, estão um bocado desenxabidos e moles”.
A minha sogra olhou para mim, a modos de quem pergunta: “ e agora?” Eu estava a dar de comer ao Vasco e sem me virar, disse com o ar mais displicente do mundo: “ é natural. Com a chuva e a trovoada, os queijos estragam-se”. Responde ela, com ar convencido: “ pois, também já ouvi dizer”. Eles ficaram calados e convencidos. Nós fugimos para a cozinha perdidas de riso e os queijos foram para os gatos que não se ralaram com a falta de gosto deles.
E a pata-brava sou eu?
Só anos mais tarde eles souberam a história.
Até um dia destes.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Uma tigela de ginjas


Meus sogros viviam em Cascais numa casa enorme.
Nesse tempo, muitas pessoas alugavam a casa à época a veraneantes. Eles também o faziam. Antes disso, a minha sogra limpava toda a casa, guardava num quarto fechado tudo o que não queria que servisse para os inquilinos. Vários anos a ajudei nesse trabalho, mas houve um que nunca esquecerei.
Um dia depois do almoço, mandámos homens e crianças para a praia e decidimos dar volta à enorme e alta despensa. Tira daqui, arruma dali, encontrámos um enorme frasco, onde ela fazia a ginjinha. No frasco só restavam as ginjas. Deitar fora, não deitar fora, resolvemos deitá-las numa tigela, até ver. Uma de nós lembrou-se de meter uma ginja na boca. “Prova que é bom.” Provámos, comemos e ao fim de pouco tempo, já nada restava na tigela. Continuámos as arrumações, no meio de bocejos e brincadeira. De repente, ela queixou-se de sono. Eu confessei que estava na mesma. Mais esperta, a minha sogra disse-me: “Isto é das ginjas, o melhor é sentarmo-nos um bocadinho”. Eram umas três horas. Esparralhadas no sofá, adormecemos. Acordámos com o barulho da chave na porta. Era a malta à procura do jantar. Sete da tarde e as madames a dormir. Nem arrumações, nem jantar, nada. Apenas duas belas adormecidas, que tinham apanhado uma grande carraspana. Numa explicação dada entre gargalhadas, contámos o que tinha acontecido.
Fomos fazer o jantar, ouvindo as piadinhas dos maridos e dos putos. Nós não podíamos olhar uma para a outra sem rir.
O pior é que não soubemos como ficávamos bêbedas, só dormimos.
Ai saudades, saudades. Saudades dos meus sogros. Ele fazia hoje anos. Ela morreu há oito, no mesmo dia. Daí a história.
Beijos meus, dos filhos, dos netos, dos bisnetos, queridos pais.
Até um dia destes.

sábado, 25 de julho de 2009

Saudade




À Lena

Não viveste, não viveste
E quanta vida tu tinhas
Chegaste um dia, passaste
E logo depois voltaste
Para o mundo de onde vinhas
Eras um anjo, voaste...












Com toda a ternura.

Até um dia destes

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Conta uma história Avozinha


Era todos os dias a mesma cantilena. Conta uma história. E tu contavas. Sentada aos teus pés, a cabeça nos teus joelhos, uma das tuas mãos no meu cabelo, a outra entre as minhas, ouvia vezes sem conta, as mesmas histórias de fadas e de princesas. E sonhava, minha avó, minha fazedora de sonhos. Outras vezes pedia histórias de verdade. Estas eram, tão somente, histórias de família. Do pai, dos tios, do avô e mais antigas ainda. Creio que devo ser hoje, quem melhor conhece toda a história da família. Nessas não me limitava a ouvir. Fazia perguntas. Nunca te vi aborrecida por isso. Eras como eu sou. Gostavas de lembrar o passado, de trazer de volta os mortos queridos.
Lembras-te de te zangares por eu te escrever pouco? Agora escrevo muito para ti.
Também eu conto histórias aos meus netos. E são eles que pedem: “Conta uma história avó”.
E sabes avozinha? Também conto histórias a outras pessoas e às vezes gostam.
Foste tu quem me ensinou a contá-las. Às vezes parece-me ouvir-te enquanto as escrevo.
Hoje é o dia dos teus anos. Queria dizer-te que ainda tens o teu jardim, os brincos-de-princesa, as roseiras, a erva-da-fortuna, mas não sei vó. Já não está ninguém nosso na tua casa. Nunca mais lá passei, nem vou passar. Está guardada na minha memória, junto das outras casas onde fui feliz.
Vês a carta grande que te escrevi?
Olha, hoje também faz anos que o Vasco, o único dos meus filhos que não conheceste, foi baptizado. Ele conhece-te, avó. Faz muitas perguntas como eu, quer saber tudo da família.
Vou acabar como de costume. Muitos beijinhos e saudades, da neta amiga que te pede a benção.
Até um dia destes.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Lua


Desde que há homens no mundo, até há quarenta anos, a Lua foi a Deusa inacessível, a vestal intocada, que fazia sonhar amantes, inspirava poetas e pintores, tinha um fascínio que tocava todos.
Atribuem-lhe poderes imensos, podia fazer e desfazer sonhos, manda nas marés, no nascimento das crianças. Ela, sempre diferente e sempre igual, olha-nos lá do alto, convencida da sua beleza, espargindo a sua luz suave e calma, nas horas em que o Sol ia dormir. Diziam que o Sol e a Lua eram namorados, mas nunca se encontravam.
Sob o seu luar, fizeram-se poemas, fizeram-se serenatas, houve namoros, mais ou menos secretos.
Ela acompanhou, lá do alto, o longo funeral da Linda Inês, Rainha depois de morta, de Coimbra a Alcobaça. Assistiu à última noite dos dois eternos amantes, viu as lágrimas de desespero de Pedro.
Quantos amores impossíveis tu velaste, Lua? Quantos crimes encobriste? Quantas crianças nasceram sob a tua luz?
Um dia os homens quiseram-te mais perto. Estudaram, inventaram, tentaram. E naquela noite, pela primeira vez, foste pisada, analisada, trouxeram para a terra pedaços teus. E naquela noite os homens olharam-te de forma diferente. Olhos presos em ti, nos televisores, eles viram dois homens pisar-te pela primeira vez.
E foram lá mais vezes, desistiram e agora vão voltar.
A Ciência avança, os homens hoje sabem mais do que há quarenta anos. Talvez vão descobrir alguns dos teus segredos, talvez te dispam mais do mistério que te envolve.
Mas tu vais ser sempre a Deusa inspiradora dos poetas. Tu vais continuar sempre a ser de todos e de ninguém. Eterna namorada do Sol, que nunca viste, mas te dá essa luz que tu nos mostras.
Há quarenta anos já! Eu vi os homens lá e vibrei. Continuo a vibrar se lembro o que vi. Eles vão lá, pousam, voltam com mais amostras, mais pedras. Mas conquistar-te, Lua, como se nem o Sol te conquistou?
Até um dia destes.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Príncipe Melancolia


Mais uma vez ao ver um livro com fotos de obras de Malhôa, parei a olhar um que desde garota me impressiona.
Hoje, admiro-lhe a técnica, a cor, a precisão dos pormenores. Dantes via um príncipe de conto de fadas, lindo e com uma história triste. Talvez porque a minha avó contava coisas dele. Dizia ela que não havia menina casadoira que não estivesse apaixonada pelo príncipe. Algumas traziam o retrato dele num medalhão pendurado ao pescoço. É, nesse tempo, sem artistas de cinema para amar, as meninas tinham grandes paixões platónicas pelo príncipe.
Malhôa pintou-o em criança e voltou a pintá-lo já homem. Parece que o Rei D.Carlos, não terá gostado muito do retrato, pelo ar triste do filho. Chamou-lhe “Príncipe Melancolia”.
Nasceu em Lisboa a 21 de Março de 1887, filho de D. Carlos e de D. Amélia, era o herdeiro do trono, já um tudo nada periclitante, de Portugal. Teve uma educação esmerada, sendo seu preceptor Mouzinho de Albuquerque. Fez uma viagem às então colónias portuguesas de África, onde, ao que se diz, terá sido recebido com grande entusiasmo. Além de belo e culto, era simpático e aberto.
Voltou para Portugal e pouco tempo depois, deu-se a tragédia do Terreiro do Paço. A 1 de Fevereiro de 1908, aos vinte e um anos incompletos, o príncipe foi assassinado juntamente com o pai. Ainda matou um dos assassinos, mas também ele caiu varado pelas balas. Assim tristemente, acabou a história do Príncipe Melancolia.
Será que essa melancolia já era pronuncio do fim tão prematuro? Só ele o saberia.
O quadro encontra-se nas Caldas da Rainha, no Museu José Malhôa, num recanto mal iluminado.
Mal recebido pelo rei, retrato fiel do pobre príncipe, o quadro parece ter a mesma sorte: esquecimento. O mesmo esquecimento que o retratado. Um, morto, esquecido até nos manuais de História. O outro, relegado para um canto, como se fora obra menor do autor.
Eu vou continuar a ir vê-lo sempre que voltar às Caldas. Porque desde que o vi a primeira vez, todos os príncipes de todas as histórias da minha avó, tinham para mim, o rosto e a figura do “Príncipe Melancolia”, D. Luís Filipe.
Se algum de vós tiver visto o “Equador”, ele é representado e bem, pelo Pedro Granger. Só lhe faltou o ar melancólico dele.
Até um dia destes.

sábado, 11 de julho de 2009

Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é Fado


Comecei a tarde triste. O espectáculo que vi, foi triste. Uma moça pouco mais nova do que os meus filhos, que vestiu à nascença roupas deles, que dormiu no berço que fora deles, mais uma vez, drogada ou bêbeda, insultou toda a gente, mesmo quem já tentou ajudá-la. As pessoas riam, eu quase chorei. Lembrei-a pequenina, doce, bonita, estendendo os bracitos para mim. Esses mesmo braços que hoje são um mapa de cicatrizes, de nódoas negras.
Tem um filho, ela. Descobrimos que estava grávida por acaso, eu e outra vizinha. Quem é o pai? Nem ela sabe. O filho foi entregue a um irmão dela. E ela continua a jogar às escondidas com a morte todos os dias. Entretanto faz rir alguns, faz-me sofrer a mim.
Saí da varanda, tentei esquecer, queria ir aos fados feliz.
Foi muito bom. Como eu gosto de Fado ao vivo! Joaquim Campos, Nuno de Aguiar, uma Senhora já entradota, com uma voz linda, um naipe de jovensinhos muito prometedores, belíssimo acompanhamento, fados antigos, boa companhia, foi muito bom.
Saímos e o pesadelo voltou. A caminho do carro, num local bastante frequentado, perto de uma esquadra de polícia, outro jovem tentava desesperadamente, arrombar um parquímetro.
Droga de droga. Eu vinha feliz, muito feliz. A noite tinha sido perfeita. Caldo verde, bacalhau, sangria, arroz doce, fado, boa companhia. Ver o meu puto Vasco, tratado com respeito, com amizade pelos colegas, ouvir dizer bem dele. Que mais quer uma mãe? Estava feliz, orgulhosa da minha cria, contente de ouvir o Fado.
Porquê tiveste que aparecer puto loiro de caracóis? Porque estavas a arrombar o parquímetro? Porque te drogas? Porque existe droga? Porque não acabam com os, passadores de droga?
Porque é que tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é Fado?
Até um dia destes.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Alda Hermínia, a Boneca mais que centenária


Gosto de bonecas. Muito. Tive algumas humildes de cartão, de celulóide, quando era pequena. De todas guardo lembranças boas e tristes. Boas, quando eram novas, com grandes olhos pintados, boca em forma de coração, muito vermelha, cabeças com altos a fingir ondas, também pintados de amarelo e castanho. Aos poucos o verniz estalava, as cores iam desaparecendo, os braços e as pernas presos com elásticos caíam e a pobre boneca transformava-se em mísero trambolho, a quem eu tratava desveladamente, porque estava doente. As duas de celulóide que tive, também acabaram mal. Com tanto banho, tanto carinho, acabavam com altos e baixos, fendas, olhos metidos nas órbitas. Resumindo: tinham um curto prazo de validade.
Um dia a minha avó deu-me uma boneca linda. Cabeça de biscuit alemão, olhos azuis, corpo de pelica. Não tinha cabelo, mas tinha ainda algumas peças de roupa originais.
O problema do cabelo foi resolvido facilmente. Eu tinha muito. É pois o meu cabelo que ela ainda tem. Roupas, a minha mãe com restos de tecidos sem idade e muita arte vestiu-a. Claro que não tinha ordem de lhe mexer senão em dias de festa. Mas era minha e eu podia olhá-la, mostrá-la às minhas colegas. Dei-lhe o nome da minha avó. O tempo passou, os velhos tecidos romperam-se e fui eu que a voltei a vestir. Nova busca nos restos de tecidos. Dias e dias a tentar reproduzir o vestido de noiva da minha outra avó, que ainda guardo. O cabelo ainda é o meu cabelo de menina. Está numa vitrine, juntamente com outros tesouros. Já me ofereceram bom dinheiro por ela. Só que ela já não é minha. É da minha neta, eu sou apenas Fiel depositária dela. Mesmo que ainda fosse minha nunca me desfaria dela.
Minha avó faria no dia 22 deste mês 132 anos. A boneca foi-lhe dada no dia em que fez um ano.
Acham possível desfazer-me desta relíquia? Eu não seria capaz.
Isto de limpar o pó, dá-me cada ideia!
Até um dia destes.

domingo, 5 de julho de 2009

Irmãs


No dia em que fiz dois anos, estávamos no Carregal, perto de Ovar.
À hora do jantar, um grande reboliço pôs tudo em polvorosa. Estava tudo de volta da mãe, que agarrava a grande barriga com as mãos e gemia. Desatei a berrar. Queria o colo dela, queria a minha mãe.
Levaram-me dali, adormeceram-me e já não dei pela saída da mãe para o Porto.
De manhã as tias explicaram-me que a mãe e o pai tinham ido buscar o bebé novo. Aí fiquei contente. Eu já tinha um irmão mais velho, que era o meu protector, tinha tido uma irmãzinha que não conhecera e pela qual a mãe chorava ainda. Um bebé, era tudo o que eu queria. Só que o bebé, levou quatro dias a chegar. Eu já estava em pulgas. Então nem bebé, nem mãe, nem pai? Mas onde é que tinham ido buscar o bebé?
Um dia vestiram-me a preceito, meteram-me no carro do tio Zé e levaram-me a uma casa enorme, com umas senhoras vestidas de branco, véus na cabeça, terços à cintura. Andamos por um corredor grande, abriram a porta e lá dentro estava a mãe sem barriga, o pai com ar embevecido e uma trouxa de roupa cor de rosa, só com a carinha de fora, isto é: o nariz arrebitado, o polegar na boca e os olhos fechados. Olhei para a mãe com ar interrogador e ela disse: é o teu bebé e é uma menina. Já mais ninguém teve licença de te tocar. O bebé era meu. Só eu tinha direito de te tentar tirar o dedo que teimosamente, metias de novo na boquita.
Fomos crescendo. Sempre juntas, sempre cúmplices, sempre à bulha, sempre irmãs. Até eu casar, dormíamos no mesmo quarto. Chorámos e rimos, discutimos e encobrimo-nos. Num minuto odiávamo-nos, noutro morríamos a rir por qualquer coisa.
Separámo-nos. Cada uma teve e tem a sua vida. Tu estás aí, nas ilhas de bruma, eu aqui, neste país de lodo.
Todos os dias me lembro de ti. Como és agora, como fomos dantes.
A vida mudou e mudou-nos. Mas há coisas que permanecem iguais. A amizade, a ternura, a saudade e a lembrança daquele dia doze de Dezembro. Ainda oiço a voz da mãe: “Olha filha, é o teu bebé”.
Sabes que não sou de grandes manifestações de ternura, ao contrário de ti. Hoje abro uma excepção. Um abraço daqueles sufocantes e uma data de beijos como gostas.
Até um dia destes.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Casa de Bonecas


Talvez devesse começar por dizer, “Era uma vez”, porque esta história foi passada com uma criança e mais parece um conto de crianças. Só que é verdadeira e foi passada comigo. Ou melhor, com a Maria menina de cinco anos, com a cabeça cheia de sonhos e uma loucura por brinquedos, que geralmente não podia ter.
Minha mãe viveu alguns anos em Águeda. Tinha lá amigas, daquelas amigas que vêem da infância e duram uma vida inteira.
Uma delas casou rica. Um dia, estávamos em Ovar a passar férias e minha mãe recebeu um convite dessa amiga, para ir passar o dia com ela a Águeda. Fomos. A senhora vivia num grande palacete, perto do centro da então vila.
Não me perguntem como era a casa. Tinha um jardim, uma cave e dois andares. Só me lembro da cave. Tinha três divisões: um bar, uma sala de jogos e um quarto de brinquedos. Havia duas meninas amorosas, que logo me levaram para o dito quarto. Eu parei à porta, muda, trémula, de olhos arregalados. Aquilo era uma loja de brinquedos preciosos. Havia bonecas lindas, de todas as nacionalidades, camas, armários cheios de roupinhas, pequenos pratos com comidas a fingir, sei lá. Eu nunca tinha visto nada assim.
A menina mais velha agarrou numa boneca com trancinhas, pôs-ma nos braços, dizendo: podes mexer em tudo. Olha esta tão parecida contigo! Até tem trancinhas como tu!
Mas eu já não via nada. Ao fundo do quarto, em cima de uma mesa, estava uma casinha pequenina, linda, com janelas, portas, plantas.
A menina viu o meu olhar e apressou-se a abrir a parte da frente da casinha. Tinha tudo. Móveis lindos, carpetes, cortinas, loiças, livros, bonequinhas vestidas de formas diferentes. Fiquei maravilhada e não larguei a casa em todo o dia. Limpei-a, arrumei-a, mudei a roupa das bonecas. Quando chegou a hora de partir, levei nos olhos aquele brinquedo que nunca poderia possuir. Chorei baixinho todo o caminho de Águeda a Ovar. Nunca esqueci a casinha. Era o meu sonho secreto e impossível.
Quando a minha filha fez cinco anos, o pai fez-lhe uma casinha com todos os moveis. Tudo feito por ele. Ela ainda hoje a tem.
Para mim foi o prémio de consolação.
Aqui há poucos anos, era a minha neta pequenina, apareceram uns fascículos de um livro, chamado “Casas de Bonecas”. Cada fascículo vinha acompanhado de uma peça da casa, ou um pequeno móvel. Logo sonhei dar uma à minha neta. Quando fui comprar o primeiro fascículo, o sonho de outrora falou mais alto. A Maria menina entrou na minha cabeça e disse: “Compra dois!” Quase sem pensar, comprei mesmo. E fui juntando semana a semana, paredes, portas, chão, estrutura, móveis, loiças. Quando acabou, o meu marido construiu-as. Ficaram lindas. Quando acabei de lhes pôr os móveis, as carpetes, as cortinas e as loiças, o meu coração batia como o da Maria menina de cinco anos. As lágrimas caiam-me dos olhos de novo, mas desta vez de alegria. Era o meu sonho realizado. Esta era minha. Não teria que a deixar.
Hoje ao limpá-la, tudo isto me passou na cabeça.
E sabem a melhor? A minha casa das bonecas não é um simples objecto de adorno. De vez em quando brinco com ela. Mudo os móveis de sítio, falo com as Donas Bonecas, invento histórias de vida para elas. Louca? Sou sim. Mas alguém ainda tinha dúvidas?
Se todos os sonhos fossem tão simples!
Até um dia destes.