Querido Avô:
Não te conheci, mas sei a tua história.
Chamavas-te António e eras médico. Tinhas um consultório
onde recebias toda a gente. Os que tinham dinheiro pagavam, os outros não.
Contaram-me, que chegavas a dar remédios e dinheiro, aos mais carenciados. Nunca te negaste a visitar um doente, de
dia ou de noite. Eras adorado pelos moradores do bairro onde moravas. Quando
morreste, eles quiseram fazer-te uma estátua. A Avó não quis. Achou que não
gostarias.
Quando te formaste, fizeste o ”Juramento de Hipocrates”, que
cumpriste na totalidade.
Lembrei-me de ti, das histórias que ouvi contar, de médicos
irrepreensíveis que conheci e conheço, porque se passou um caso comigo, que me
deixou espantada, revoltada.
Tu não sabes, mas existe há uns anos, uma coisa chamada
Serviço Nacional de Saúde, que segundo as tuas ideias, serviria para acudir a
todos, sobretudo aos pobres. Todos temos um cartão, que em princípio, nos daria
acesso a tratamento médico, incluindo assistência de médico de família. Há
quatro anos, o meu doutor, reformou-se e, nunca o substituíram. Tenho uma
médica particular óptima, mas não dá jeito nenhum pagar uma consulta, de cada
vez que tenho necessidade de medicamentos. Aqui há um mês, atribuíram-me um médico.
Marquei consulta e lá fui, conhecer o senhor. Logo de entrada assustei-me, com
o aspecto dele. Mal encarado, bruto. Tentei mostrar-lhe as análises feitas dias
antes. Avisou-me que não estava ali para dar consultas, mas sim, para passar
receitas e às vezes análises. Consultas, só no consultório.
Agradeci, disse que já tinha médica particular, passou-me
duas receitas e, saí.
Entendes, Avô? Eu não. Só quem tem alguns tostões pode estar
doente? E os outros? Morrem? Não têm dinheiro para o médico, não podem pagar os
medicamentos, sofrem e morrem.
Que me perdoem os médicos, que felizmente ainda existem, mas alguns doutores, não fizeram o tal juramento. Ou fizeram e esqueceram?
Se foi esse o caso, aqui vai a cópia:
“Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas,
cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar,
tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e,
se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus
próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de
aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos
preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu
mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém,
só a estes.
Aplicarei os regimes
para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano
ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um
conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma
substância abortiva.
Conservarei imaculada
minha vida e minha arte.
Não praticarei a
talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos
que disso cuidam.
Em toda a casa, aí
entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e
de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com
os homens livres ou escravizados.
Àquilo que no
exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu
tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei
inteiramente secreto.
Se eu cumprir este
juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha
profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou
infringir, o contrário aconteça.
Minha Doutora, meus Doutores, Avô, perdoem a minha revolta.
Acho que para vós, também deve ser triste. Dantes, a
medicina era um sacerdócio. Hoje, para alguns, é um negócio.
Fico por aqui, Avô. Deves estar espantado. O mundo, as
pessoas, mudaram muito, desde o teu tempo.
Beijinhos à Avó, aos meus Pais e Tios e, para ti, da neta
Maria
Até um dia destes e não adoeçam, se não tiverem dinheiro.
Maria