domingo, 30 de novembro de 2008

Anne Frank e Hélène Berr


Nasci pouco antes do fim da Guerra. Aquela Guerra, feita para acabar com todas as Guerras e, que afinal, só as fomentou. Por qualquer razão, sempre me despertou a curiosidade, sempre quis, de uma certa forma, tentar “vivê-la”, através de livros, filmes, até de conversas com pessoas que dela soubessem alguma coisa. Durante anos, lidei com gente de diversas nacionalidades que, a tinha vivido. Quando o Campismo, elegeu o nosso País, “O país por excelência” para acampar, tínhamos uma quinta no Norte.
Começaram a aparecer turistas, de caravana ou tenda, primeiro muitos franceses, ainda marcados pela guerra, depois outros, entre os quais um casal Checo, que veio vários anos seguidos. Ambos de origem judaica, ambos marcados no corpo e no espírito, por todos os horrores vividos. Foi ela, que depois de longas conversas, me apresentou “Anne Frank”. Eu tinha 13 anos, como Anne quando “mergulhou”. Devorei o “Diário”, reli-o muitas vezes. Era-me fácil imaginar, o que teria sido a vida daquela menina como eu, com os mesmos sonhos, as mesmas dificuldades de crescer, uma grande imaginação. Não conseguia, era imaginar, o que seria viver fechada, sem poder falar, cantar, correr, tudo aquilo que eu fazia tão naturalmente. O livro, a história, de Anne Frank, tem-me acompanhado sempre. É sempre com o mesmo espírito, com que o li aos 13 anos, que volto a lê-lo.
Há dias, vi na montra de uma livraria, um livrinho, que tinha uma faixa a dizer: “Hélène Berr, a Anne Frank, francesa”. Como já disse, várias vezes, detesto estes rótulos. Mesmo assim, comprei o livro. E, claro, não é Anne Frank francesa. É Hélène Berr, uma judia francesa, mais velha do que a outra, mais madura, com uma vivência da guerra, quase totalmente diferente. Tinha 22 anos, quando começou o “Diário”, nunca viveu em nenhum anexo, escreveu-o propositadamente, para ser lido. É um testemunho muito fiel, do que foi a vida de uma mulher jovem, consciente do que poderia acontecer a ela e, a todos os outros, na mesma condição. Uma jovem que, se revolta, por ter de usar, pregada à roupa, a asquerosa estrela amarela, imposta a todos os judeus, da França ocupada e, que mesmo assim, consegue estudar, sair com amigos, ajudar crianças separadas dos pais e, internadas em instituições, que se vê separada do rapaz que amava, que vê os amigos a pouco e pouco, serem presos e deportados, que espera, consciente a sua vez, de o ser, também. E o dia chega. Primeiro, Drancy, nos arredores de Paris, depois Auschwitz, por fim, Bergen-Belsen. Os pais morrem em Auschwitz, ela sobevive mais um ano depois, morre em Bergen-Belsen.
Coincidências entre as duas histórias? Existem, sim. Ambas começaram os respectivos “Diários”, quase ao mesmo tempo, morreram, com poucas semanas de diferença, de tifo, em Bergen-Belsen, pouco tempo antes da libertação do campo. Quem sabe, talvez se tivessem cruzado. Quem sabe, não terão até, trocado algumas palavras. Mas, as coincidências, terminam aqui.
São dois testemunhos diferentes, duas histórias diferentes, de duas jovens diferentes.
Ambos horríveis, na sua verdade, ambos impressionantes de sinceridade.
Mas nem Anne é a Hélène, holandesa, nem Hélène é a Anne, francesa.
Leiam os livros. Ambos valem a pena. Neste mundo, onde hoje vivemos, em que a vida de um ser humano nada vale, em que morrem de novo, velhos, mulheres, crianças, gente inocente que, todos os dias, sofre na carne e na alma, a dor da perda, de familiares e haveres, é indispensável saber, que outros, já passaram pelo mesmo. Quantas Annes e Hélènes, estarão, neste momento a sofrer, o que estas duas sofreram, naquela que afinal, não foi “A guerra para acabar com todas as guerras”?
Até um dia destes.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Claustro do Mosteiro de Santa Clara


Este Mosteiro fica em Vila do Conde. É muito bonito.
A foto é muito antiga, foi tirada em 1959.
Como podem ver, (mal) o Claustro tem ao centro uma fonte. Na altura, não tinha água enquinada, porque não tinha água. No entanto, quatro jovens noviças, cheias de fé, resolveram tomar banho, lá dentro. Quatro não. Uma delas, menos crente ou, mais exibicionista, resolveu ficar em cima do muro.
Perdoai-lhes amigos, pois só tinham quinze aninhos.
Hoje, devem todas ser Madres e avós. Nessa altura, eram apenas, quatro “mocinhas inconscientes” que de tudo se serviam para brincar.
Oh Bicho, vê se lá vais e, tiras uma fotografia decente, pois a fonte é linda.
Juro que, as “irmãzinhas”, não vão lá estar, a estragar a beleza da fonte.
Até um dia destes.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Miguel voltou

E tudo acabou bem, felizmente.
Falando por mim, mãe e avó, confesso que, me senti aliviada e grata, por tudo ter acabado bem.
Bem vindo, à tua casa, aos braços dos teus pais e irmão e, aos corações que, estes dias, sofreram por ti e, pela tua família.
Teresa, o seu rosto hoje, demonstrava bem, a alegria e o alívio, por ter o seu menino de volta. Sinto-me feliz, por si.
Senhor Vasco Ferreira: obrigada por mais uma vez, ter mostrado que, os portugueses, continuam a ser solidários e, se preocupam com os outros.
Tudo o que é mau, acaba sempre, por nós ensinar alguma coisa. Talvez, agora, quando alguém desaparecer, o que aconteceu com o Miguel, faça as pessoas pensar que: ”A união, faz a força”. Não vale a pena, lamentar, dizer frases bonitas. É preciso é agir. Aquilo que, às vezes parece inútil, não é. Mais uma vez se provou que, televisão, jornais, simples e-mails, Blogues, notícias, passadas boca a boca, podem ajudar a resolver um problema grave.
Agora, deixemos o Miguel viver a sua vida e resolver os seus problemas. O nosso papel, termina aqui. Felicidades, Miguel.
Até um dia destes.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Encontrem o Miguel


Miguel:

Estejas onde estiveres, dá notícias. Seja o que for que, se tenha passado, comunica com a tua Mãe. Nada se pode comparar à angústia que ela sente.
Volta, ou pelo menos, diz alguma coisa.

Procurem em cada rosto, o Miguel. Pensem nos vossos filhos e netos e, no horror que, a família dele deve estar a passar. Ele pode estar em qualquer lado e, pode precisar de ajuda. Apesar dos dezanove anos, ainda é um menino, um menino com mãe que, neste momento, deve estar desfeita.
Para ela, toda a minha solidariedade de mãe e, uma palavra de esperança: o Miguel vai aparecer. Somos muitos a procurá-lo e a torcer, para que tudo acabe bem e, em breve, o Miguel volte para onde deve estar: os braços ansiosos para o abraçar, da mãe, do irmão e dos outros familiares.
Volta, Miguel, por favor.
Até logo. Hoje, só vou pensar no Miguel.
PS - Se clicar no título desta mensagem irá encontrar o apelo da família.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

São Francisco de Assis




Durante os dias em que a Java esteve desaparecida, lembrei-me muito de São Francisco de Assis. Ele é, dizem, o protector dos animais.
São Francisco, nasceu em Assis, na Umbria, entre 1181 e 1182. A família era rica. Os seus primeiros anos, foram vividos no meio do luxo e da riqueza.
Um dia adoeceu e, quando se curou, Francisco havia mudado. Converteu-se, abdicou de toda a riqueza terrena e, começou uma vida errante, pregando o Evangelho de Cristo, em palavras simples, acessíveis a todos. Chamava Irmão, a qualquer criatura. Para ele, animais, sol, lua, água, todos eram irmãos. Falava com as pombas, tem uns versos lindos, a elas dedicados.
Fundou a Ordem dos Franciscanos, dedicada aos pobres, aos enfermos e, que vivia com o mínimo possível. Santo António, era Franciscano e, também fazia sermões aos animais, por exemplo aos peixes.
Estive em Assis. Além de ser uma cidade bonita, paira no ar, uma mística, muito especial. A Igreja tem três andares e é linda. No andar de baixo, repousa o Santo.
Mas, há sempre um mas em tudo. Houve três coisas de que não gostei.
A primeira, foi a existência de uns microfones que, a todo o momento diziam ser proibido falar. Ora, quem estava a fazer barulho, eram eles e os vendedores de recordações, dentro da própria igreja, mais ninguém. Segundo, não se podiam tirar fotografias dentro da Igreja. Eu sei que, já é hábito isso acontecer com os flash, estraga as imagens, mas sem as luzinhas, não entendo. A terceira, peço que não pensem que estou a brincar com os sentimentos religiosos de ninguém, mas foi um letreiro enorme, fora do Templo, a proibir expressamente, a entrada a animais. Vou explicar: é evidente que, não concordo que se fizessem romagens à Igreja, de numerosos grupos de animais. Mas, se um cão, um gato, um pássaro ou, uma das pombas que ele tanto amou, entrarem por acaso, o que lhes vão fazer? Matam-nos? Eu acho, que o Irmão de toda a Humanidade, não ia gostar.
Comprei em Assis, fora da igreja, duas pequenas imagens. Uma de São Francisco, com um cão ao pé, outra, de Santa Clara. Gosto muito deste Santo. Ele, como eu, amava os animais. Para ele, eram criaturas de Deus, como nós.
Até um dia destes.

sábado, 22 de novembro de 2008

Java de volta


Para tudo é preciso ter sorte, até para ser cão.
A história da Java, é a prova viva, desta velha frase.
Os meus filhos, grandes amigos de cães, já tinham em casa, três cadelas; Duna, Tuca e Vega. Um dia em Setúbal, numa das muitas feiras de animais que, felizmente se vão fazendo, na tentativa de evitar abater animais abandonados, encontraram uma cadelinha, magra, com ar de ter sido atirada à rua, como muitas outras, porque deixam de ser pequeninas, engraçadinhas e, os donos descobrem que, dão trabalho, roem coisas, precisam licenças e vacinas e, além de tudo, estragam as férias.
Os olhos meigos e tristes da cadelinha, comoveram-nos e, passaram a ter quatro, em vez de três. A bicha, parecia perceber, que eles a tinham salvo da morte certa. Dócil, com nenhuma das outras, humilde, terna. Quando olhava a dona, os olhos escorriam mel, de tanto amor. Chamem-me louca, não me importo. Os animais amam e, melhor que nós. Só pedem em troca, comida, carinho e água.
Mas voltemos à Java. Foi engordando, foi vacinada, foi tratada. Há dias, ficou na veterinária para ser operada. Telefonaram a saber dela, tudo tinha corrido bem e à noite, iria para casa. Quando a foram buscar, foi-lhes dito que, a cadela tinha ido à rua fazer as suas necessidades e, teria fugido. Isto passou-se terça-feira passada. Todos estes dias, os donos a procuraram, dia e noite, puseram anúncios, pediram ajuda e, nada. Vários telefonemas, mas nunca era a Java. Eu já temia pela vida da bichinha e, pela saúde dos donos. Hoje de manhã, recebi um telefonema do meu filho, com lágrimas na voz. “Mãe, a Javinha apareceu!” Eu confesso, tremi. Queria saber como, mas não conseguia perguntar. Só consegui dizer “Como?” “Está bem, Mãe. Um senhor, ontem viu-a com fome, deu-lhe de comer, abrigou-a e, hoje viu o anúncio e ligou-nos. Ela está bem, só assustada.” As lágrimas já me caíam pela cara, não conseguia falar. Eles foram com ela à “competentissima” veterinária que, além de “magnanimamente”, só lhes cobrar a operação, ainda tentou dar-lhes conselhos acerca da coleira. Santa alma! Deixa fugir um animal recém operado, cobra a operação e, fica de consciência tranquila.
O Senhor que a achou, pobre, inválido, salvou-a sem interesse. Ainda há bondade.
A Java, pela segunda vez, foi salva. Está em casa, quente, alimentada, acarinhada. Os meus meninos, vão descansar, enfim. Eu vou agradecer, toda a vida, aquele Senhor, que a recolheu.
Esta história é dedicada, primeiro ao meu neto, um dos donos da Java. Segundo à minha neta, que gosta muito dela. Terceiro ao meu amiguinho Martim, filho da Carla e ao Miguel, filho do Bicho. Por fim, para todos os meninos e, pessoas com alma de meninos: aqueles que, sabem amar um animal.
Por favor! Quando virem um cãozinho, um gatinho pequenino, lembrem-se de que não é um peluche, que nas férias se deixa em casa. Pensem bem, antes de o levar para casa. Nem todos têm a sorte da Java. Às vezes morrem.
Até um dia destes.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Santa Maria do Olival




A História da bela Igreja, parece ter começado em meados do século VII.
São Frutuoso, bispo de Braga, terá mandado edificar dois conventos beneditinos, um para homens, outro para mulheres. A Igreja seria comum.
Com a passagem dos mouros, só parte da Igreja terá resistido.
Quando Gualdim Pais resolveu fazer ali, a primeira Igreja Templária, terá aproveitado o que restava da Igreja, para construir a nova. Isto, passou-se já na segunda metade do século XIII.
A Igreja divide-se em três naves. Passada a bela porta, descem-se 8 degraus que, nos levam à Igreja. Por cima da porta, existe, uma bela rosácea que, juntamente com as frestas das capelas laterais e os vitrais rasgados em ogiva, do Altar Mor, iluminam toda a igreja, de uma luz doce, calma, que deixa ver, sem lâmpadas artificiais, toda a grandeza e maravilha que é. No Altar Mor, uma imagem linda e rara, da Senhora do Leite. Não é uma estátua, é uma mulher jovem, com o seu bebé nos braços, que lhe dá o seu leite e o seu amor. A forma, como o segura, a ternura da mão da Mãe, segurando o pésinho do filho, são tão humanas, que emocionam.
Outra imagem, também pouco vulgar, é a que está na terceira capela. Representa: Santa Ana, Mãe de Nossa Senhora, Nossa Senhora, quase menina e, Jesus pequenino ao colo da sua Mãe. Sou capaz de ficar a olhar para Eles, horas.
Mas vamos ao resto.
A Igreja foi Bailia, isto é, Igreja principal. Teve casa do capítulo, enquanto o Convento não se acabava. Foi sepulcro de vários mestres, incluindo Gualdim Pais.
D. João III, resolveu fazer obras na Igreja, destruiu túmulos, guardando apenas, algumas lápides, entre elas, a de Dom Gualdim. Depois das descobertas, todas as Igrejas feitas no Ultramar, eram dependentes de Santa Maria, sua Bailia. Mais tarde, cerca de 1525, Dom Diogo Pinheiro, Bispo do Funchal, onde por sinal nunca pôs os pés, ficou sepultado no único túmulo visível, existente na Igreja.
Vindo para fora, vê-se a torre sineira, separada da Igreja. Já agora, torre sineira ou vigia? Talvez as duas coisas. No lado Sul, sobre as capelas laterais, existe uma varanda coberta que, segundo me foi dito, servia de abrigo aos Romeiros de Santiago. Está feita de forma que, nem vento agreste, nem sol a mais, lá entram.
É tudo o que de momento sei de Santa Maria. Prometi fotografias, vou cumprir.
Perdoem, a fraqueza de conhecimentos. Dei-vos o que sei. Não seria capaz de entrar em questões, mais ou menos imaginárias, que tantos livros têm vendido.
A minha Igreja, é esta. Não me peçam mais.
Até um dia destes.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Sem Eira Nem Beira


Lembrei-me de Lamego, hoje. Terra linda, como a minha, terra em que parafraseando um apresentador da nossa T.V., já fui muito feliz. Foi lá que, o meu filho se casou, na Sé, com uma Lamecense de gema, que eu amo como uma filha.
Foi lá, que conheci a família dela, gente boa, hospitaleira, afectiva. O meu Compadre, era pessoa muito querida e considerada, em Lamego. Foi o grande impulsionador do grupo “Sem Eira nem Beira”, de que era a Alma, o sangue, a alegria. Talvez por isso, quando há seis anos, morreu, o grupo desapareceu.
Daqui, quero enviar, toda a minha Saudade, para alguém, que conheci pouco tempo, mas estimei e admirei muito. Para a família, sobretudo para a filha que considero minha, um beijo e uma lágrima, sem palavras. Para os amigos, um pedido: Não deixem morrer, o grupo que ele tanto amava.
Até um dia destes.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Voltei a casa


Estava curiosa para ver a Exposição do Dr. Fernando (Nini) Ferreira. E, a verdade é que estava cheia de Saudades (para mim, Saudade, é sempre com letra grande) da minha terra.
Mal lá chego, esqueço-me da idade, das dores. Volto a ter tranças, bibe aos quadradinhos, apetece-me correr, saltar, pisar as folhas douradas que, atapetam as ruas... Depois, vem o reverso: a procura dos que já não existem, as casas vazias que, conheci habitadas e, onde tinha amigos, as diferenças, da própria terra.
Parei em Santa Maria e, fiquei apavorada. Depois, entrei e, vendo a Igreja igual, serenei um pouco. Tirei as fotografias que queria e, vim embora, fugi daquele barulho, daquela ponte, daquela Santa Maria, sem olival.
Fui ao “Templário”, comprar uns livros. Passei na Fonte da Prata, vi o Rio, já com alguma água. No Mouchão, não entrei. Aquela ponte, para blindados, irrita-me, faz-me sentir mal. Fui a São João, a minha igreja, vi a casa onde nasci, a Nabantina, comprei mais uns livros e, vim para Lisboa.
As fotografias, irão aparecendo, pouco a pouco.
Até um dia destes.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Racismo


Vou hoje falar de racismo, coisa que, tinha jurado não fazer. Não gosto de temas polémicos e, muito menos de polémicas. Mas às vezes, a revolta obriga-nos a fazer coisas que não queremos.
Ontem, uma das nossas preclaras estações de televisão, pôs no ar, um programa que, à partida, pensei ser educativo, isto é, viesse trazer alguma informação útil, para um tema delicado e, mal esclarecido. A desilusão foi total. Tirando dois casos, contados na integra, o resto, como de costume, foi... nada. Perguntas estúpidas, respostas estúpidas, exemplos claros de como não esclarecer um problema.
Não sou, nunca fui racista. Quando era miúda, ensinaram-me uma coisa que, não sei se era oração ou simples poesia. É curta, mas diz muito:

Minha mãe, quem é aquele, pregado naquela cruz?
Aquele, filho, é Jesus, é a Santa Imagem dele.
E quem é Jesus?
É Deus e, é Ele que nos cria
Quem nos dá a luz do dia
E fez a terra e os céus.
E morreu?
Para mostrar, que todos somos irmãos
E devemos dar as mãos
Uns aos outros, irmãmente.

O que quero dizer com isto, é que esse Jesus disse, “dar as mãos” e, não “dar com as mãos”.
Depois de muito disparate, mostraram um caso concreto: Uma jovem mãe, negra,
foi a um parque infantil com o filho de 3 anos. Só havia um baloiço. A criança apoderou-se dele, brincando alegremente até aparecer um homem, branco, com o seu filho. Este, queria o baloiço. O outro, não estava disposto a largá-lo. O paizinho, terno, vendo o filho com uma valente birra, arrancou, literalmente, a outra criança do baloiço, com tanta delicadeza que, ele caiu e, feriu um lábio. A mãe, resolveu ir à esquadra mais próxima, apresentar queixa. Foi aconselhada “delicadamente”, a não o fazer. Teimou. Entretanto, a avó do menino, pregou um par de estalos no homem. (Abençoadas mãos). Aí, foi ele que, quis apresentar queixa. Aceitaram a queixa dele e, a da mãe. Tudo certo? Tudo errado. O julgamento da avó, já foi feito e, ela foi condenada a pagar 600 Euros. O julgamento do homem, ainda não se realizou. Racismo? Não. Apenas esquecimento.
Mas não nos iludamos. O racismo existe em todas as raças e, até entre pessoas da mesma raça. Aqui há anos, uma conhecida minha, filha de negro e de branca, estando na minha casa, teve a saída mais parva que, já ouvi. Eu tinha chegado à janela e, vi que chovia. Vinha uma mãe, com um bebé muito pequenino ao colo, ambos a apanhar chuva. Comentei: Coitadinho do bebé, vai à chuva. Ela, chegou-se à janela, olhou e, com o ar mais desprezível do mundo, respondeu-me: “Ora! É só um pretito, tem pele de sapo”. O respeito que eu devia à pessoa que, com ela estava, não me deixou dizer o que queria. Mas a partir desse dia, passei a olhá-la com o mesmo desprezo, com que ela olhara a criança.
Tenho vizinhos negros. Trato-os da mesma forma que os outros, como eles me tratam a mim.
Raças diferentes? Seria estupidez negar uma coisa evidente. Culturas diferentes? É claro. Mas não serão culturas diferentes as dos países da Europa?
Agora, o que eu não tenho dúvidas, é que tirando a cor da pele, o resto é igual. Órgãos, sangue, doenças, dores, sentimentos, até as lágrimas, como disse Gedeão.
Deixemo-nos de prégar contra o racismo, passemos às obras. Demos as mãos.
Que linda seria uma cadeia de mãos, de todas as cores, unidas no mesmo desejo de Paz.
Até um dia destes.

sábado, 15 de novembro de 2008

Papoilas


Um campo de papoilas sob o brilho,
Da luz dum sol de Primavera,
Lembrava colchas de retalhos muito antigas.
Cada folha cosida a outra folha,
Com ponto pequenino, feito à mão,
Parecia um pequeno coração
Ligado a outros, a muitos mais de mil.
Eram as colchas ricas de noivado,
Tecidas de ternura e ilusão,
Quase mantos de sedas e de brocados.
Agora, o tempo é escuro. Só lembram sangue,
O sangue, que cobre a terra de amargura
E deixa sobre ela, tanto corpo exangue.
Já ninguém faz as colchas de noivado.
Os corações, não batem já de amor.
As bombas caem, não há campo em flor,
Restam só corpos mortos, chacinados.
E é assim, que eu vou entristecendo,
Já não há alegria, nem beleza
Nos campos de papoilas sobre o mundo.
Já não consigo ver as colchas de noivado.
Só dor e um desespero, bem profundo.
Maria

Até um dia destes.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A ausência da dor


Depois de uma semana, cheia de dores, antiinflamatórios, antibióticos, analgésicos, visitas ao dentista, noites sem dormir, hoje por fim, vi-me livre do dente, das dores etc. Espero dormir.
Estes dias, deixaram-me mergulhada num estado de estupidez profunda. Só conseguia sentir dor, na minha cabeça só existia a palavra dor, da minha boca só saía a mesma palavra. Além disso, havia dentro da minha cabeça, um vazio total que, não me deixava pensar, devido às inúmeras drogas ingeridas.
Hoje, já consigo pensar, mal, mas consigo. Pelo menos, deu-me para pensar, como é delicioso não ter dores. É quase um prazer. Adormecer, acordar e, não ter dores. E a dor de dentes é a dor mais chata que há, juntamente com a de ouvidos.
Eu, que tive três filhos, que fui operada ao osso de um braço, apenas com anestesia local. Eu que já parti braços, pernas e cabeça e, me aguentei à bronca, não aguento dores de dentes. E tenho medo dos dentistas, dos aparelhos, das brocas, da cadeira. Esta Dentista era, uma doçura, mas mesmo assim, prefiro não a ver mais.
Estou farta de comer gelados. Acho que, vou comer uma sopinha e, depois vou dormir, para pôr o sono em dia.
Amanhã, talvez esteja mais inspirada.
Até um dia destes.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Os meus vizinhos



Quando mudámos para o então “Bairro Novo”, junto ao edifício do “Colégio Nun’Álvares”, já lá existiam várias moradias. Uma delas, pertencia ao Dr. Fernando (Nini) Ferreira e sua esposa, a Senhora Dona Irene.
A casa era grande, com um belo quintal, onde cheirava a relva, rosas e outras flores. Tinha um belo canil, onde morava a Diana e o seu companheiro, do qual não me lembro o nome. Eram ambos muito bonitos e bem tratados. Tinham água corrente, porque segundo o Dr. me explicou, os cães não devem beber águas paradas.
Às vezes, chamavam-nos lá para casa. A Senhora, era doce, como eram doces os seus bolos e compotas. Ele, mais sisudo, dava-nos pouca conversa. Mas, ao ver a minha adoração pelos cães, fez uma ligeira concessão e, por vezes, lá falava comigo. Um dia, andavam a fazer os açudes, portanto seria Maio, perguntei-lhe como eram feitos. Havia no quintal, um pequeno canal que, levava a água aos cães.
Ele, mandou-me apanhar tronquinhos, pequenos ramos, areia e, logo me construiu um mini açude, em diagonal, com vara real e o resto.
Mais tarde, descobri no seu livro “O Rio, os Açudes e as Rodas”, toda a história, que naquele dia, há tantos anos, ele me ensinara.
A Senhora D. Irene, chamou para lanchar. Pouco depois, ele voltou com um belo e enorme livro. Chegou ao pé de mim e, perguntou: sabes que, há uns animais que também fazem açudes? Não, eu não sabia. Então, cheio de paciência, explicou-me que, noutros países, havia um animal, chamado castor, que os fazia, usando praticamente a mesma técnica. Nunca mais me esqueci. Nem da lição, nem dele, nem da sua doce esposa.
Queria falar de Fernando Ferreira. Mal o conheci, por isso deixo a outros esse trabalho.
Eu falei dos meus vizinhos. Uns vizinhos especiais.
Perdoem-me os dois a ousadia. Foi mais uma recordação feliz, do tempo em que eu era uma menina feliz.
Até um dia destes.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Feira da Golegã


Vivendo perto, foi feira onde nunca fui. Não por falta de vontade, mas porque era sempre em dia de São Martinho dia 11, que meu Pai ia à Golegã. Não ia só, claro.
Ia ele e, todo o seu grupo, sem mulheres e sem criancinhas. Era um dia para homens. Saíam de Tomar, relativamente cedo, assistiam ao desfile dos cavalos, bebiam uns copitos, comiam e feiravam. O remorso, de terem deixado mulher e filhos, em casa, ia aumentando à medida que os copinhos iam desaparecendo.
Então, compravam pequenos presentes. Bolos e tecidos, para as senhoras, pequenos brinquedos, (sempre-em-pés, bonecos que se mexiam por meio de imanes, outros articulados com cordéis) e fiadas de pinhões, parecidas com colares. Meu Pai, chegava a casa tarde, alegre dos copinhos e do convívio dos amigos, feliz, por encontrar a família. A Mãe, não conseguia dormir sem o sentir chegar. Ele entrava, beijava-a e, de seguida ia aos nossos quartos, dar o beijinho da noite e, deixar as lembranças trazidas. Eu tive sempre o sono leve. Assim que ele entrava, sentava-me à espera do beijinho e, do resto. Um ano, ele chegou, fez os mesmos gestos do costume, mas... em cima da minha cama, havia uma manta.
Uma manta ribatejana, tecida à mão, quente, colorida. A minha Mãe, sempre justa, comentou: “E os outros dois?” Ele, explicou: “ As mantas são caras, só dá para uma por ano. Para o ano, será para um dos outros, para o outro ano, para o outro e, a última, será para nós”. A minha Mãe, não ficou satisfeita. “Mas porque é que a primeira foi para ela?” “Porque, ela é a única Ribatejana, a única tomarense”. Todos acataram a sua vontade. Nos anos seguintes, vieram as outras mantas. Mas a minha era, ou melhor, é, a mais bonita.
Quanto aos pinhões, acabavam sempre com mofo. Eu não era capaz de comer o meu belo colar.
Não quero deixar de falar do Santo do Dia. Verdade, lenda, as duas coisas?
Segundo sei, Martinho, teria sido um soldado romano. Um dia frio, deparou-se-lhe um pobre homem, quase nu e, cheio de frio. Martinho, não hesitou. Tirou a grossa capa que, o abrigava, cortou-a ao meio e deu metade ao pobre. Dentro em pouco, o sol descobriu e, aqueceu a terra e os homens, por uns dias. De aí virá, o famoso “Verão de São Martinho”.
Quanto à ligação do santinho, com vinho e bebedeiras, não sei a explicação.
Espero que, a “Feira da Golegã”, corra bem. Ainda não foi este ano que, fui ver os meus queridos cavalos.
Até um dia destes.

sábado, 8 de novembro de 2008

Um ramo de lírios brancos


Como há treze anos, um ramo de lírios brancos e, uma grande saudade.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Lobo Antunes, dor de dentes e eu


Há quem diga que não há coincidências. Não concordo.
Compro a revista “Visão” porque de 15 em 15 dias, publica uma crónica de Lobo Antunes. Nas outras semanas compro-a, porque o senhor do quiosque ma guarda amavelmente. Ontem, era dia de crónica. Ontem, acordei com uma dor de dentes enorme. Não vou descrevê-la pois calculo que, todos sabem como é.
A revista veio e, ao abri-la na página 16, a crónica de Lobo Antunes aparece, parecendo escrita para mim : “A cadeira do dentista”. Entre gemidos e sorrisos, li-a, com a avidez de sempre. Só ele me faria rir. E ainda por cima, o meu escritor, tem medo dos dentistas como eu. A crónica é uma delícia. Leiam que vale a pena. Lobo Antunes, vale sempre a pena. O dente dói um pouco menos. Já reli a crónica. Talvez vá ler, talvez vá dormir. Tomei um comprimido, a dor abrandou e, eu tenho medo da cadeira do dentista. Nisso, sou igual a Lobo Antunes, o que já é uma consolação, a bem dizer.
Até um dia destes.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Milu


Morreu ontem Milu. Talvez este nome diga pouco aos mais novos. Mas, como ela própria disse, no dia em que foi homenageada e condecorada com a “Ordem de Santiago da Espada”, foi alguém, na sua terra. Velhinha, cega, doente, mas ainda bonita, Milu, enfrentou um público, que já não via, com o mesmo à vontade com que entrava nos filmes e peças de teatro, que fez. Bonita ainda, com a perfeita noção de quem era.
Trabalhou desde os sete anos na Rádio. Pouco mais velha, entrou no filme “Aldeia da Roupa Branca”, de Chianca de Garcia, ao lado de Beatriz Costa. Depois, foi a bela e romântica Luisinha, de “O Costa do Castelo”, ao lado desse monstro sagrado, que foi António Silva e, de Curado Ribeiro, o mais belo galã, do nosso cinema. Depois de vários filmes em Portugal, rumou a Espanha, onde se manteve, alguns anos. Voltou. Se possível, mais bela ainda. Fez teatro de revista. No Teatro Monumental, fez “A Casa das cabras”, peça que, fez escândalo na época.
Continuava a cantar, ao seu jeito muito próprio. A última vez que fez cinema, foi no filme “Kilas, o mau da fita”, de Fonseca e Costa”, com Mário Viegas e Lia Gama, entre outros. Bela, ainda. Foi criticada por aparecer pouco vestida. A velha mania nacional, de ter de dizer mal de alguma coisa.
Nada disto afectava, pelo menos aparentemente, Milu. Era uma mulher corajosa, capaz de viver à frente do seu tempo.
Morreu ontem. Se é verdade, que nos últimos momentos, toda a nossa vida nos lembra, os olhos cegos de Milu, viram, as luzes da ribalta em que viveu, quase toda a sua vida. É costume, quando um actor morre, ser aplaudido antes de baixar à terra. Por isso, a minha despedida de Milu, actriz, cançonetista, mulher valente, é uma grande salva de palmas. Até um dia destes.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

“Aracnofobia”


Aracnofobia é a forma bonita e erudita de chamar ao: medo, pavor, pânico, repugnância, miaúfa, das aranhas. Ora, o protector de todos os animais, sofre disto. O mais pequenino aranhiço, provoca-lhe, autênticos ataques de nervos.
Cá em casa não há disso. Quando alguma se atreve a fazer a sua teia nalgum canto, logo é exterminada. Cabe dizer que, eu tenho pena. Acho as aranhas horrorosas mas, a sua teia é das coisas mais perfeitas que já vi.
Um dia, em Lagos, onde estávamos acampados, tratei do pequeno almoço, pus a mesa, sentámo-nos e... a minha filha, ainda pequenina, disse muito calma e doce: “Paizinho, tens uma aranha na cabeça”. Convém dizer que, ela adorava pregar partidas. O pai riu-se e, ela voltou: “Paizinho, é verdade, tens uma aranha na cabeça”. O pai, começou a desconfiar, levou a mão ao cabelo e, saltou uma enorme aranha, gorda e peluda. Saltou a aranha, saltou a mesa, tudo o que estava em cima voou e, aterrou no chão de terra. Ele foi a correr aos balneários, despiu-se, tomou diversos banhos, exigiu roupa, sem aranhas e, fez-me esvaziar a tenda, sacudir colchões e sacos cama, ver toda a roupa de vestir. Isto tudo era acompanhado das gargalhadas dos filhos, dos meus protestos e, do pavor genuíno, dele.
Depois, fomos tomar o pequeno almoço ao Bar do Parque.
Moral da história: Até os mais acérrimos defensores dos animais, têm medo de algum.
Agora, olhem para a teia de aranha da fotografia. Não é uma maravilha? Eu acho.
Até um dia destes.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Arquimedes, o Mocho sábio


Desde muito pequenino, o meu filho mais velho, adorava mochos. Deve ter herdado essa mania de meu Pai. Eu, também sempre os achei umas aves giras e, tenho uma razoável colecção de mochos de todas as qualidades e feitios. Desde peluches a outros, dos mais variados materiais e tamanhos. Meu Pai dizia que, eles eram o símbolo da sabedoria. O meu filho inventou uma brincadeira, ainda mal falava. Sentava-se ao meu colo, encostava a testa à minha e, dizia: “Mãe, fefa os oios”. Eu obedecia. A seguir, dizia: “Mãe, abe os oios”. Eu abria. Então, ele gritava: “Moço”. Aí, era suposto, eu mostrar medo e, tudo acabava com grandes gargalhadas. O meu filho cresceu (meu Deus, como os filhos crescem depressa!).
Um dia, chegou a casa com uma caixa esburacada, mandou-me sentar, fechar os olhos, abrir as mãos e disse: “Mãe, abre os olhos, quando eu disser”, enquanto me depositava nas mãos, uma coisa macia, palpitante de vida. Abri os olhos e, ele disse a palavra mágica: “Mocho”. Era o Arquimedes, um pequeno mocho galego ou, para os versados em ornitologia um “Athene Noctua”.
Tinha uns grandes olhos, penetrantes, inteligentes. Tínhamos que o alimentar com carne crua picada, dar-lhe água a conta-gotas. Quando cresceu, já comia outras coisas: fígado cru, peixe cru e, berbigão, o seu prato preferido. Viajou, acampou, fez parte da família. Andava solto pela casa, pousava-nos na cabeça, dava bicadinhas ternas, nas pálpebras do dono. Quando o aborreciam, vinha ter comigo, escondia-se no meu pescoço.
Uma vez, no Rio Fundeiro, perto do Castelo do Bode, lembrou-se de experimentar a liberdade. Esvoaçou uns metros e, foi pousar nuns ramos chamando aflito: “chuau, chuau”, até que o dono o agarrou. De seguida, foi para a gaiola, feliz, alegre, por ter voltado aos seus. Não gostara daquela liberdade. Uma vez, dava o meu marido cursos de Informática e estava a corrigir uns testes. Mestre Memé ( era o seu deminuitivo), passeava feliz pela casa. Curioso, aproximou-se, olhou os testes com atenção e, não gostou do que viu, num deles. Claro, que teve que dar a sua opinião. Como não sabia escrever, resolveu defecar (termo caro, digno de um Mocho Sábio), em cima do teste. Foi o cabo dos trabalhos para conseguirmos disfarçar a opinião do Mestre. Por fim, uns pingos de café e uma esfregadela, resolveram tudo. Só tenho pena, de não ter visto a cara do meu marido, quando explicou ao aluno que, tinha entornado café no teste. Diga-se de passagem, que o dito teste, merecia a classificação dada pelo Mocho.
Foram seis anos de vida em comum. Ele foi feliz, nós também. Um dia, de manhã, o meu marido foi dar com ele morto, ainda com os seus lindos olhos abertos. Eu, não quis vê-lo. Acho que todos chorámos. Uns mais às claras, os outros discretamente. Perdêramos um amigo. Mas ficaram as lembranças dele, as gargalhadas que nos fez dar, a alegria com que enchia a casa, as fotografias.
Até um dia destes.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

É para a Esposa?


Entrei numa florista para comprar umas flores, para por nas fotografias dos meus mortos. À minha frente, estava um senhor, de bom aspecto, que olhava para as flores, com um olhar, perfeitamente baralhado. A florista resolveu ajudar. “O Sr. Deseja?...” O homem, lá respondeu titubeante: “Queria 40 rosas, para amanhã”.
“Muito bem. São então 40 rosas. E a cor?” Mais atrapalhado ainda, ele disse: “pois isso é que não sei”. A florista paciente, tornou-lhe: “Se me disser a quem se destinam, talvez possa ajudá-lo. Algum parente, amigo?” O homem, muito vermelho respondeu: “São para a minha esposa, faz amanhã 40 anos.” A florista disse-lhe então ser a rosa vermelha, a mais própria. O cliente, hesitou e, por fim, perguntou: “E se misturasse algumas brancas?” A senhora concordou, fizeram as contas, acertaram a hora de entrega e, ele saiu. Eu comprei as flores, vim embora, perdida de riso, porque toda aquela cena, me lembrara outra, passada há muitos anos com meu Pai.
A seguir à guerra, era difícil arranjar as então chamadas, meias de vidro. A minha Mãe, adorava-as tanto, como detestava as de fio de Escócia que, se usavam na altura. Meu Pai veio a Lisboa e, quis fazer-lhe a surpresa de lhe levar 2 pares de meias de vidro. Dirigiu-se à “Loja das meias”, onde foi atendido por uma menina de bata de seda, salto alto, lábios pintados de vermelho. Delicadamente, pediu as ditas meias. A sofisticada empregada disparou-lhe: “São para a sua esposa ou, quer melhor?”
Ora, eu hoje, sabe-se lá porquê, quando vi o senhor atrapalhado na escolha das flores, lembrei-me desta história. Foi contada durante anos sempre no meio de gargalhadas. Um dia, ele contou a resposta dada à petulante empregada: “São para a minha esposa, sim. E das melhores, se faz favor.”Até um dia destes.

domingo, 2 de novembro de 2008

Elegia


Quando nasci, havia em cima da cómoda do quarto dos meus Pais, uma moldura oval, com pequeninas rosas ouro velho. Dentro, um rostinho de bebé, muito pequenino.
Assim que comecei a andar, a minha Mãe dizia: “Não mexe no retrato da menina”.
Eu não mexia, mas olhava. Olhava a menina, a jarra com uma flor branca, os olhos de minha Mãe, que se enchiam de lágrimas, quando o fitava. Ficava triste, mas nada perguntava. Quando íamos a Ovar, a Mãe comprava um pequenino ramo de rosas brancas e, dirigia-se a um sítio que, eu achava bonito. Tinha casinhas, canteiros com flores, velinhas. Então, ela abria uma das casinhas. Lá dentro, havia prateleiras com grandes caixas negras, cobertas de belas colchas de Damasco. Uma, porém, era diferente. Pequenina, coberta de seda e tule brancos. Em cima uma jarrinha. A Mãe, chorava, sacudia as colchas da caixinha, limpava-a com cuidado, arrumava tudo, punha água e as flores na jarra, sempre a chorar, fechava a porta e, íamos embora. Eu perguntava: “Mãe, o que é isto? Porque estás a chorar?”. E a resposta era sempre a mesma: “É a menina, filha, é a menina”.
Um dia, mais crescida, soube tudo. Entre o meu irmão e eu, houvera a “menina”.
A menina do retrato, a menina da caixa, a menina das flores brancas, a menina que fazia minha Mãe chorar, era a minha irmãzinha morta, quatro meses antes de eu nascer. Nascera em Tomar, na mesma casa, no mesmo quarto, na mesma cama que eu. Morrera em Ovar.
A partir daí, passou-se qualquer coisa na minha cabeça. Por um lado, a pena de não a ter conhecido. Por outro, um medo horrível, de a minha Mãe, gostar mais dela e, preferir que, fosse eu a morta. Chegava a sonhar com ela. Diziam que, nós éramos parecidas. Eu via-me no caixão. Durante anos sofri esta tortura. O amor dos meus Pais, mostrou-me que, uma coisa nada tinha a ver com outra. Mas, acho que só acreditei, quando tive os meus filhos e vi, que nenhum filho é mais amado do que outro. E, sobretudo, nenhum ocupa o lugar de outro.
Teve uma estreia triste, a minha casa nova. Hoje é “Dia de Fiéis Defuntos”. Já tenho muitos na minha alma, mas a primeira, foi aquela “menina”, que eu não sabia quem era, nem que estava morta.
Amanhã será um dia melhor.
Até um dia destes.