sábado, 15 de setembro de 2012

Era uma vez... em 1800


A história começa em 18... e vem até aos dias de hoje. Vou resumir por várias razões:
                              1ª Não sou o Camilo Castelo Branco.
                              2ª Era uma grande estopada.
                              3ª Ou eu ficava maluca ou alguém ficava, tal é o emaranhado da história toda.
Em 18... vieram de Colares dois irmãos em busca de uma melhor vida. Um emigrou para o Brasil à procura da árvore das patacas. O outro ficou em Lisboa e encontrou a dita árvore. Casou com uma menina filha de um agiota, herdou o negócio e fê-lo prosperar. Camilo fala dele num dos seus livros. Foi ele quem liquidou a herança do pai do escritor. Tiveram duas filhas, belas moças. Chamavam-se respectivamente: Bonifácia Dinis e Adelaide Olímpia. Só ponho os nomes para que a história fique clara.
Um belo dia chegou do Brasil o tio emigrado. Vinha rico e solteiro. Os dois irmãos logo resolveram juntar as duas fortunas. Foi dito à pobre da Bonifácia que iria ser esposa amantíssima do tio. Claro que a menina nem teve tempo para pensar, quanto mais para dar a sua opinião. Casou, teve três meninos e morreu. Entretanto o agiota tinha morrido e a Adelaide foi morar com a mana e o tio-cunhado-tutor. Ela criava e tomava conta dos sobrinhos, ele tomou conta dela. Tomou tão bem, que ao fim de uns meses nasceu uma menina. A pobre Adelaide viu-se com uma filha, bastante dinheiro e uma quinta no termo do Lumiar. Já doente, por lá foi ficando com a filha e duas velhas criadas. Os sobrinhos visitavam-na, ajudando-a a suportar a solidão, o abandono do tio-cunhado-tutor-amante, que entretanto já casara de novo e tinha outra filha. Ela morreu, a menina foi entregue à irmã mais velha. 
Pensam que acabou? Não. Agora é que vem o melhor.
Há tempos, o meu Filho comprou uma casa. Sabem aonde? Precisamente no sítio onde a minha bisavó escondeu a sua vergonha e mágoa de abandonada. Como sei? Possuo ainda a escritura dessa quinta em nome da minha avó. Mas é só a escritura, a quinta é hoje um aglomerado de casas. Quer dizer: o meu filho comprou uma ínfima parte, daquilo que um dia foi da minha família.
E diz a outra que não há coincidências!
Estão a ver que eu não sou o Camilo? Se fosse, esta história teria dois volumes, pelo menos.
Até um dia destes
Maria         




16 comentários:

Maria Rodrigues disse...

Minha amiga há muitas coincidências na vida sim e infelizmente também muitas Adelaides, mulheres sofridas, usadas e depois abandonadas à sua dor, solidão e tristeza.
Bom fim de semana
Beijinhos
Maria

Maria disse...

Querida amiga:
Tem toda a razão. Quando pensamos no número de mulheres maltratadas, usadas, abusadas, espancadas, mortas, descobrimos que afinal o mundo mudou pouco.
É triste, mas é assim.
Bom fim de semana e beijinhos
Maria

Um Jeito Manso disse...

Mary!

Que história fantástica! E escreveu tão bem... Deixe-se mas é de modéstias e de preguiças e comece a escrever essas história com todos os suculentos pormenores que deve ter. Dava para uma história daquelas como o Cem anos de solidão, com várias gerações, com lutas e disputas e amores e desamores.

Gostei de ler e acho que vou ficar à espera de mais...!

Bom fim de semana e torça para que as ruas estejam cheias, está bem?

Um beijinho, Mary!

José Rodrigues Dias disse...

Caríssima Maria:

As voltas que a roda dá, Maria!

Bom fim de semana, com a possível tranquilidade e a alegria como em olhar de uma criança numa praça florida!

J. Rodrigues Dias

Maria disse...

Amiga:
A história das mulheres da minha família,dava pano para mangas.
Amores eternos, alguns felizes, outros infelizes, casas e fortunas, construídas e desfeitas, tragédias, histórias cómicas.
Já tenho contado algumas coisas.
Obrigada pelo seu comentário.
As ruas estão cheias, sim. Estou a vê-las.
Beijinhos
Mary

Maria disse...

Meu Poeta:
A manifestação está a correr melhor do que esperei, o que me dá um pouco de Esperança no nosso país.
Obrigada meu amigo
Maria

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Você não é Camilo mas soube resumir, brilhantemente, um formidável "enredo" que daria um excelente filme, depois de escrito o livro...

Bom domingo, irmãzinha.
Beijos,
da Lúcia

Maria disse...

Querida irmã brasileira:
Esta história já tinha sido publicada na Travessa. Voltei a publicá-la porque a vida da mulher continua a ser muito triste, apesar de todas as "conquistas" e emancipações. A maioria das mulheres continua a ser infeliz.
Obrigada pelo seu comentário.
Beijo grande
Maria

Kim disse...

Olá minha querida Marie!
De facto, a vida tem destas coisas. E quantas mais haverão, que nunca chegaremos a conhecer porque se perderam no tempo?
Apesar de teres uma pedra no sapato, é sempre enriquecedor saber que um dia, andámos nos píncaros duma vida bem melhor.
Ainda não conhecia a "estória" e adorei.
Beijinhos petite Marie

Maria disse...

Sabes meu amigo Kim? Na minha família há muitas histórias de amor. Alguns felizes, outros nem por isso.
Acho que já contei, que a minha avó materna morreu menos de um ano depois do marido. Deixou-se morrer, sem sequer pensar nos 9 filhos que deixava.
A outra foi mais forte. Viveu, ou melhor, sobreviveu, depois de perder o marido e dois filhos, até aos 98.
Aqueles olhos verdes e brilhantes, por vezes tinham uma névoa de amargura, que impressionava.
Histórias bonitas e tristes do passado. Agora parece que quase todas acabam mal. Por sorte, acho que sou uma das ultimas a amar um só homem, na vida e na morte.
Beijinhos
Maria

MCP disse...

Bom dia Amiga Maria,

Li a sua história e achei engraçadissima a coincidência.

A vivência dos anos deixa-nos sempre episódios que nos marcam.

Os seus são sempre oportunos, dando-nos a sensação de os estarmos a viver na realidade.
Adorei.

Realmente, hoje, passados tantos anos de lutas, por isso acho que ainda mais grave, a mulher continua a ser maltratada e humilhada em muitas situações.

Ontem as ruas estiveram cheias...vamos ter esperança que consigamos ter um país mais digno e justo para os nossos filhos e netos.

Bom domingo Amiga

Beijinho

MCP




Maria disse...

MCP, minha amiga:
As ruas estiveram cheias e eu fiquei contente. Pelo menos tive a sensação que o povo português ainda está vivo e se defende. Não creio muito, que mude nada, mas água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. O coelhinho arrogante deve ter apanhado um abanão. Veremos.
Tenho um monte destas histórias, na memória. Já contei algumas e contarei mais.
Sempre histórias de mulheres. É a minha maneira de mostrar a revolta que sinto, pela maneira que algumas são tratadas ainda hoje.
Beijinhos
Maria

Olinda Melo disse...


Querida Maria

Uma história com várias outras dentro, verdadeiramente impressionante.

A vida dá tantas voltas que dá a ideia que estamos sempre a voltar ao ponto de partida. E então é quando vemos que afinal há coincidências e que muitas vezes passam por nós sem mesmo a vermos.
No seu caso o pormenor da escritura fez a diferença.

Quando comparamos casos destes com os que se passam presentemente reparamos realmente que as mulheres, muitas delas, continuam a ser o elo mais fraco neste encadeamento todo.

Minha amiga, um bom fim-de-semana.

Beijinhos

Olinda

Maria disse...

Querida Olinda:
É verdade que somos o elo mais fraco, e é pena. Se nós tivéssemos mais força, talvez o mundo fosse melhor.
As mulheres da minha família, geralmente inteligentes, são quase todas pouco afortunadas. Dramas e desgostos, infelicidades várias.
Gosto muito de si, doce Olinda.
Um abraço grande
Maria

Elvira Carvalho disse...

Quantas Adelaides existiram e existem ainda. Imigrar para o Brasil foi noutros tempos o sonho de independência financeira. Infelizmente parece que esse sonho volta a povoar a cabeça dos portugueses. Minha avó materna, nasceu em 1895. Era a mais velha de 6 irmãos. Em 1905, minha bisavó sua mãe faleceu. E meu bisavô partiu para o Brasil dizendo que ia fazer fortuna, e voltava para buscar os filhos.
Minha avó com 10 anos teve que cuidar e criar os irmãos, o mais novo ainda não tinha 1 ano. As pessoas da aldeia ajudavam como podiam, era tudo gente muito pobre, e meu bisavô, nunca mais deu notícias, nem mais apareceu. Naquele tempo não haviam Assistentes Sociais para tomarem conta das crianças e a minha avó e os irmãos sofreram não só a fome, como a falta de carinho e orientação paternas. Já minha avó era casada, quando um vizinho regressou do Brasil e contou que meu bisavô tinha casado lá no Brasil e tinha 3 filhos. Ou seja criou uma nova família esqueceu e abandonou os que cá tinha.
Um abraço e bom fim de semana

Maria disse...

Querida Elvira:
Esta história é verdadeira e muito antiga, mas a verdade é que infelizmente continua actual.
Encontramos a cada passo, Adelaides, que morrem de infelicidade. Histórias tristes.
Ela ainda tinha dinheiro, família.
Outras, ficaram abandonadas e sem nada.
Ser mulher sempre foi difícil e, apesar de algumas conquistas, continua a ser. Ontem, deu um programa na TV, a seguir ao telejornal, que mostrava a realidade actual. Mulheres sem emprego, sem dinheiro, sem pão para os filhos. Não consegui ver até ao fim.
Da maneira que tudo está, não sei como algumas ainda sobrevivem.
Mais uma vez lhe agradeço os seus comentários tão oportunos e simpáticos.
Beijinho grande.
Maria