segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Vindimas


Era por esta altura que as vindimas eram feitas na quinta.
Desde manhãzinha, homens, mulheres e crianças, munidos de cestos e tesouras, invadiam as vinhas. Iam-se cortando os cachos vermelhos ou dourados, depenicando um ou outro bago, enchendo os cabazes pequenos, vazando-os depois nos grandes cestos víndimos, que eram transportados às costas dos homens até à adega. Esta era grande com telhado de duas águas e uma porta. De um dos lados estavam os toneis, do outro grandes tabuleiros para a fruta, a batata e a cebola, ao fundo uma enorme dorna de pisar vinho, uma escada que dava para a plataforma onde estava a prensa de esmagar as uvas e a balança. Nessa parede havia uma porta que dava para a escada exterior por onde subiam os homens com os cestos. Lá no alto, o meu pai, calças de cotim, botas e boina basca, caderno na mão e lápis atrás da orelha, pesava, assentava o peso das uvas, dava de beber aos homens que vazavam os cestos na prensa. Tudo aquilo abanava com o motor. O sumo ia correndo. O dia ia correndo. Os cestos iam chegando cada vez mais lentos.
À noite, entre cantigas e brincadeiras, uma parte do mosto era pisada à moda antiga, na dorna velha. O cheiro embriagava um pouco as cabeças mais pequenas. No fim, a ceia. Broa de milho fresca, chouriço, toucinho.
No outro dia era o rabisco. Nós miúdos, íamos pela vinha fora, procurando um cacho esquecido, que nos deliciava.
Era assim há perto de 60 anos.
A foto junta, tem muitos mais. É do tempo dos meus avós. Nela estão minha mãe, a mais pequenina ao pé do cesto e as irmãs, vestidas de vindimadoras. Deve ter à volta de 100 anos.Até um dia destes e façam o favor de ser felizes.

21 comentários:

Anónimo disse...

Poizé, Mariamiguinha

Já te tinha dito que pisei uvas, era eu catraio. Agora, digo-te que também andei a vindimar. Com um farnel de morgadinho (como então me chamavam) bifinho com ovinho estralinho e batatinhas cozidinhas - que eu dava a uma das mulheres, a Rosário, que colhia as uvas.

Isto porque comia o rancho dela (que a Senhora Dona Etelvina não saiba, senão mata-me): meio pão casqueiro com uma sardinhita frita na véspera ou um naco de toucinho-toucinho, sem carne, só manta de gordura. Ou torresmos. Ou azeitonas retalhadas. Ou meio queijinho de cabra, bem sequinho de curado.

Para não falar dumas gotinhas de bagaço rijo que um «galego» trazia numa garrafa de pirolito. Com berlinde. Só para molhar a beiça, como ele dizia...

Hoje, continuo a gostar de todos esses condutos - e de pão. E de bagacinho. Mas, principalmente de torresmos. Bem fritos.

Abs pró Janita e qjs (secos e curados) para tu

Maria disse...

Poizé Henriquamigo:

Vai-se a ver e quase toda a malta do nosso tempo, aqueles que viveram sempre ou alguns períodos no campo, têm racordações semelhantes. Era outra vida mais pura, mais perto da Natureza, que nos dava conhecimentos que os nossos netos não possuem.
O nosso leite era de vaca, o deles é de pacote; os frangos que comiamos tinham penas e levavam meses a criar, não eram aquela coisa deslavada e desenxabida, que eles comem; viamos moer o grão com que era feito o delicioso pão que comiamos, viamos fazer vinho, comiamos fruta bicada dos pássaros porque era a melhor, etc, etc, etc.
Com menos higiene? talvez. Sem ASAE? concerteza. Que nos importava que um ovo, tivesse este ou aquele calibre? Ainda comeste ovos crus? Daqueles que se fazia um furinho de cada lado e depois se chupava? Que grande porcaria! Mas que delílicia!
Lá vem a saudade malvada apertar os corações.
E eu que detestava a frase dos mais velhos: "No meu tempo...", não a digo, mas penso-a tantas vezes!
Abraço do João, beijinho para a Raquel e queijinhos ( passados à inspeção da ASAE.

mariabesuga disse...

Mais logo eu venho cá para falar de vindimas e de como me lembro desses tempos.

Agora é só para deixar notificação de um selo/prémio que tenho para partilhar lá no meu blog e um calhou-te a ti porque o teu blog é viciante de facto. Eu acho.

http://mariabesuga-extras.blogspot.com/2009/09/selo-seu-blog-e-viciante.html

Criei aparte um espaço para estas coisas de selinhos prémios desafios e etc...as e tais. assim ficam aqui muito bem todos juntos e não interferem com a minha ordem das coisas lá no blogue principal.

Espero que aceites. Farás o que entenderes que muitas pessoas preferem não ligar mas está lá e é teu.

Beijinhos para ti Maria amiga e um abracinho de carinho

Je Vois La Vie en Vert disse...

Querida Maria,

Muito aprendo contigo visto não conhecer nada disso !

Gostava muito de passar por esta experiência de pisar as uvas !

Beijinhos

Verdinha

Maria disse...

Girassol amiga:

É claro que quero por o teu selo. Só não sei como. Explica-me, por favor.
Obrigada pelo selo e pela tua amizade.
Beijinhos de cá para aí.

Maria

Maria disse...

Verdinha querida:

Era uma cena engraçada de ver. Os homens, depois dos pés bem lavados, calças arregaçadas, entravam dentro da grande dorna, faziam roda de braços dados e cantando, marchavam dentro das uvas, que se iam desfazendo em vinho. Quando de lá saíam, vinham tontos e com as pernas vermelhas do mosto. Era um trabalho muito cansativo, mas muito bonito.
Se encontrar alguma foto, ainda te mando. Não já, que o tempo é pouco.
Logo que possa.
Beijinhos.

Zé do Cão disse...

Maria. Vindimas, vinho, tudo isso não tem segredos para o Zé.
Afinal, esqueceu-me do Rabisco. Era isso mesmo. o nome quem em baixo era igual.
Havia mesmo vindimeiras que propositadamente deixam uns cachitos mais pequenos a contar com a maltita.
E o cheiro que ficava no ar, ainda hoje quando vou a Palmela, faço os possíveis para beber um pouco daquele ar. É capaz de traar a gripe A.

Maria disse...

Zé amigo:
O meu pai falava de um médico, cuja receita para a gripe era: "Abafa-te, abifa-te e avinha-te". Se calhar resulta.
Nós e as nossas lembranças, Zé. Lembrar, não é bem viver, como dizem. Mas que sabe bem, sabe.
Beijinhos e uma esgalhinha de uva moscatel, que apanhei há 60 anos para ti.

Laura disse...

Quantas vezes não ajudei ans vindimas nos meus avós, e carreguei pequenitos cestos à cabeça,sem os deixar caír, mas, tanta vinha tinhamos, tanta, tanta...e agora dão uva spara o boneco, não há quem beba o vinho, quem faça a vindima, está por lá tudo ao acaso...tudo avaba querida Maria, tudo se transforma...que pena. Beijinhos da laura..

Maria disse...

Laurinha querida:
Tudo tem fim. O que faz pena, é ver as nossas vinhas e terras, secas, áridas e nós a comprarmos o que vem de fora.
Aí em cima, Douro e Minho, ainda se vê o verde. De Coimbra para baixo, só terra queimada. Tirando a zona de Palmela, que é zona de vinho, o resto é baldio.
Beijinhos

Kim disse...

Pois eu também sou daqueles que dizem, no meu tempo!
Apesar de o não fazer, ainda hoje tenho essa possibilidade se o quiser fazer. Vindimar, pisar a uva e ir ao rabisco. Mas já não faço nada disso.
Esqueci-me do tempo!
Beijinhos Petite Marie

Maria disse...

Kim:
O "nosso tempo" amigo. O tempo das vindimas, das colheitas, dos magustos, do pão por Deus...
O tempo de Brel, das aventuras pelo estrageiro, sonhadas no meu caso, reais no teu. O tempo dos sonhos de Liberdades várias. Foi um tempo tão belo, que não mais haverá outro.
Foi esse tempo que fez de nós aquilo que somos: Eternos sonhadores, eternos românticos, eternas crianças em corpos cansados.
Que nous rest'il de ce passé lointain? Recordações, memórias, rostos que perdemos pelo caminho.
Estou triste hoje amigo.
A doença do meu irmão que se prolonga, um velho amigo morto, mais uns problemas pelo meio e a Petite Marie hoje sente o peso dos anos e uma saudade enorme do passado.
Perdoa o desabafo. Calhou-te na rifa.
Beijinhos

Alva disse...

Pois é Maria...

Nós por cá, ainda temos algumas hortas, mas já vai ficando tudo abandonado... ninguém liga!
É sempre assim.

Beijinhos,
Estrela d'Alva

Maria disse...

Minha Estrelinha:

Tudo está diferente neste nosso mundo.
Felizmente ainda há meninas como tu, pequenina.
Continua a ser boa, terna e interessada pelos mais velhos. Eu tenho um filho assim. Com seres como vocês, talvez o mundo se torne melhor.
Obrigada pela tua doçura.
Milhões de beijinhos.

Zé do Cão disse...

Ás vezes apetece-nos desistir.
Já passei por fazes dessas...
Todavia tive até hoje sempre saúde de ferro e não sofro de nada a não ser de saudades e ver os amigos, os familiares abandonarem este vale.
Força, Maria

bj.

Laura disse...

Maria, quanto mais perto estamos do encontro, mais sinto saudade de ti, de não te poder abraçar, mas, tudo farei para que em breve, faça sol ou faça chuva, te possa ir dar um abraço..Ma petit marie...beijinhos da tua flor d elinho..laura

Maria disse...

Zé amigo:
Ontem foi um dos piores e melhores dias da minha vida.
Voltaram a operar o meu irmão. Foram 4 horas de medo, de desespero, que acabaram bem. Ainda não passou o mau tempo, há muito caminho a percorrer até ele voltar ao que era. Mas, o pior parece ter passado.
Não imaginas as histórias da nossa infância e adolescência que me passaram pela cabeça, enquanto esperava.
Vamos ver como tudo corre agora.
Beijinhos

Maria disse...

Laurinha querida:
Depois de um dia de angústia, que felizmente acabou bem, consegui dormir esta noite toda, quase sem acordar.
Também tenho pena de não ir. Como gostava de vos abraçar! Mas o meu irmão precisa de mim e eu não consigo afastar-me dele.
Ontem, antes da operação, fartámo-nos de lembrar de gente e factos antigos.
Vês, Laura? A Maria só tem uma maneira de amar: MUITO. Amo o marido, os filhos e netos, os irmãos, a família toda e os amigos. Gosto muito de vocês todos. Foram um amparo muito grande, todo este mês horrível.
Sem vocês darem por isso, a Maria vai estar lá, envolvendo-vos a todos num abraço imenso, rindo e brincando convosco. Pensem um pouquinho em mim, bebam um copo por mim e depois contem-me tudo.
Outra vez nos juntaremos.
Beijinhos Flor de linho

mariabesuga disse...

Só hoje é que venho falar das vindimas mas não poderia deixar de fazê-lo.

Era eu pequena, 10, 11 anitos, no final das férias grandes, o meu pai ia para a zona de pegôes com um rancho de pessoal para a vindima. E eu também nesse tempo fazia parte a té que começasse a escola e me viessem trazer à terra a casa da tia Gertrudes que tomava comta de nós mais pequenas esse tempinho. Os paia e as irmãs mais velhas ficavam até acabar a faina da apanha das uvas. Tanto campo tanto tanto!!!...

Eu mal podia com os cestos mas o pai carregava-mos. Eu era muito pequena mas gostava e aceitava este tipo de trabalho com a consciência de que faziam parte da nossa construção. Era assim e pronto.

Obrigada por me trazeres mais esta memória.

Beijinho para ti.
Aquele nosso abraço.

Maria disse...

Minha Girassol:
Que saudades das vindimas, das searas, das descamisadas, de todos os trabalhos do campo que eu via como distração e tu já como trabalho. Viveste e aprendeste mais que eu. Tu foste protagonista, eu espectadora. Grande mulher, amassada desde pequena no trabalho! Como te admiro, amiga.
Aquele abraço cada vez mais apertado e amigo.

David Caetano disse...

Simplesmente adoro esta foto! Para lá das recordações e dos afectos que isto lhe recorda minha querida Maria, é um verdadeiro apontamento de cultura e tradição. Magnífico!

Será que vamos ter direito a mais? (Pedido camuflado numa frase retórica)