quarta-feira, 26 de maio de 2010

Quarenta Anos


Há quarenta anos tinha 24 anos, um marido saído da tropa, dois filhos pequeninos e pouco dinheiro.
Meu marido arranjou emprego, fizemos as contas e arranjámos uma casa em Odivelas. Não era o local ideal, mas era mais barata, perto da RTP e era grande. Eu sempre gostei de casas grandes. Estava praticamente vazia de móveis, mas cheia de amor e de esperança.
Tinha mobília de quarto, dada pelos meus pais, as camas dos meus bebés, uma mesa e cadeiras emprestadas por meus sogros, um fogão, a pagar a prestações, uma panela de pressão, prenda de casamento do meu irmão, uma mão cheia de sonhos, outra de juventude.
A casa foi enchendo, eu fui muito feliz e tive alguns desgostos, o terceiro filho nasceu. A menina que eu era, hoje é idosa. A casa vazia, está cheia de coisas, os meus filhos partiram. Mas é aqui que estou bem. Estão aqui quarenta anos da minha vida. Recordações de tempos felizes e infelizes, imagens de pessoas que partiram para sempre. O canto onde minha mãe se sentava, a mobília de casa de jantar da minha sogra, os copos por onde meu pai e meu sogro beberam, as horas de amor que passámos, eu e o meu marido, as nossas discussões, a infância e adolescência dos meus filhos.
Tem quatro andares que já me custam a subir. Mas quando abro a porta, tem um cheiro que só eu conheço. Tem a ternura dos olhos do meu cão. Tem os meus livros. Tem a minha juventude e a minha decadência.
Se me arrancarem daqui, morro.
Estamos aqui os dois e o canito. As sombras começam a encher os cantos. E eu não quero chorar. O dia é feliz.
E afinal estamos os dois, amor. Tu dormes e eu olho para ti e vejo o rapazinho que há quarenta e três anos me deu volta ao juízo.
Até um dia destes.

28 comentários:

Kim disse...

Parabéns Maria!
Quarenta anos não é a mesma coisa que estar de quarentena. Conseguiste ultrapasar várias gerações de provocação, traição e desencanto. Só por isso já valeu a pena.
Penso que o João também terá uma palavra a dizer apesar de não ser muit falador.
A tua casa será sempe aquela onde te sentes bem, mesmo que nela já não haja a pressão das panelas.
Um beijinho À Petite Marie de vinte e quatro anos e dalguns mais

Maria disse...

Obrigada meu amigo.
É esta a minha casa, o meu canto, o meu refúgio. Tirando a casa onde nasci, que ainda hoje considero minha, só aqui me sinto em casa. Aqui criei os putos, chorei, ri, vivi horas de sonho e alguns momentos muito maus. Conheço-lhe os cantos de olhos fechados e é aqui que me sinto bem.
Ando em altura de limpesas. Cheia de trabalho e cansada, mas até gosto.
Beijinhos
Maria

Liliana Sampaio disse...

Maria, gostei deste post, não imagina quanto... Beijinhos

Maria disse...

Obrigada Liliana.
Esta é a história de quase todas as pessoas da minha idade. Uma casa, filhos e no fim, confunde-se tudo no mesmo amor.
Beijinhos
Maria

Alva disse...

Deixo apenas um beijinho meu...

Estrela d'Alva

Maria disse...

Pequenina
Beijinhos e um bom fim de semana.
Maria

Laura disse...

Que mimo de escrita, que ternura linda. Que belos e queridos jovens na flor da idade. O espirito continua indomável, e desteis lugar a dois serenos personagens da vida.
A vida é composta de horas felizes e menos felizes, importa que se ultrapasse tudo e a vida vai indo, vai indo e vai ensinando e deixando pedaços de riso e tristeza pelo caminho...

O nosso almoço foi uma ternura de amigos, até o Osvaldo estava lá, veio em trabalho e eu mal imaginava..já tinha dito ao Moa no chat que nem sabia dele, não escrevia nos blogues há semanas, e, ei-lo ali sentado de fato ele e Kim...tão lindos os dois... a Luisinha o zé do canito a Verdinha, Dadinha, a Ritinha só de passagem mas o tempo urgia..o Pais da Rosa, tereza a esposa e o filho a mãe dela, foi lindo lindo e ternurento. Que pena que não deu para irem.
Beijinho da flor de linho que se divertiu e nem se lembrou que a filha e o filho estavam os dois a voar nesse dia, ele para Itália e ela N. York...

Maria disse...

Também eu tive pena, mas o facto de ser dia de consultas. impediu-me.
Ainda bem que por um bocadinho, conseguiste esquecer a ausência dos ninos.
O que importa, é que estejam bem e felizes. Tens dois filhos fora de série, querida. É nisso que tens de pensar, quando a saudade apertar.
Coragem e beijinhos
Maria

Laura disse...

Maria, para te rires um cadito...
A nina mandou mail e disse que já tinha montado os moveis, cama, secretária, comprou muitas coisas, assim, quando montou a cama diz ela; pus o colchão em cima e...reparei que tombava para o chão!...grande coisa, esqueci que era preciso uma base para segurar o colchão!...vou dormir no colchão e segunda vou comprar a base ehhh o que ela se ria, e eu disse-lhe; sentiste a falta do papá para tratar dessas coisas que só ele é que as fazia era? e da mamã para fazer o almoçito enquanto tu te dedicavas a outras coisas..pois é, ainda bem que soubeste montar os móveis, é sinal que aprensdeste algo aqui em casa...
Beijinhos querida Maria, os meus ninos são sim umas almas boas..espero que o sejam sempre. Dorme bem..laura

Unknown disse...

Mariamiguinha

Lindo, lindo, lindo este teu textículo. Um verdadeiro doce: amor, 150 gr., paixão, 200 gr., saudade, q.b., convívio, 100 gr., desejo, 150 gr. uma pitada de tristeza, uma colher de sopa de alegria. Açúcar sem receio: que se lixe o castrol e essas coisas afins.

E, já agora, uma nota muito especial para o Artista: o cabelo ficava-lhe muito bem. Santo jovem: apanhado desprevenido, mas com bigode, e caiu que nem um patinho. Sortes...

Já pensaste em mandar instalar um alivador? Sempre são quatro andares. A mim não mapanhas tu, a panela ao lume e o arroz está cru.

Muitos parabéns pela casa e pelo homi. Para o qual vão os abs inteiramente justificados, que peço estendas aos outros dois. Para tu - qjs. Para o canito, meio osso, kestamos em krizía.

Unknown disse...

ADITAMENTO

No pudo venir más temprano ya que estuvimos, Raquel y yo en España, es decir Badajoz, por la Universidad estremeña y Zafra para comprarme unos pantalones en la tienda del señor Antonio Nuñez.

E não te esqueças: a minha caríssima dois terços completa S=E=T=E=N=T=AAAAAAAAAAAAAAA na terça, 8 de Junho. E eu só faço 69 - anos... Oké estranho.

Um destes dias explico-te a diferença entre um septuagenário e um sexagenário, tá? É bué da fixe.

+ qjs & abs

Vasco disse...

Feitas as contas, manténs-te tu, o teu marido, a casa, a panela de pressão e ainda alguns sonhos (e que assim seja por muitos anos).

O Bicho disse...

Muito bonita esta imagem - FELICIDADE, alegria, esperança, cumplicidade, SIMPLICIDADE.
Para mim tem também NOSTALGIA.
Esta era precisamente a imagem do amigo e colega, João que guardo na memória, daquele tempo (posso dizer, se não levam mal, saudosos tempos da outra senhora) em que ambos (lingrinhas) começámos a trabalhar na RTP, nos Estúdios do Lumiar.
Para o casalinho, um beijo e um abraço.

Je Vois La Vie en Vert disse...

Minha querida Maria,
Desculpa não ter estado cá para te desejar um feliz aniversário de casamento. Sente-se muito ternura e uma certa saudade nas tuas palavras.
Noto que os portugueses estão muito "agarrados" à casa. Eu não, gosto da minha, vivo nela há 20 anos mas se o meu marido me dissesse "vamos para outra casa", eu estaria encantada se não for para ir para uma casa pior ! Gosto muito de mudança.
Aliás, mandamos pintar a casa por dentro e ao arrumar, aproveitei para mudar umas coisas, os quadros estão em lugares diferentes bem como os bibelots...não mudei a disposição dos móveis porque o tinha feito há pouco tempo....
Beijocas atrasadas e parabéns para estes 40 anos de casamento. Também não estou longe disso, são 36.

Verdinha

Maria disse...

Henriquamigo
A receita está boa e nem precisa ir ao lume. Come-se fria e tudo.
Por estes dias tenho andado a limpar a bendita casa e está cheia de tralha: livros, discos de vinil e CD, filmes, móveis antigos e modernos. Olha que o alivador dava mesmo um jeitão. Pensar eu, que assubia as escadeas com um filho em cada braço e os sacos das compras, e agora sem contrapesos, chego cá cima com a língua de fora como o canito, que agradece imenso o osso!
Enfim! tens que me explicar essa diferença entre os sexagenários e os outros. Só me faltam 5 anos e ao artista 2! Convem saber.
Então compraste calças em Badajoz? Se calhar se as comprasses cá seriam espanholas ou chinesas.
Como está a Raquel?
Beijinhos e as melhoras dela. Abraços do trio macho. Queijinhos da
Maria

Maria disse...

Corvo
E às vezes os meus filhos. E sempre as lembranças deles e de outros que já cá não estão.
Beijo
Mãe

Maria disse...

Amigo Bicho
Bons tempos sim. Tinhamos a vida pela frente e sonhos. Ao ler-te, lembrei-me dos que ainda cá estão e de outros que já partiram. Sobretudo do querido Leopoldo, que era uma pessoa fora de série, com as suas maluquices e da Fernanda.
Lembras-te da Sardinhada em casa dela, quando o Leopoldo atirou o marido dela, que não sabia nadar, à piscina? E ele, Leopoldo, agarrado a um enorme tacho a servir de bóia? Ainda outro dia estive a ver fotos desse dia. Fez-me saudades. Éramos tão novos e tão bonitos!
Ó pra nós, agora! Velhos, avós e voltados para esse passado tão lonje!
O João manda-te um abraço grande e eu um beijo e saudades.
Maria

Maria disse...

Querida Laura
Estou feitinha num 8 por causa da casa.
Tenho andado a fazer limpezas à dita cuja. Tapetes, carpetes, cortinas, chão, vidros, livros e... tu deves saber. Nem tenho vindo ao computador. Quando paro, adormeço.
Ai quem me dera que o Amor fosse mesmo um Amor e uma cabana! Vamos juntando coisas e depois é esta tarefa estafante de manter a casa limpa e acolhedora.
Ri-me com a aventura da Neidoca.
Logo, se conseguir, volto.
Amanhã vou para Tomar, mas venho sábado.
Beijinhos
Maria

Maria disse...

Querida Verdinha
Só agora vi o teu comentário, porque ando com limpesas e não tenho tempo para nada. Esta casa que adoro, dá um trabalhão para manter limpa e arrumada, como disse à Laura. È um trabalho de todo o tamanho.
Amanhã vou a Tomar e só volto no sábado.
Depois conto.
Beijinhos
Maria

Laura disse...

Maria, já te imagino a sonhar com o passado no Castelo...é que os tempos de antes existiram e não só na nossa memória mas muitos de nós já os vivemos e nesse tempo, as raizes podem ser as mesmas...Tomar no antes das guerras e depois delas, enfim...
Diverte-te e sonha que sonhar é bom...beijinho da flor de linho.
Uma coisa..um dia podiamos ir todos os do GT até lá...que te parece? Osvaldoooooooooooooooooooooooo???

Maria disse...

Laurinha
Parece-me mais que bom. Mesmo que Tomar não seja a Tomar de antes, ainda é linda.
Vamos a isso?
Agora vou preparar as coisas. Já sei que esta noite não durmo, pensando na minha terra e nas recordações que guardo como um tesouro.
Beijinhos minha Flor de linho. Vou ver as papoilas da minha Tomar.
Beijinhos
Maria

Andre Moa disse...

Maria, quão semelhante vejo o teu viver ao meu, agora que o desvendaste e eu os cotejo. Quem casa quer casa, mas arranjá-la, por vezes é fogo, é brasa. Mas valeu a pena, pois que apesar da vida dura, vivestes quatro décadas em ternura.
Parabéns.
Abreijos
André Moa

Maria disse...

Querido André
Tudo valeu a pena. É preciso tirar da vida o que ela nos dá de bom, e aprender com os erros e desgostos.
É isso que faço.
Daqui a pouquinho vou até à Tomar da minha infância feliz com o João e o meu irmão e cunhada, companheiros inseparaveis de todas as andanças. Chegamos lá, e naquelas ruas estreitinhas está tudo o que tivemos de bom em miúdos. É isso que parecemos. Os companheiros, cheios de paciência, ouvem histórias, mil vezes contadas, assistem a encontros mais ou menos emotivos, e lá nos vão aturando cheios de boa vontade.
As nossas recordações são iguais, como iguais são feitios e sentimentos em muita coisa. Irmãos, André, é isso que eu e ele somos. Tão irmãos, que não sei o que seriamos um sem o outro.
Eu sei que tu entendes.
Beijos grandes e até sábado.
Maria

Paixão Lima disse...

Querida Maria,
Tenho de fazer-lhe justiça e render-lhe homenagem. A Maria tem um poder narrativo muito forte. Sabendo dizer com mestria, não se limita a dizer. Sente profundamente aquilo que diz. E não reprime os seus sentimentos com falsos pudores, como um dique que sustem a água. Pelo contrário, deixa a água correr livremente. Relembra o passado com nostalgia como um sonho encantado que já passou. Reconhece o grande amor vivido e os frutos desse amor. Mas o grande amor vivido, continua bem vivo em seu coração numa renovação constante que constitui um hino à vida. Não me surpreende porque conheço-a e admiro-a há muito tempo. Não é uma revelação mas uma esplêndida confirmação. Que continue a amar como sempre amou para dar sentido à vida.
Com admiração sempre crescente, beijo-a com ternura.

Unknown disse...

Mariazitamiga

Já que tanto insistes e a pedido de várias famílias, aqui vai.

Sabes qual é a diferença entre um sexagenário e um septuagenário? O sexagenário ainda se tenta; o septuagenáro só se senta...

Comprei calças e inté uns jines. Bendita Zafra e abençoado Nuñez.

A Raquel agradece e manda dizer que fica à espera de prenda que se veja. Aos homes, abs. Para tu, qjs

alfacinha disse...

Li e reli as suas palavras lindas são frases muitas reconfortantes

Laura disse...

A Moura de Tomar!...
A Moura que ficou presa nas ameias da saudade...
ou Tomar ficou contigo de novo? ah, andamos tão sem vontade de net ehhhh tão mais encolhidos..Beijinhos mil, laura

Anónimo disse...

Boa Tarde! O meu nome é Marta Tomé e sou jornalista do programa "As Tardes da Júlia", apresentado diariamente por Julia Pinheiro, na TVI. Estamos a preparar um programa, sobre: "histórias de amor que começaram na praia". Tive oportunidade de ver um post seu: "Aqui, conheci o meu marido. Tudo começou por um amor de praia e, ainda não acabou. Não lhes vou contar a história. Alguém, já a contou por mim.Quem? Jacques Brel.". Não sei se eventualmente estaria na disposição de partilhar a sua história de amor, que dura há mais de quarenta anos... Mas somos de opinião que os bons exemplos devem ser seguidos e as boas histórias partilhadas.

Desculpe a ousadia, mas gostaríamos de entrar em contacto consigo para lhe podermos explicar os pormenores do programa e quem sabe, convencê-la e ao seu marido a participarem no referido programa.
Deixo os meus contactos:214340419 / 910019509 ou para rtome@tardesdajulia.com

Com os melhores cumprimentos,

Marta Tomé