Há uns sete anos e tal, na última vez que fui a casa de meu pai, após a sua morte, foi-me entregue um saco cheio de tralha, para eu deitar no caixote do lixo. Não o fiz. Tralha ou não, eram coisas dele e, por isso mesmo sagradas para mim. Trouxe o saco para casa e guardei-o, sem coragem de ver o que continha. Tempos mais tarde, abri-o e, encontrei as mais variadas coisas. Desde uns velhos suspensórios a papéis, (alguns já aqui apareceram), havia tudo.
Entre essas coisas, estava esta cigarreira em pele, trazida de Espanha por um amigo. Arrumei-a numa gaveta sem a abrir.
No dia de Páscoa voltei a vê-la e lembrei-me, de que me daria jeito, para transportar os meus “Gauloises”, que dentro da barafunda que é a minha mala, geralmente ficam amarrotados, ou partidos.
O Vasco estava ao pé de mim, abriu a cigarreira e, disse-me: “Mãe, isto tem cigarros”. Peguei-lhe e um cheiro que eu conhecia muito bem, entrou-me pelas narinas e exclamei: “Mas isto são cigarros de mortalha!”. Eram. O meu pai, durante anos, fizera os seus cigarros, com mortalha e tabaco de onça. Lembrei-me do meu primeiro cigarro, igual àqueles. Eram cinco os cigarros. Tirei um e acendi-o, enquanto o Vasco me dizia: “Mãe! Isso deve estar estragado. O avô não fumava há muitos anos e, isso deve estar aí há que tempos:” O cigarro estava a saber-me deliciosamente bem. Ele, aspirando o fumo com ar guloso, olhava para mim. Por fim, tirei outro cigarro e dei-lho. O meu filho mais novo, que só gosta de cigarrilhas e, de vez em quando um “Gauloise” se eu lhe dou, fumou aquele velho “petillo”, deliciado. No fim dos cigarros fumados, havia uma gotinha de água, nos olhos dele e nos meus. Para mim, foi a lembrança do 1º cigarro dado pelo meu pai. Para ele, o 1º cigarro feito pelo avô, que é um dos seus ídolos. Quer acreditem ou não, o gosto era o mesmo, o cheiro também, só nos faltou a companhia dele. Por momentos, pareceu-me senti-lo.
E foi assim, que num domingo de Páscoa, eu fumei um cigarro, com perto da 40 anos, feito pelo meu pai.
Até um dia destes.
Entre essas coisas, estava esta cigarreira em pele, trazida de Espanha por um amigo. Arrumei-a numa gaveta sem a abrir.
No dia de Páscoa voltei a vê-la e lembrei-me, de que me daria jeito, para transportar os meus “Gauloises”, que dentro da barafunda que é a minha mala, geralmente ficam amarrotados, ou partidos.
O Vasco estava ao pé de mim, abriu a cigarreira e, disse-me: “Mãe, isto tem cigarros”. Peguei-lhe e um cheiro que eu conhecia muito bem, entrou-me pelas narinas e exclamei: “Mas isto são cigarros de mortalha!”. Eram. O meu pai, durante anos, fizera os seus cigarros, com mortalha e tabaco de onça. Lembrei-me do meu primeiro cigarro, igual àqueles. Eram cinco os cigarros. Tirei um e acendi-o, enquanto o Vasco me dizia: “Mãe! Isso deve estar estragado. O avô não fumava há muitos anos e, isso deve estar aí há que tempos:” O cigarro estava a saber-me deliciosamente bem. Ele, aspirando o fumo com ar guloso, olhava para mim. Por fim, tirei outro cigarro e dei-lho. O meu filho mais novo, que só gosta de cigarrilhas e, de vez em quando um “Gauloise” se eu lhe dou, fumou aquele velho “petillo”, deliciado. No fim dos cigarros fumados, havia uma gotinha de água, nos olhos dele e nos meus. Para mim, foi a lembrança do 1º cigarro dado pelo meu pai. Para ele, o 1º cigarro feito pelo avô, que é um dos seus ídolos. Quer acreditem ou não, o gosto era o mesmo, o cheiro também, só nos faltou a companhia dele. Por momentos, pareceu-me senti-lo.
E foi assim, que num domingo de Páscoa, eu fumei um cigarro, com perto da 40 anos, feito pelo meu pai.
Até um dia destes.
17 comentários:
Guardei religiosamente a beata dentro de um frasquinho.
Mas o cigarro era mesmo bom... engoli bem o fumo para que fique bem dentro dos pulmões para toda a vida! Doidices...
Beijos.
Vasco
Doidices? Talvez sim, ou talvez não. Guardar recordações é mania que herdaste dele e de mim.
Mas não precisas do fumo nos pulmões. Tens o sangue, as lembranças. Deita lá o fumo fora, que só te faz mal.
Era bom, o cigarrito, não era?
Soube-nos bem aos dois.
Beijos
Mãe
Olá Maria;
E até eu, que não sou fumador, fiquei com vontade de experimentar esses cigarros que são como o Vinho Fino, quanto mais velhos, melhores!...
São essas histórias (reais) que mais valor dão à palavra "saudade".
Bjs e cumprimentos parao Vasco.
Osvaldo
Olá Osvaldo:
Restam-me apenas 3 cigarros, a cigarreira e as saudades enormes de meu pai.
O meu 1º cigarro, como já disse, foi ele quem mo deu, tinha eu 15 anos. Achava graça, ver-me fumar. Nunca pensou, que eu iria ficar com o vício. Fumei várias marcas, até ao dia em que um amigo francês, me apresentou os "Gauloise" azuis escuros. Às vezes eram díficeis de arranjar. Nessas alturas comprava "Gitanes", ou uma marca portuguesa, que desapareceu há muito: "Negritas".
Mas nunca esqueci, aquele primeiro cigarro de mortalha e onça, que o meu pai me deu, um dia. Por isso, este Domingo de Páscoa, o momento mais feliz do dia, foi quando descobri e fumei aquele cigarro, que me trouxe de volta, um momento, um dos maiores amores da minha vida.
Beijinhos meus e cumprimentos do meu filho
(...)O meu Pai, sonhava rebuçados ao sábado de manhã, e contava histórias ao sábado ao serão, também nos outros dias, às vezes.
O meu Pai, assava batatas doces para nos dar de prenda na noite de natal, e, na festa anual lá na terra, comprava uma camioneta de brincar cheia de bonecas em fios de pendurar ao pescoço, a camioneta para o João, único rapaz, os fios, para nós, as raparigas.
o meu Pai, que sonhava rebuçados e contava histórias e assava batatas doces e comprava uma camioneta de brincar carregada de bonecas de enfeitar, agora, é a estrela mais brilhante que há no céu. É de lá que continua a ensinar-me a sonhar. (...)
O teu também não é Maria?...
Beijinho tão grande quanto a saudade que despertaste em mim nesta gotinha de água que também aconteceu aqui nos meus olhos.
Girassol:
O meu pai passou uma noite inteira, na véspera dos meus 4 anos, a fazer uma tábua de engomar pequenina, igual às grandes, para me dar, juntamente com um pequeno ferro a carvão, que ainda conservo.
Fez-me um banquinho, para eu poder ir à janela, um rolinho da massa, aproveitando um cabo de vassoura, um carro para as bonecas de madeira, forrado de restos de tecidos às flores. No dia 11 de Novembro, dia da feira da Golegã, vinha de lá, carregado com colares de pinhões, para os filhos. Cantava para eu dormir, fazia toda a espécie de habilidades para conseguir meter-me um niquinho de comida na boca. Contava-me a História de Portugal, como quem conta um conto de encantar.
Ai Girassol, minha querida, se eu te dissesse tudo o que ele fez pelos filhos, não saía daqui hoje.
Até o seu último beijo e o seu último olhar, foram meus.
Beijos
Ahhh, do mê paizinho na tive cigarrinho nã senhora, tive mas foi um ganda raspanete quando fui ver o Love Stori ao cinema em Luanda, e a meias com aminha amiga, a Landa, compramos um maço de AC, ehhh esperava que apagassem a sluzes e...pimba, que delicia, chegamos a casa pla meia noite e meia, a minha tia foi connosco. bah, os amigos do meu pai, delatores doc araças, contaram-lhe logo de manhãzinha e mal chegou a casa, ai que ralhete da mãe e ele a falar comigo de lado...perdi o gosto e não mais quis nada com cigarritos, mas experimentei, ó pois se experimentei...
Rica lembrança, os cigarros estavam ali para que tu a seu tempo os usasses, e desfrutasses do cheiro, da presença inesqueciveld e um ser que te amou e ama ainda... bela prosa e belos momentos para reter nas recordações de sempre.Beijinho meu. laura.
O meu pai ajudou-me a ser a pessoa que sou, apesar de te ruma profissão que nem era lá grande coisa, mas por dentro, era um ser como os demais, amoroso, bom, amigo dos filhos, da familia e amava a minha mãe, ó céus, se a amava, acredito que ainda a ama e espera que ela vá para se reunir a ele...acredito que sim, e que me visita muitas vezes.
Foi ele que me fez a minha primeira tabuada, à máquina, linda, a capa era d euma caixa de bom boms, linda, amorosa, mas que trabalho bem feito, gostei tanto que quando entrei para a escola aos 5 anos, já sabia tudo de cor...já soletrava imensas coisas, lia jornais a soletrar, o que apanhava, enfim...Vivam os nossos queridos pais e que o Senhor esteja com eles no Seu amor!...laura.
Vasco? doidices? espera até chegares lá e se a tua mãe deixar uns cigarritos e tu os guardares, dali a anos lembrarás que nem tudo são doidices...ora meu menino vasco, ehhhhhhh....Beijinho a ti da laura.
Laurinha:
O dinheiro do meu pai não era muito e nós éramos três.
Nunca nos faltou com nada, nem comida, nem conforto, nem amor. Era funcionário público, andou com a casa às costas, teve mais de um emprego. A minha mãe, em solteira, era uma menina com uma vida boa, que deixou, pelo enorme amor por ele. Habituou-se a uma vida diferente da que tinha, sem grandes mordomias, nem luxos. Aquelas mãos pequeninas, tão depressa afagavam os filhos, ou faziam rendas e bordados maravilhosos, como faziam almoços e jantares, faziam pão, varriam a casa. Ambos cultos, ela porque andou em escolas, ele, porque era um autodidata completo. Quase tudo o que aprendi, foi com eles. Amaram-se até à morte dela. Acho mesmo, que ele a amou até ao fim, mesmo tendo casado com outra.
Quanto ao Vasco, é um ser muito especial. Adorava o avô e, foi o seu grande amigo. Levava-o a passear, ao café, ouvia-lhe as histórias. No dia que ele morreu, ele que nunca chora, estava pálido, nervoso. Eu reparei e disse-lhe: Chora filho, ficas melhor. Ele agarru-se a mim e, entre soluços, disse-me. Oh mãe, eu sei que todos sofrem muito. Mas eu perdi o meu avô e o meu melhor amigo.
Fomos as duas últimas pessoas que meu pai viu e beijou. Penso, que era isso mesmo que queria.
Depois o Vasco responde-te.
Beijinhos, flor de linho. Obrigada por entenderes tão bem.
Laura,
Se soubesses as coisas que guardo...
Cartas de familiares e amigos, pequenos papéis que têm a sua história e trazem lembranças, objectos que já não servem para nada, mas, por que me foram dados por pessoa tal, me não consigo desfazer deles... até uma embalagem vazia de chocolate guardo, pois foi a última coisa que a minha Madrinha me deu!
Beijos.
Vasco.
Meu querido vasco, tão s eum dia cá vieres, mostro-te os meus cixotitos de plástico com cartões de parabéns dos meus 15 16 anos, daquele tempo..cartas do meu querido pai, Há uma a mais importante e bela de todas, mas, não aparece...postais convites do meu casamento, do batizado dos filhos, cartas de áfrica, cartas de asilo Politico, ah...algumas coisas também, o relógio do meu pai que ele deu ao nuno, coisas e loisas, mas que nos fazem bem á alma senti-las...Os meus filhos, viveram muito com o avô por perto, o pai abandonou-os com 8 e 3 anos, e o pai já naquela altura ero avô...e sempre foi um pai para eles até falecer há 17 anos.O Nuno mal fala no pai, está longe e nem quer saber deles, a neide idem, falam no avô,sempre, e choram por vezes...e pelo tio, o meu mano mais novo que amo tanto e já se foi...ficou o mais velho que é tão mauzinho e nem me consigo dar com ele, é demais...ainda bem que ele vive longeeeeeee na áfrica do sul...e só vem cá de anos a anos, xiça...
Bem, já parece um jornal...Beijinhos e adoro a tua mãe, pelo pouco que nos conhecemos, acho-a uma senhora com muita pinta!...e a ti, pelo que vou lendo e ela fala...laura.
Maria, maria, ai tanto em comum nós temos.O meu pai era funcionário Publico e andou com a casa ás costas, xiça, nós também, e fomos parar a África, bendita a hora em que fomos, aqui eram 4 anos aqui, 4 anos ali, 4 anos acolá e nunca nos fixamos em aldo nenhum...ele amava a mãe, a mãe era mázita e sempe a dar pra trás, mas ele tinha-lhe um amor...que só visto... quantas vezes não dou comigo a pensar, porque não tive na vida um amor como o do pai pela mãe...e para mim não poderia haver melhor pai. estiveram casados 40 anos.
Tadinha d atua ma~e se ele se foi com outra, mas esta vida temd e tudo, é doloroso, muito, muito e eu sei o que é isso...mas, a vida continua. Um abraço apertadinho da tua flor de linho que dia a dia se surpeende contigo...laura.
Laurinha:
O meu pai casou com a carcaça da 2ª mulher, depois da morte da minha mãe. Ele era ainda relativamente novo, arranjou aquela criatura, que consegue ser o único ser humano, que eu detesto. Só fez foi mal a ele e a todos nós. Mora perto de mim, mas depois da morte do meu pai, nunca mais a vi, nem de longe, graças a Deus.
Abotoou-se com tudo o que havia e, nós os três filhos, nem os livros, que ele já tinha destinado a nós, vimos. Tás a ver a bicha.
Não gosto de falar nela, porque eu gosto de amar e só ela conseguiu mostrar-me o que é o ódio.
Beijinhos, minha querida. Hoje é dia de limpezas, tenho pouco tempo livre.
Até logo
Querida Maria,
mas isso são cigarros ao estilo do vinho do Porto? Quanto mais velhos melhor?
Se fosse eu conserva-los-is e ficaria o cheiro sempre ali para recordar...não que se precise de algo ou algum objecto para tal...
Do meu pai ,tenho apenas os valores morais ,a educação, alguma da sabedoria e ser um coração cristal como ele sempre foi.
Nunca vi o meu pai recusar ajuda a quem quer que fosse e para que não se sentissem mal quando ele dava uma esmola ele tinha o cuidado de pedir um favor do tipo levas esta garrafa aquela vizinha ou esta carta ali ou além? Truques para a pessoa pensar que estava a fazer algo para compensar a ajuda que ele tinha dado favor contra
favor ...ele era assim para grande orgulho meu que nada nos deixou de herança material mas sim muitos valores e recordações do que é ser-se um grande Ser.
Quando se fala por cá no meu pai as pessoas mais antigas deixam assomar aos olhos algumas lágrimas de saudade do bem que ele lhes fez...uns contam outros guardam em si e só me dizem que Deus o guarde no céu em Paz.
Sei que ele etsraá muito triste pelo que vê cá na Terra e com o pai do meu filho que ignora o netinho dele, eu era a menina do Papá sim...ele depositava em mim uma fé que sinto não ter defraudado pelo que sou, quem sou cá dentro de mim...ele não gostava de pessoas materialistas apesar de advogado era um Ser muito honesto honrado em que a palavra dele valia como uma escritura dizia ele. Ajudou tantas pessoas que ao fim de uma causa não lhes cobrava nada e ainda punha do bolso dele para as despesas que tinha com papel selado registos etc...
Com ele eu podia proteger os passarinhos e os animais que eram torturados pelos rapazes e após lutas físicas em que me envolvia lá ia o meu pai defender as minhas causas que eram invariavelmente os animais os pedintes e os idosos ( que eram gozados pela canalhada)
Quando eu escrevia certos textos ele mandava para os jornais locais e regionais e publicavam...mandava também para o Sr Mário Soares de quem era amigo e apresentava-me aos seus amigos muito íntimos escritores que elogiavam a minha forma de pensar e agir dessa altura.
Bem querida Maria puseste-nos aqui a recordar tempos que não voltam mas que estão bem gravados no coração.
Lamento que os meus filhos não possam recordar estas coisas do pai mas terão muito a recordar um dia da mãe e do que eu lhes ensinei e acompanhei.
Beijinhos meus e um abraço ao Vasco que não deve reter o fumo a não ser apenas na sua recordação para os pulmões não sofrerem.
Lisa:
Os cigarros que restam, vão ficar na cigarreira, só olhados e cheirados por mim e pelo Vasco. Um dia serão dele. Pouco mais me resta (material) do meu pai. Quando ele morreu, deixou um papel, que eu e mais pessoas vimos, mostrado por ele, em que dizia o que era de cada um dos três filhos e seis netos. Felizmente, teve a percepção do que se passaria, porque dias antes de morrer, entregou ao meu filho mais velho, além de neto, afilhado, um relógio "Longines" de ouro, que já fora de meu avô. Entregou ao meu sobrinho, um outro relógio de prata, marca "Sergines", que tinha desde novo. Ainda me deu um livro sobre o Camilo, falou da grafonola e dos discos dela, que seriam do Vasco.
Resumindo: o papel desapareceu. Nós sabemos o que dizia, muita gente sabe o que dizia, mas nada podemos provar. A enorme Camiliana qu tinha, é minha e, não sei onde pára. O resto dos livros, meus e de meus irmãos, cadê eles? As nossas fotos de infância, na sua maioria, fotos da minha mãe, avós etc, ficaram nas mãos da mulher, com quem casou após a morte da minha mãe.
Nunca mais a vi, nunca mais lá fui.
Houve uma coisa que essa bruxa não nos tirou: as lembranças da nossa familia de 5, que tão felizes são.
Essas e o amor de nosso pai.
Que lhe façam bom proveito.
Desejo-lhe o mesmo que ela me desejar. Nem mais, nem menos.
Beijinhos para ti e meninos.
Bonita história.
Finalmente um bom motivo para se fumar.
Beijinhos,
João
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