domingo, 3 de abril de 2011

Era uma vez cinco irmãs...


Há um livro de Jorge Amaro que começa um capitulo assim: “Era uma vez três Irmãs”. É lindo, triste, romântico e acaba mal. Também um livro de Camilo tem o nome: “Três irmãs”. Também é lindo, triste e acaba mal. Vamos ver se as minhas cinco irmãs têm a mesma sorte. Quando meus avós maternos morreram quase simultaneamente, deixaram nove filhos. Quatro rapazes e cinco raparigas. O mais velho tinha vinte e um anos, a mais nova quatro. É delas que falo hoje. Todas Marias: Maria Águeda, Maria Eminío, Maria da Glória, Maria Adelaide, Maria Amélia. A mais velha, Maria Águeda tinha dezanove anos. Depois de um namoro frustrado com um primo, dedicou-se aos irmãos pequeninos. Era muito educada e com uma instrução bastante completa, feita por demoiselles, misses, frauleines e mestras de piano. Nunca levantava a voz, os gestos eram harmoniosos mas dominava tudo e todos. A segunda, Maria Eminío, pequenina, gordinha, com um feitio levado dos diabos, tocava piano e gostava de flores. Namorou um rapaz em Águeda mas quando ele a avisou que ia para África, desistiu. Maria da Glória era muito bonita, grande leitora de Camilo e outros, estava para casar com o irmão do ex-namorado da irmã, quando descobriu que ele tinha dois filhos de outra. Mandou-o casar com a outra e, nunca mais pensou em homens. Ouvia muito mal, isolava-se com os seus livros e crochets. Quando o antigo noivo morreu, chorou, adoeceu e fechou-se ainda mais. Maria Adelaide, a minha mãe, conheceu meu pai, apaixonaram-se, aguentou treze anos de espera, cinco dos quais de separação total, lutou contra os irmãos, sofreu, até conseguir casar com o homem que adorava e ter filhos. Nós, meus irmãos e eu. Conheceu três netos. Por fim, a doença levou-a. Foi a única feliz. Maria Amélia namorou um irmão de meu pai. Não teve a força da minha mãe. No dia do casamento, já vestida e calçada, desistiu. Ele ameaçou-a que dentro de um ano estaria casado. Cumpriu a palavra. Casou com alguém que nunca amou, teve uma filhinha que morreu, separou-se e pouco tempo depois morreu. Ela teve alguns namoricos mais mas, acabou solteira. Se não fosse a história feliz de meus pais, esta era mais uma história triste, com fim infeliz. Se não fosse a força daquele ser frágil, o amor profundo que tinha por meu pai, a paciência com que esperou, seria mais uma freira daquele convento. Para todas elas uma saudade grande. Para minha mãe a minha eterna admiração e gratidão. Valente mulher! Até um dia destes

25 comentários:

Je Vois La Vie en Vert disse...

Mas que histórias tristes tiveram estas mulheres da tua família ! Mas felizmente a tua mãe era paciente e soube esperar pelo amor da vida dela.
A minha avó materna teve 3 filhos e 5 filhas, ficou viúva ao 45 anos e os filhos mais velhos tiveram que trabalhar para ajudar a mãe, ainda por cima porque houve 2 guerras. Mas havia sempre alegria naquela família. O filho mais velho casou já bastante tarde. Não teve filhos. Faleceu com 95 anos. Uma das irmãs ficou a viver com a mãe e não casou. Foi a única a não casar porque todos casaram e foram felizes nos seus casamentos. A minha mãe era a penúltima, tinha 5 anos quando faleceu o pai. Quase todos faleceram depois dos 90 anos e ainda há 3 vivos : o meu tio que tem 89 anos, 2 duas tias com 94 e 96 anos. A minha avó teve 29 netos! Bisnetos ? já é calcular muito para quem não gosta de matemática... Há muito poucos divórcios ou separação na minha família.
Ainda bem que a tua mãe esperou, assim eu pude conhecer-te !
Beijinhos
Verdinha

Maria disse...

Querida Verdinha
As mulheres portuguesas eram, geralmente, infelizes. Era o tempo em que a mulher era cicadã de 2ª. Tudo lhes era proíbido, tudo parecia mal, tudo eram preconceitos. Grande parte dos casamentos eram combinados, sem que os noivos tivessem opinião.
Estas foram assim em foram estúpidamente infelizes. Minha mãe quiz e lutou por quem quiz. Enfrentou tudo numa atitude pouco normal naquele tempo. Deixou filhos, netos, lembranças em todos os que conheceu. Era uma Grande mulher, mesmo frágil e meiga de aspecto. Adoro-a por ter sido assim, por me ter dado o pai que tive e, os meus irmãos.
Beijinho querida.
Maria

Je Vois La Vie en Vert disse...

Pois é, querida Maria, é uma coisa que não me lembro porque não consigo conceber isto : a falta de liberdade de escolho de amor, de profissão, de sacerdócio porque sempre fui educada na liberdade sem nunca ter abusado dela !
E mesmo se deve ter custado muito para a minha mãe se separar da sua benjamim, nunca fez nada para me impedir de casar com o meu amor e não se pode dizer que os meus pais me queriam casar à força com medo que eu ficasse para tia porque era muito nova e sem grandes defeitos físicos...;) LOL
Grande mulher, a tua mãe !
beijinhos, de novo
Verdinha

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Maria, as mulheres brasileiras, de certa forma, "herdaram" destinos semelhantes. Em minha família, há casos semelhantes ao que você relata. Para você ter uma idéia, minha avó materna casou-se com um tio, irmão de seu pai. Minha avó paterna, também casou-se com um tio,irmão de sua mãe.
Tenho origens portuguesas, tanto na família materna quanto na paterna. Os costumes passaram a mudar,lentamente, só nas primeiras décadas do século XX.
Gosto de ler suas histórias...no meu blog, Da Cadeirinha de Arruar,escrevo sobre fatos e pessoas de minha família: paterna e materna.
Aguardo, sua visita.
Fraterno abraço!
Lúcia

Maria disse...

Querida Verdinha
Só a partir da década de sessenta, as mulheres começaram a ter alguma autonomia. Depois de casadas tinham que ter autorização para se empregar e, ir para fora do país.
Como vês, autênticas escravas de seus senhores.
E havia mais, muito mais.
Beijinhos
Maria

Maria disse...

Lúcia
A vossa vida também não era igual.
Conheço-a pelos livros de Jorge Amado, Erico Verissimo, Zélia Gattai, etc. Gosto muito de litratura e música brasileira.
Vou procurar a cadeirinha.
Beijinho
Maria

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Querida Maria,encontrá-la, já na manhã seguinte, é uma grande satisfação.Já havia deixado um comentário na sua postagem anterior. Insisti nesse e que bom que você veio ao meu encontro. Somos irmãs na pátria,nos gostos,no verbo e,até, no nome: Maria,sou Lúcia Maria.
Somos as Três Marias da Dona Maria José,minhamada mãe:Zélia Maria, Margarida Maria e Lúcia Maria.
Os autores que você citou são dos melhores dos nossos.
Na nossa casa sempre tivemos, e lemos,Camilo,Eça...e tantos mais..
Meu marido é português de Goa. Tenho cunhados e amigos em Lisboa.
Já estive nessa querida terra, algumas vezes.Quem sabe, qualquer dia nos veremos,realmente. Por enquanto,nos encontraremos por aqui.
Obrigada, pelo carinho.
Beijinhos,
Lúcia

Unknown disse...

Mariazitamiga

Mais uma estória carregada, mais um texto sofrido, mais recordações dolorosas. Tu não podes - nem deves - tocar sempre uma tal tecla.

Mas, ainda bem que contrapões a todas essas tristezas, a alegria e a felicidade que tens com o teu Santo Artista e com os teus. Isso sobreleva o resto; a vida é feita de momentos, uns bons, outros menos bons.

Quero-te mais boa, digo, melhor.

3abs e qjs para tu

A indiana-de-má-raça manda-te bjs

Laura disse...

Maria; as mulheres Portuguesas não eram geralmente infelizes (são quase todas, se virmos bem...poucas escapam) mas a tua mãe tinha o amor com ela, a certeza de que era amada...
os meus avós amaram-se muito, muito e eram tão amigos, nunca os vi zangados ou exaltados, a avó era uma moça linda, fininha, enfim..os meus pais eram felizes, muito, mesmo com o feitio da mãe... e as minhas tias nenhuma casou, eram cinco, namoraram mas tudo acabava...infelizes é o que eram...só a mãe foi feliz.
Tadinhas das tuas tias, tadinhas, mas, é a vida que cada um tem de ter.

Um abraço apertadinho da flor de linho

Maria disse...

Henriquamigo
As recordações são a minha grande riqueza. Vivo delas. Algumas tristes, outras alegres, preenchem-me a memória.
A minha vida actual é feita de altos e baixos, momentos de angústia, momentos felizes, momentos entre cá e lá. As doenças e os problemas, o estado comatoso do nosso país, fazem-me ficar com a cabeça à roda. Tenho medo do futuro. Não por mim, já passei a validade, mas dos meus filhos e netos.
Com tudo isto volto-me para trás,
para um mundo onde vivi e, que já não existe. Já não tenho esperança em nada, nem ninguém.
Abs dos homes, beijinho para a Raquel e queijinhos para ti.
Maria

Maria disse...

Laurinha querida
A felicidade também nós a fazemos.
às vezes bate-nos à porta e, nós não ouvimos. É preciso lutar por ela. As mulheres continuam a consideram-se inferiores e as coisas tornam-se dificeis. Mas já há mulheres mais lutadoras.
Beijinho
Maria

Kim disse...

Petite fille!
Tal como a Verdinha já aqui escreveu, se não fosse a valentia dessa mulher, não estaríamos hoje aqui a elogiar a tua mãe. A vida de cada um não está traçada desde o nascimento, pois somos nós que a definimos e ela escolheu o caminho que o coração lhe aconselhou.
Feliz dela, que escolheu ser feliz.
Beijinho

Maria disse...

Amigo Kim
A minha mãe adorava o meu pai, era constante nos afectos e, muito teimosa.
Foi sempre uma grande mulher, lutou com a doença enquanto pode e,a última pessoa que reconheceu, foi ele, o marido que adorava.
Já não via mas, sabia sempre quando ele entrava. Não merecia ter sofrido tanto. Mesmo assim foi feliz.
Beijinho
Maria

Je Vois La Vie en Vert disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá.

Apenas para deixar um beijo.

Je Vois La Vie en Vert disse...

Querida Maria,

Excepcionalmente, respondi ao teu comentário no meu blog. Se quiseres ver...

Beijinhos grandes
Verdinha

Vasco disse...

Das tias, lembro-me da tia Maria Amélia, salvo erro, e da tia Glória. Tenho dúvida se me lembro de mais uma, mas não sei se seria a tia Maria Emínio ou a tia Maria Águeda. Talvez esteja a fazer confusão. Mas a que me lembro melhor é a tia Glória, de a ver no Furadouro e depois aí em Odivelas.
Já da tia Maria Amélia, tenho uma lembrança mais apagada, mas lembro-me da tia na casa do Furadouro.
Desses dias que lá passámos, ainda me recordo de algumas coisas.
E uma coisa que me faz uma enorme confusão, é o facto de - apesar de bem miúdo que era - sentir ali um passado muito próximo, sentir que aquilo estava muito ligado à família imensa que tinha existido e que não conheci.

Beijinhos.

Maria disse...

Amigo Alfredo
Foi bom saber de ti.
Dá notícias, mesmo assim como hoje, apenas a dar um beijinho.
Sinto a tua falta.
Um beijinho grande
Maria

Maria disse...

Verdinha querida
Vou já ver. Obrigada e um grande abraço da
Maria

Maria disse...

Corvo fujão
As tias que conheceste na casa do Furadouro foram a Glória e a Maria Eminio. A Mª Amélia morreu eras tu bebé.
Ralhaste muito com a Mª Eminio porque ouviste dizer que ela tomava muitos remédios, mesmo os dos outros. Ficaste com muitas lembranças dessa estadia.
A casa já foi abaixo. Nada resta do Furadouro que eu conheci. É tudo uma lembrança de saudade.
Da outra casa e da quinta, só a ria continua parecida e linda mas, sem os velhos moliceiros a passar.
É natural que te sintas ligado aqueles lugares. Foi aí que começou o namoro dos teus avós e, eu passei parte de uma infância feliz e livre.
Beijinhos da
Mãe

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Olá, Maria, vim convidá-la a ir "sentar-se", por alguns minutos, na Cadeirina de Arruar...ontem,fiz uma singela homengem à minha inesquecível mãe.
Em breve, escreverei sobre cacimba,
que implica em alcatruz...
Olho sempre O Alcatruzes de Roda, esperando encontrar uma nova postgem...

Beijinhos,
Lúcia

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Eu, outra vez....serão tantas!
Acabei de postar a letra da primeira canção que Dona Mazé gostava de cantar, é A Casinha da Colina - é uma linda poesia...
Desconheço o autor.

Beijinhos, Maria
Lúcia

Maria disse...

Lucinha
Já vi e respondi.
Mais uma vez obrigada, amiga.
Beijo
Maria

Dad disse...

Linda história a da tua família, ainda que salpicada das tragédias da vida humana. Gostei de ler e fez-me lembrar, nalgumas coisas, a minha própria família.
É assim a vida e tudo o que começa acaba; portanto, tratemos de viver o mais felizes possível pois tudo isto é muito breve e não vale a pena levarmos a vida a lamentar-nos.
Beijinho,

Maria disse...

Dad, amiga
A história de todas as famílias é parecida. Dramas, comédias, tristezas e alegrias, grandes amores, alguns desamores. Nós é que achamos que são diferentes.
Há coisas que se repetem de geração para geração.
Cada vez as famílias são mais reduzidas, mais indiferentes.
É pena, por vezes, contarmos mais com os de fora do que com os familiares mais próximos.
Beijinhos minha querida e obrigada pelo comentário
Maria