domingo, 29 de maio de 2011

Elegia


Hoje dia 29, seria o teu dia de anos. Já te falei tanto, já te disse tanta coisa que, não sabia do que falar. Vi uma fotografia minhas de tranças e, lembrei-me das horas que passavas a fazê-las. Levantavamo-nos, as duas cedo. As tranças de noite soltavam-se, ficando uma massa de cabelo longo e embaraçado. Cheio de ninhos, dizias tu. Com a cabeça pousada nos teus joelhos, as tuas mãos brandas e macias tentavam desenlear, aquela meada embaraçada de cabelo longo, fino e basto. Quando acabava esta operação, pontuada aqui e ali, por um grito de dor e uma festa tua, era altura de dividir ao meio e, fazer as tranças. Um laçarote branco ou de cor, rematava-as. Era longo, doloroso, o trabalho. Mas quando me via ao espelho, gostava de ver o meu rosto emoldurado por elas. O pai só dava ordem para as cortar aos 15 anos.
Eram as minhas companheiras predilectas. Saltavam, voavam, batiam-me na cara, quando estava vento. Quando me lavavas o cabelo, com chá de camomila, para não escurecer, adorava dormir com aquele cheirinho na cabeça. Chamavam-me a “Trancinhas”.
Quando fomos para o Porto, as aulas eram mais cedo, o liceu mais longe. Tantas voltas deste ao pai que ele acabou por dar ordem para as cortar. Foi um dia triste, mãe. Quando aparaste as minhas tranças, já cortadas nas mãos, tinhas os olhos rasos de água. Eu chorava, olhando o rosto desconhecido, no espelho. Guardaste-as na mala e, voltámos a casa. Quando o pai chegou, deste-lhe as tranças que, ele guardou até ao dia em que as deu ao João. Olhou para mim triste. Para os três fora o início do meu crescimento. A trancinhas morrera. Nascera a adolescente, a pré-mulher. Acho que nesse dia, se convenceram que eu estava a crescer. Eu convenci-me. Foi um fim de infância triste. Faziam-me falta as tranças, as tuas mãos nos meus cabelos, os laçarotes que pareciam borboletas.
Hoje sinto mais ainda a tua falta. Dói cada vez mais a tua ausência.
Adeus mãe.
Beijos e saudades da tua trancinhas.
Nós amigos, até um dia destes.

24 comentários:

Osvaldo disse...

Maria;

Apesar da "ausência" nos blogs, sempre que posso passo por cá.
Hoje encontro esta bela e emotiva homenagem que prestas à tua mãe.
Como eu gostaria de assim poder e saber me exprimir para com ternas palavras homenagear a minha que tanto me falta!...
O que eu li aqui é tão belo e verdadeiro que a emoção de ler me deixou feliz pensando também na minha mãe.
Obrigado, Maria e abraços aos homens da casa.

da Anita e Osvaldo

Maria disse...

Osvaldo
É dia dos anos dela. Mesmo sentindo a falta, gosto de me sentir feliz, porque ela nasceu e foi minha mãe. Uma mãe sempre presente, mesmo depois de partir.
Gosto de olhar o espelho e ver reflectidos alguns traços dela.
São já 39 de ausência mas, neste dia, lembro-me das grandes festas que o meu pai queria fazer. Foram dias felizes. Gosto de os lembrar.
Abraços dos homens e beijinhos meus para a Anita e para ti.
Maria

jose garrido disse...

Maria, boa tarde. É costume dizer que os homens não choram. Mas eu como não me guio por esse tipo de boca a boca e que parece um estigma, quase me vieram ao olhos, pequenas lágrimas ao ler o seu texto.
Não que algum dia eu tenha usado tranças pois sou um rapaz, e neste caso nunca senti o carinho dos dedos da minha mãe, sobre a minha cabeça a fazer-me tranças.
Mas lembrei-me de ver a minha mãe as fazer à minha irmã.
Também tenho na memória o trabalho que dava e o quanto a minha irmã sofria todos os dias de manhã para ser penteada.
Maria, neste dia que eu sei que para si é muito triste, decerto a sua mãe ficou muito contente com o que escreveu sobre ela e como está neste momento a recorda-la.
Fale sozinha com ela e vai acabar por se aperceber que ela está sempre ao pé de si.
Tente não ficar triste, pois que nenhuma mãe gosta de ver os seus filhos tristes.
Dê-lhe sorrisos e vai ver que ela fica contente e feliz.
Decerto ela também tem muitas saudades suas e apesar da ausência, a sua mãe estará contente por ter a filha que tem. Com certeza está feliz por tão lindas palavras que lhe escreveu.
José Araújo

Maria disse...

Olá Zé
Gosto de falar com os meus mortos.
Hoje era dia do seu aniversário e, o Vasco quis ir dar uma voltinha e almoçar. Chegamos há pouco.
Não me sinto triste. Tenho é muitas saudades dela e de todos os que amei e perdi. A vida é assim e, temos que aprender a aceitá-la.
Beijo amigo
Maria

jose garrido disse...

O Vasco falou comigo a dizer-me que esperava que o dia estivesse bom, para irem dar uma volta.
E fazer deste dia um dia diferente, não um dia triste. Pelos vistos foi ouvido!
Obrigado por ter respondido e o desejo de muita felicidade para si e toda a familia.
José Araújo

Unknown disse...

Mariamiga

Lindo texto, como sempre são lindos os que usas para desfiar recordações. Gostas, realmente, de falar com os teus mortos... E que bem que o fazes. Obrigado pelo que mais uma vez me dás.

Porém, e face à minha veia afadistada, as tuas tranças pretas lembraram-de imediato as que o Vicente (que usa Dom...) cantava.

Como era linda com o seu ar namoradeiro

Até lhe chamavam menina das tranças pretas

Pelo chiado, caminhava o dia inteiro

Apregoando raminhos de violetas (...)

(...) mas, tranças pretas ninguém tem como ela as tinha


Pela foto, as tuas eram iguaizinhas...

3abs & qjs para tu

PS (...) - E vê se retomas «isto» com regularidade, porra!

Maria disse...

Henriquamigo
Não eram pretas, eram castanhas claras e, em vez de violetas tinham dois laços.
Lá namoradeira, uns tempos mais tarde, era muito, com grandes ataques de fúria do meu pai, ciumento como o mouro de Veneza. Gostava de rir e brincar, sem prisões.
Quanto ao fado, este é um de que muito gosto.
Abraços dos homens, beijinho para a Raquel e queijinho para tu.
Maria
PS Lá terá que ser.

Vasco disse...

Em ocasiões que fui a Tomar ou que falei com pessoas de lá, falei das tuas trancinhas, como forma de te descrever. E algumas vezes resultou.

Como tenho pena de não ter conhecido a Avó Milaide!


Beijinhos

Je Vois La Vie en Vert disse...

Querida Maria,

Toda a ternura que sentes para a tua mãe está impregnada no teu texto.
Senti hoje toda a tua saudade porque será a minha vez amanhã, dia em que a minha mãe iria festejar 91 anos.
Faz pouco de 2 mês e meio que ela partiu e estou triste demais para lhe dedicar um post, seria como vasculhar numa ferida que, por tão estranho que me parece, está a se tornar cada dia mais dolorosa.

Um beijinho para ti e para a tua mãe, amiga Maria

Verdinha

Maria disse...

Filho
Nem imaginas a pena que tenho, que não a conhecesses e, ela a ti.
Conhece-la bem de tanto falar dela.
Ela iria ter por ti, a mesma paixão, que teve pelo teu primo e pelos teus irmãos.
Beijinhos
Mãe

Maria disse...

Querida Verdinha
Vai ser difícil habituares-te a estes dias. Ao prícipio é quase impossível aguentar a dor.
Depois pouco a pouco, embora a ferida cá esteja, habituamo-nos a viver com ela.
Beijinho por hoje para ti e para tua mãe. Tenta não ficares muito triste. Canta uma ária linda, para ela.
Abraço grande
Maria

Je Vois La Vie en Vert disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Je Vois La Vie en Vert disse...

Obrigada, querida Maria, vou lhe cantar uma música italiana linda que canto sempre nos concertos em homenagem a ela : Signore Delle Cime. Está no Facebook do VOX MARIS - podes clicar aqui e ver o video de Rosário Feijoo.

Cantar mais ? ainda vou aos ensaios hoje à tardinha...O Vasco e o João não cantam bem ? Precisamos de vozes masculinas...

Beijinhos

Kim disse...

Esta é a verdadeira Petite Marie.
Não penses nos momentos tristes Marie. Lembra antes a felicidade dos dias azuis e sentirás o calor dos que amaste a afagaram-te o rosto e a entrelaçar-te no feitiço da saudade.
É muito bom recordar, mas melhor ainda é usufruir do que as recordações nos fazem vibrar.
Resta-te a certeza de que um dia chegarás a ela.
Beijinho minha menina!

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Olá, Maria
Lembro assim mesmo, da minha maezinha, que partiu há 30 anos.Aqui, em Fortaleza,tem chovido, é quando a lembrança vem mais tristonha...morávamos em casa coberta de telhas, e quando a chuva batia forte respingava, nas noites, ela levantava-se, para ver se todos os filhos estamvam bem cobertos. Esta lembrança, sempre persiste, nas noites de chuva.

Fico emocionada,com tanta ternura nas suas lembranças saudosas.São lembranças queridas, que sempre estarão presentes.
Um abraço, bem carinhoso...
Lúcia

Maria disse...

Kim
Continuo a ver o aniversário da minha mãe, como um dia de festa. Lembro-me das coisas boas que se passaram nesse dia que, o meu pai queria festejado como nenhum, das visitas de familiares e amigos, das prendinhas que ela abria, com gestos de menina.
É isso que guardarei sempre.
Obrigada pelas tuas palavras amigas.
Beijo
Petite Marie

Maria disse...

Lucinha amiga,
É assim que gosto de lembrar as pessoas. Com saudade, mas uma saudade boa, que me traz à memória o tempo feliz em que tinha a minha mãe.
Aqui o tempo também tem estado meio doido. Chove, troveja, faz sol e calor num dia, está vento e frio no outro.
Até o tempo está baralhado neste país de sol.
Abraço amigo
Maria

Laura disse...

Menina de cabelos entrançados
de laçarote a enfeitar
onde estás tu menina
que a vida tantas voltas te veio dar!

Menina das tranças longas
da saudade entrelaçada
em fios de cabelo
que a tua mãe atava.

A saudade que ficou
e a ternura guardada
com que a mãe te penteava
dos momentos partilhados
e para sempre guardados...

Minha querida Maria, também fui menina de tranças, de laçinhos coloridos e fitinhas de cetim, como soube bem lembrar a mãos que nos pentearam os cabelos e de paciência os entrançaram.

Beijinhos para ti e para ela que esteja onde estiver, presente sempre está.

Um abraço apertadinho da flor de linho.

Maria disse...

Que saudades das minhas tranças, da minha mãe, da infância.
Obrigada pelas tuas palavras.
Beijinho minha flor de linho.
Beijinhos
Maria

Pascoalita disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pascoalita disse...

Bonita homenagem, emocionantes palavras que me transportaram também para uma infância longínqua.

Beleza, inteligência e inocência revelam esse belo rosto de menina feliz. Gostei muito de ler!

Tudo de bom, sempre

jinhos

Laura disse...

Um beijinho bem repenicado
nessa menina de cabelo entrançado
um sorriso feliz lhe desejo
e que a vida seja sempre um belo fado.

beijinhos querida Maria.

laura

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Olá, querida Maria.Vim lhe trazer um abraço e chamá-la para ir ver mais um pedacinho da "saga" da familia, lá na Cadeirinha.
Lí na travessa, hoje, que você está(ou esteve) com problemas estomacais. Gostaria de saber como se sente, se teve melhoras.
Estou com saudades de você, acredite...
Beijinhos

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Passei para tazer-lhe um abraço
e o desejo de um bom domingo.
Que a saúde, também, esteja a "reinar", por esses Alcatruzes...
Beijinhos,
Lúcia