domingo, 11 de janeiro de 2009

Um mal necessário

Os lares de terceira idade são um mal necessário. A verdade é que já não há tempo, casas grandes onde antigamente se juntavam facilmente três ou quatro gerações de uma família. A vida tal como é hoje, não permite isso. Daí, quando um idoso não consegue bastar-se a si mesmo, a solução lógica é interná-lo num Lar mais ou menos caro, mais ou menos acolhedor, mais ou menos tudo.
Não estou aqui a julgar ninguém, É a vida que a isso obriga. Há os empregos, quase sempre longe de casa, há a família que se formou, há o cansaço do dia a dia que não poupa ninguém. Falta de amor? Não. Deve ser difícil deixar entregue a estranhos a mulher que nos deu a vida, o homem que nos deu educação, comida e casa, até ao momento de termos a nossa. Fica assim claro que não estou a criticar ninguém. Pelo contrário, lamento-os. Mas vão-me perdoar se por outro lado, eu lamentar ainda mais os outros, os que lá ficam.
Pode ser o mais confortável, ter os melhores cuidados médicos e de enfermagem, pode ter senhoras extremamente simpáticas e cuidadosas, que tudo fazem para que os utentes se sintam bem. Pode ser tudo isto, mas é um lugar estranho, são pessoas estranhas, as que os cuidam. As visitas dos familiares são o bálsamo para aquela solidão acompanhada, para aquelas pobres plantas arrancadas do seu solo de tantos anos. Além disso, as visitas são poucas e breves. A vida continua cá fora à espera. E eles ficam sós no meio dos outros solitários como eles.
Ultimamente tenho ido com alguma frequência a um desses Lares. É, como se diz agora, “Um local simpático” e tem pessoal impecável. Venho sempre triste quando lá vou. Porquê? Primeiro porque lá deixo uma tia de quem gosto e vejo o véu de tristeza que lhe cobre os olhos. Segundo porque um dia irá chegar a minha vez. Lamento? Não. É isso que eu quero e será por minha vontade que para lá irei. Mas que é triste é.
Até um dia destes.

11 comentários:

Anónimo disse...

Querida Maria,
Nunca percebi porque é que ainda ninguém pensou em criar Lares de Terceira Idade e Infantários e/ou ATL's num mesmo espaço físico.
Os idosos têm tanto a transmitir aos mais jovens; e estes têm tanta energia, alegria e vontade de viver que muitas vezes os mais velhos vão perdendo.
Sempre achei que esta seria uma maneira mais justa de ajudar uns e outros, e sobretudo fazer com que os menos jovens continuem a sentir-se úteis.
Sou incorrigivel! Eu sei...
Beijinho amigo
Nemy

Anónimo disse...

Querida Nemy:
A minha neta esteve dois anos num infantário em Castelo Branco ao lado de um lar de idosos. Havia uma intimidade grande entre eles. Os velhos eram menos tristes, as crianças mais acarinhadas. Parece que em alguns casos resulta bem.
Mas estes lares pagos a peso de ouro, não são assim.
Tudo são cuidados, boas instalações, mas a solidão é grande. A pior das solidões: a solidão acompanhada. Mas a vida é mesmo assim. O remédio é aceitá-la mais ou menos bem.
Já estás melhor? Espero que sim.
Beijinhos
Maria

Carla D'elvas disse...

Querida Maria...


Fico triste. Muito triste. Quando vejo os homens e as mulheres, correrem para os lares de idosos para resgatarem os pais e os avós, não porque os queiram com eles em casa ou porque de repente criaram condições para voltar a recebê-los, mas porque a magra pensão que recebem os ajudarão a pagar as contas... quando isto acontece é terrivel.

A isto... chamo miséria, não só financeira, mas também, moral.

Beijinhos

Anónimo disse...

Carla:
Esta tia está num sítio impecável, com pessoal especializado, simpático.
Mas eu que vi a minha avó e a avó do meu marido, morrerem velhinhas nas suas casas, rodeadas de amor e cuidados das filhas, sinto-me chocada com esta nova forma de morrer.
Ninguém tem culpa. As casas são pequenas, as mulheres têm empregos, têm filhos ( no caso desta, a filha tem 3, um dos quais com parelisia cerebral), e não creio que não sofra por ver a mãe ali. Escolheu o melhor que encontrou, vai vê-la sempre que pode. Mas mesmo assim é triste ver alguém que sempre teve a sua casa, metida no meio de pessoas que não conhece.
As avós morreram no seu chão, rodeadas de amor, das suas coisas, das suas lembranças. Agora morrem um lugar estranho, no meio de estranhos, lembrando, sabe Deus com que amargura, a vida que deram aos outros.
Mas infelizmente a vida está assim. Temos que o aceitar e pensar que apesar de tudo, esta ainda pode estar num bom Lar, bem acompanhada e assistida.
Só que eu conheci-a ainda nova, alegre, bonita e gora vejo uns olhos tristes, magoados, que parecem pedir que o fim venha depressa.
Beijo triste
Maria

Vasco disse...

Criou-se, recentemente, uma modalidade: as residências assistidas. São casas normais onde os idosos habitam, só que com pessoal para os auxiliar naquilo que lhes é mais difícil, ou que já não podem fazer. Nessas residências é também costume haver ajudas técnicas, como por exemplo, barras laterais nas instalações sanitárias, cadeiras para subir escadas, etc.. Uma casa normal, pode ser transformada numa residência assistida, só que, por agora, ainda não são todas as pessoas que têm acesso a tal.

Kim disse...

Quem vive na cidade já carimbou meio passaporte para atravessar essa fronteira.
Já entrei na fase que sinto isso aqui tão perto e estou a fazer algum esforço para assim não pensar.
Beijinho Petite Marie

Anónimo disse...

Corvo:
Espero quando chegar a minha vez poder ter essas regalias. Sempre será menos doloroso.
Não sei quanto tempo resistiafora do meu buraco.
Até lá, aqui estarei mais os meus dois companheiros, o teu pai e o Nabão. Esperando sempre uma palavrinha dos meus filhos, que tarda a chegar (não é contigo). Lamúrias de velha.
Beijo
Mãe

Anónimo disse...

Kim:
Eu também não quero pensar muito nisso. Só que as idas frequentes a um desses Lares ver a tia do meu marido, têm mexido comigo. ´
Como eu já disse, é um bom local, as pessoas são meigas e cuidadosas, mas os olhos daqueles que lá estão são tristes, parecem apenas desejar que a morte os liberte.
Quando somos novos tudo é tão fácil! Depois vem o medo horrivel do amanhã, que nem sequer sabemos se teremos.
É a vida, a vida tão diferentete do que era outrora. Há que aceitá-la e tentar aproveitar os últimos raios de sol que nos restam, com a resignação de que formos capazes.
Beijo
Maria

Carla D'elvas disse...

Uma história. Uma beijoka. e um sorriso, para ti amiga :)


Caramba
de Marie-Louise Gay

Com o seu pêlo macio e a sua longa cauda às riscas,
Caramba parecia um gato igual aos outros.
Comia peixe, ronronava, dava grandes caminhadas.

Mas Caramba era diferente dos outros gatos. Ele não sabia voar.
Isto deixava-o muito preocupado.

- Todos os gatos do mundo sabem voar - disse ele a Portia,
a sua melhor amiga. – Menos eu.
- Eu também sou diferente. – disse Portia. -Sou cor-de-rosa e gordinha.
O meu rabo é encaracolado...
- Tu és uma porca – gritou Caramba. – Todos os porcos são cor-de-rosa e gordos.
- ... e também não sei voar – concluiu Portia.
- Porcos não voam. Gatos voam – suspirou Caramba. – Toda a gente o sabe.

E assim era.
Todos os gatinhos aprendiam a voar depois de aprenderem a andar.
Saltavam do cimo dos penhascos e pairavam sobre o oceano.
Caramba observava-os nos seus voos picados, planados, rasantes sobre as ondas.
- Parece divertido – disse Portia, - porque é que não tentas?
- Porque não – respondeu Caramba.

A verdade é que Caramba tentava, mas em segredo.
Saltou do cimo de uma rocha...
E aterrou de nariz.
- O que estás a fazer, Caramba? – perguntou Portia.
- Estou à procura de lagartas para a minha colecção – respondeu-lhe Caramba,
com a boca cheia de erva.
A seguir pulou de uma cadeira...
E aterrou no colo do avô.
- Ai, Caramba! – assustou-se o avô. O que estás a fazer?
- Estou a admirar as tuas pantufas – murmurou Caramba. – São giras.

Caramba decidiu experimentar num dia de grande ventania.
Correu o mais depressa que conseguiu e agitou os dois braços.
- O que estás a fazer aí em cima? – perguntou Portia.
- Estou a baloiçar ao vento – disse Caramba, - para enxugar as minhas meias.
Esta foi a gota de água.
- Acabou-se – disse ele a Portia. – Nunca hei-de voar!

- O quê? Tu não sabes voar? – disse Bijou.
Caramba olhou para cima. Não quis acreditar no seu azar.
Eram Bijou e Bug, os seus primos, que planavam sobre a sua cabeça,
ronronando ruidosamente.
- Isso é ridículo – disse Bug. – Todos os gatos sabem voar.
- Caramba sabe fazer muitas outras coisas – disse Portia, - como contar histórias, coleccionar lagartas, fazer omeletas de queijo...
- Mas não sabe voar – riu-se Bug,
- Qual é o teu problema, Caramba?

Caramba não respondeu.
O que é que ele podia dizer?
Que tinha medo de voar? Que tinha vertigens?
Que de cada vez que tentara voar, tinha falhado?

A rir e aos ziguezagues, os dois gatos afastaram-se a voar.

- Podemos fazer uma coisa diferente – disse Portia. – Vamos andar de barco.
- Não quero fazer uma coisa diferente – disse Caramba. Apetece-me ficar sozinho.

Caramba caminhou devagar até ao pontão.
- O que é que se passa comigo? – pensou -. Porque é que eu não sou como os outros?
Imaginou como seria bom poder voar, flutuar como uma nuvem,
sentir-se leve como uma pena, livre como um passarinho,
ser igual aos outros gatos.
Devia ser fantástico.

Bijou interrompeu os seus pensamentos ao aterrar com um grande alarido.
- Tive uma ideia – disse, - vamos dar-te lições de voo.
- E se me deixarem cair? – disse Caramba. – E se...
- Não sejas medricas – disse Bug. – Todos os gatos voam.
E cada um segurou Caramba por uma pata.
Levantaram voo com o Caramba.
O vento assobiava baixinho.
Pássaros voavam para cá e para lá.
Caramba estava maravilhado.
Lá do alto avistava-se tudo, até ao infinito.

Lá do alto ele via florestas e rios,
casas pequeninas com telhados vermelhos
e campos coloridos como mantas de retalhos.
Era estupendo.
Era assustador.

Ao sobrevoarem o oceano,
que se agitava debaixo deles como um animal a espreguiçar-se, perguntaram-lhe:
- Estás pronto?
Com a garganta seca, Caramba só conseguiu murmurar: - Não.
Mas os primos não o ouviram e largaram-no.
- Voa, Caramba! – gritou Bijou. – Dá aos braços! Gira a cauda!
Mas em vez de voar, Caramba caiu dentro de água que nem uma pedra.

À sua volta formaram-se muitas bolhas.
As algas faziam-lhe cócegas nas patinhas.
Caramba abriu os olhos. Um cardume de peixes olhava-o fixamente.
Caranguejos deslizavam sobre a areia do fundo.
Ouriços e estrelas-do-mar aqueciam-se à luz azul.
O pêlo de Caramba ondulava suavemente.

Ele estava a flutuar dentro de água!

Caramba agitou os braços... e deslizou de um lado para o outro!
Caramba girou a cauda... e elevou-se através das algas.
Deu cambalhotas e reviravoltas.
Sentia-se leve como uma pena.
Livre como um passarinho.
Era como se estivesse a voar!

À superfície, Portia, Bug e Bijou estavam muito preocupados.
- Caramba! – gritavam eles. – Caraaaaamba!

De repente Caramba saltou de dentro de água:
- Estou aqui! – gritou.

Os primos ficaram de boca aberta ao vê-lo aproximar-se do barco a nado.
- O que estás a fazer? – perguntou-lhe Bijou. – Os gatos não sabem nadar!
- Mas eu SEI nadar! – disse Caramba.

- E que tal? – perguntou Portia.
- Espectacular! – disse Caramba, enxugando as orelhas. – Devias experimentar.
- Um dia destes... – disse Portia. – Quem sabe? Talvez os porcos saibam nadar.

Anónimo disse...

Carla:
A tua história alegrou-me um pouco.
O segredo de saber viver está aí: trocar o que não se pode fazer por o que se pode e achar prazer nisso.
Já fui assim. Agora não consigo.
Dantes eu queria voar e sentia asas. A pouco e pouco as penas foram caindo e nadar não sei porque tenho medo do mar. Amo-o, mas temo-o.
O Martim deve ter adorado a história. Que Deus o deixe sonhar com asas e que elas o levem longe, bem longe a um mundo azul onde haja paz e lugar ao sonho. Ele e todos os outros Martins da minha vida.
Beijinho e obrigada pelo sorriso que o teu poema me deu.
Maria

Sendyourlove disse...

nemy...tb existe um espaço desses aqui na Amadora, da Santa casa da Misericordia...