sexta-feira, 6 de março de 2009

Recordações da Maria


Hoje Antunes Ferreira conta na sua “Travessa”, uma história de um casal de cegos e do seu filho, que vê. Comoveu-me a delicadeza, a ternura, com que o faz. Aconselho-vos, não só esta, como todas as histórias dele. Esta fez-me lembrar a minha história.
Tudo começou, num tempo em que ainda não havia vacina da poliomielite. Eu tinha menos de 3 anos. Acordei uma manhã, com uma dor horrorosa de cabeça, sem falar e com a cara toda repuxada e paralisada, do lado do direito. Chamado o médico, logo a doença foi diagnosticada. Uma ida ao Porto a um pediatra e análises várias, entre as quais uma punção lombar, confirmaram a opinião do primeiro.
Estavam os antibióticos a dar os primeiros passos. Em Portugal era quase impossível obtê-los, restava Espanha. Telefonemas, telegramas, que sim senhor havia, mas alguém teria de ir à fronteira buscá-las. Foi um tio e o primeiro médico. Numa corrida contra o tempo, foram e voltaram de Vilar Formoso, já com os preciosos frasquinhos de “Estreptomicina”. Isolamento em quarto, onde só entravam os meus pais, o médico e uma tia, a minha irmã desmamada. A cara ia voltando ao sítio, já conseguia comer, já podia voltar a Tomar, estar ao pé dos meus manos. Mas o calvário ainda não acabara. Foram meses de “Correntes Galvânicas” na cara, até tudo voltar ao lugar. Tudo, menos o nervo óptico, paralisado até hoje. Lamentar-me eu? Não. Só tenho que me sentir grata. Grata por não ter ficado numa cadeira de rodas, grata por que um dos meus olhos vê, grata aos médicos que me trataram, grata aos meus pais e tios que tudo fizeram por mim.
Às vezes não é só gratidão. Sinto que fui uma privilegiada. Entre tantos que tiveram a mesma doença, fui a menos marcada. O olho direito não vê, mas tenho o esquerdo. O outro, com eu digo, é para enfeitar. Dizem que os meus olhos eram bonitos, mas o que importa é que um deles vê. Esta foi mais uma lembrança agri-doce da minha infância feliz.
Até um dia destes.

12 comentários:

Kim disse...

Marie!
Às vezes os olhos sentem o que não veêm.
Não é importante!
O que é preciso é que ainda saibas destrinçar as cores das rosas com que deves presentear cada alma.
Safaste-te e isso é o que reza a história.
Benvinda ao mundo dos vivos!
(cada vez que releio os meus comentários vou detectando cada calinada que até parece duma criança que agora entrou na escola)
AS MINHAS DESCULPAS

Maria disse...

Kim:
As calinadas são próprias de todo o ser humano.
Quem não as dá?
Só contei esta história velha de 61 anos, por ter lido a história do Antunes Ferreira. É que me fez pensar, que às vezes tenho medo de perder a visão por completo e sei que, iria desesperar. Não ver os meus netos crescer, não conseguir distinguir, nos olhos e expressões dos que me são queridos a alegria e a tristeza, não saber a cor das flores, não ler os meus adorados livros, etc. Depois, esqueço o medo e volto a estar feliz por ter sido, de certa forma, uma, entre tantos, que conseguiu safar-se quase sem grandes marcas, dessa doença horrivel. Benditas vacinas. Bem aja quem as inventou.
Beijinho
Maria

Kim disse...

Tens razão Marie, toda a gente dá calinadas mas eu tenho obrigação de as não dar, mas aqui nem sempre estou com atenção e não releio o que escrevi, logo n em dou conta se alguma coisa está mal.
Já me aconteceu chamar Senhora Ervilha a uma rapariga..
Hoje é só para te dizer que eras uma menina muito bonita e a tua mãe também mas neste dia não estavas muito contente.
Há dias assim! Ahahaha
Bjs

Maria disse...

Kim:
Acho que nesse tempo, não gostava muito de estar presa. Como eu gostaria hoje, de ter os mesmos braços a rodear-me! E já lá vão quase 37 anos, que pela última vez, beijei o rosto da minha mãe.
Que falta me faz ainda!
Beijo
Maria

Anónimo disse...

Querida Maria,
Compreendo na perfeição o que sentes.
Não me lembro de como aconteceu comigo. Tinha 15 meses. Foi em Angola e a vacina chegou uns meses depois. Sei o que se passou através dos meus pais.
Das estadias no Hospital, lembro as companheiras de quarto, algumas com a mesma doença e sequelas bem mais complicadas do que as minhas.
Como tu não me queixo, nem me lamento. Pertenço ao número dos que foram bafejados pela sorte, e agradeço, em cada dia da minha vida, a Deus, ao meu médico, e a quem tanto se sacrificou por mim.
É hoje uma doença muito controlada e quase erradicada. É também este génio humano que admiro e que me enche de esperança num mundo melhor.
Beijinho amigo e carinhoso
Nemy

Maria disse...

Minha querida Nemy:
Eu sei, que de todos os que leram a minha história, és a que melhor me podes entender. Fomos umas sortudas, amiga. Ainda hoje, quando passo por alguém com menos sorte do que nós, fico muito perturbada e me pergunto a razão pela qual os outros têm de sofrer até ao fim da vida, as sequelas dessa horrivel doença, que felizmente agora, já tem vacina.
Ao mesmo tempo que eu, algumas crianças amigas tiveram-na e, quando as vejo, sinto-me estúpidamente culpada.
Sabes, Nemy? Foi a primeira vez que vi o meu pai chorar. Essa é uma das lembranças mais tristes, que tenho dessa altura. De resto, até tenho lembranças boas. Fui muito mimada e tive uma amiga, quase uma irmã, que subiu de joelhos, as enormes escadarias de Nossa Senhora da Piedade, em Tomar. Quando acabou, os joelhos dela escorriam sangue, mas ela ria-se, beijava-me, rezou que tempos, aos pés da Senhora, pois para ela, fora a sua fé, que me salvara.
E assim, uma época dolorosa e triste, teve coisas boas, que ainda hoje lembro, com muita ternura e gratidão, por todos os que ajudaram os meus pais e a "menina" de todos eles, num momento muito mau, que acabou bem.
Tu, minha querida, merecias toda esta conversa, que espero um dia, seja tida cara a cara.
Beijo.
Maria

Anónimo disse...

Obrigada, querida Maria, pela amizade e pelo carinho.
Beijo de saudades
Nemy

Carla D'elvas disse...

em silêncio...
deixo um abraço, carinhoso, para ti e para a Nemy.

Maria disse...

Carla:
Isto que se passou, era eu pequena.
As marcas, fisicas e morais foram poucas. Já passei e passo por coisas mais graves. Há que aguentá-las até um dia.
Beijo
Maria

pico minha ilha disse...

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....._.;_“.-._ COM CARINHO

Neste dia da mulher.Beijinhos

Maria disse...

Pico minha ilha

Beijinho amigo

Anónimo disse...

Carla,
Um abraço carinhoso enche-me sempre a alma e o coração. Obrigada. Retribuo com ternura
Nemy