segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Apúlia e os Sargaceiros


O norte tem belas praias. Entre a Foz do Douro e Caminha são muitas e algumas muito belas. Têm grandes areais, sol, mas as águas são frias. Daí, a fuga para as praias do Alentejo e Algarve.
Nunca gostei de ir à praia, mas há algumas que me encantam no Norte: Póvoa do Varzim, Ofir, Moledo, Vila Praia de Ancora. Não é, no entanto de nenhuma delas que vou falar. Nem de Verão. Nem de férias. Vou falar de trabalho, um trabalho duro, perigoso, mas que me prendeu a vista e a admiração, por um povo diferente, que vivendo do mar não é pescador, correndo riscos, gelando dentro de água, de Inverno ou de Verão, para retirar do mar o sargaço que lhes irá adubar a terra e torná-la fértil e rica. A Apúlia, que tem um património arqueológico notável, nunca foi terra de pescadores. É terra de lavradores e apanhadores de algas, os Sargaceiros. São homens admiráveis. Vestidos de forma tradicional, o seu traje consiste num longo casaco de abas, que o cobre até meio das coxas, sendo apertado na cintura por um cinturão negro de cabedal. É feito de pura lã de cor natural, tem mangas justas, punhos altos bordados tal como a gola, com carreiras de pespontos. É todo cosido à mão e tem o nome de branqueta.
O chapéu, feito do mesmo material, tem dois bicos, um para trás, outro para a frente. Chama-se Sueste. Assim equipados, com o Galhapão, espécie de camaroeiro gigante, entram dentro de água, mergulham a rede no mar, para a retirarem cheia de sargaço, a alga que irá adubar a terra. Geralmente, aí têm a ajuda das mulheres que os auxiliam a puxar o galhapão. Estas, vestem saia do mesmo material da branqueta, blusa branca e corpete bordado. Mais frágeis, não entram no mar.
É bela a Apúlia. Tem prados verdes, campos de cultivo de cereais, batata, legumes.
A bem da verdade, esta era a Apúlia de há quarenta e tal anos, quando a conheci. Ao que sei, ainda há sargaceiros, mas vestem de
oleado e provavelmente tirarão o sargaço de outra forma.
Mas a Maria, que devia chamar-se Saudade, continua a vê-los assim.
Adeus Apúlia, terra bonita da minha juventude. Adeus sargaceiros, meus heróis de um dia. Talvez um dia volte, não sei. Tudo deve estar diferente. Não quero saber. Desejo todo o progresso possível para a terra e os homens do sargaço, mas deixem-me com as minhas lembranças.
Até um dia destes.

10 comentários:

Kim disse...

Pois Maria! É mais um moliço das nossas vidas.
Não sei como se processa, hoje em dia, a apanha dos sargaços, mas julgo que dever ser uma pêra doce, nada parecido com aquilo que já foi.
O meu respeito por estes homens de ferro.
Beijinhos Marie

Anónimo disse...

Kim:
Só agora te respondo, porque tenho estado de molho com uma crise de rins (mais uma). Já estou farta disto. Não há meio de descobrirem o que se passa e eu é que me tramo. Hoje, parece que estou melhor, mas pouco.
Valha-me Deus, que nos médicos já não tenho fé.
Estou cheia de medicamentos, enjoada e farta desta inatividade forçada.
Beijo
Maria

Carla D'elvas disse...

Querida, Maria:

Lembro-me bem de vê-los passar em Vila Praia de Âncora, Moledo e na Insua :)
... Ainda, hoje, os vejo!... e são tantas as vezes, que encontro algas nas ruas da vila!
A apanha do sargaço, continua a ser uma prática comum no Alto Minho, junto ao litoral.

Deixo-te, um Poema de um amigo que tanto amou o Minho e as suas gentes...

APÚLIA


Ó praia azul, das mãos de El-Rei herdada
Quem te roubar não deu à Pátria ouvidos.
E os filhos dela, em branca revoada,
Exigem os espólios, devolvidos

Nestas paragens há bezerros de oiro
Que, em vão, procuram ébrios, ajoilhados.
O Povo, aqui, é principesco e loiro
E guarda o culto dos antepassados

Apúlia eterna! Apúlia independente!
Muro a deter toda a invasão secreta.
Não sou ninguém, mas sou alguem que sente
Em vós, Irmãos, minha alma de poeta.


Deixem-nos, sós, viver livres, ao menos,
Se deram vida (a sua vida!) ao mar.
Ai! Sargaceiros já não têm terrenos
Onde os seus barcos possam descansar!


PEDRO HOMEM DE MELLO
Junho de 1973


Um beijinho e as tuas melhoras :)

Anónimo disse...

As tuas melhoras Tia Maria.
Beijinhos meus do Diogo, da Mariana e mais da Mãe.

MARTIM =)

Anónimo disse...

Carla:
Gostei muito do poema. Pedro Homem de Melo, foi amigo de minha mãe, nos tempos que ambos viveram em Águeda. Mais tarde, no Porto, frequentava o mesmo café que o meu pai e davam-se bem, apesar das ideias políticas serem diferentes.
A mulher, D.Helena Pamplona, foi minha professora.
Beijinho
Maria

Anónimo disse...

Martim:
Já estou um bocadinho melhor, mas ainda não tenho grande coragem para escrever.
Agora levantei-me um bocadinho, mas vou voltar para a cama.
Amanhã ou depois, já devo estar melhor. O antibiótico já está a dar cabo dos malvados bicharocos.
Beijinhos para os 4 da
Tia Maria

Carla D'elvas disse...

Maria:

Pedro Homem de Melo foi amigo do meu Avô :)
Morava em Afife, no Convento de Cabanas, junto ao rio.
Foi neste local, fabuloso, que escreveu a maior parte da sua obra. Aqui "cantou" o Minho de Afife á Serra D´Arga :)
... Era habitual encontrá-lo na esplanada de Afife.
O mundo é pequeno, amiga!

Deixo-te, o meu Poema preferido, do "nosso" grande Pedro:

Mansa criança brava,
Fui das mais,
Diferente.
Então, tristes, meus pais
Sentiram, certamente,
Em mim, como um castigo!

Noite e dia eu sonhava...
E era sempre comigo!

Depois, fugindo à gente
Eu procurava as flores,
Em todas encontrando
Jeito grácil e brando
De brinquedos e amores...

As violetas sombrias
Dos bosques de Cabanas
Essas, sim! Entendias
E julgava-as humanas!...


Poema “Berço” do livro “Estrela Morta” de Pedro Homem de Melo



Beijinhos dos 4!

Já estás melhor, amiga?

Anónimo disse...

Carla:
Mais um belo poema de um poeta, que tem sido um pouco posto de lado. Eu gosto dele. Obrigada pelo poema.
A vida dele foi dividida entr 3 Terras: Cabanas Afife, Águeda e Porto.
Estou um pouquinho melhor, mas ainda sem coragem de estar aqui muito tempo. Desta vez deu-me forte. Mas há-de passar.
Beijos para os 4
Maria

Anónimo disse...

Aqui também temos sargaço e há pessoas que vão buscar para as terras.Pelo que vejo aqui ao lado está da cama, aqui também de molho com uma gripe.Beijinhos Maria e as melhoras.
Salomé

Anónimo disse...

Salomé:
Obrigada pelos desejos de melhoras, que retribuo.
Espero que isto passe depressa, para nós as duas.
Em vários pontos do país se usam as algas, como adubo. Na Ria de Aveiro aproveitavam o moliço. Um dia conto.
Beijino para si e saudades ao Pico
Maria