segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Carta para Margarida




Foram muitas as cartas que trocámos. Nelas contávamos tudo o que fazíamos, sonhávamos e pensávamos. Nelas falávamos de amores e desamores, de ilusões e desilusões, combinávamos loucas fugas para Paris e sonhos de uma vida diferente da que tínhamos. Havia sempre um P.S. nessas cartas: Rasga e queima.
Tínhamos medo da censura da minha mãe e da avó. Isto hoje fará rir. Que segredos escabrosos teriam duas raparigas para contar uma à outra? Para a actualidade nada demais. Eram cartas sinceras, quase ingénuas. Mas para aquele tempo, eram ousadas. Falávamos de coisas que a avó, a minha mãe, ou a tia, nem sonhavam que nós sabíamos, sentíamos, ou desejávamos.
Na última vez que estivemos juntas não falámos. De mãos dadas, olhos nos olhos, dois cigarros, tivemos a mais íntima conversa das nossas vidas. Lembrámos sonhos partilhados, dores só de nós sabidas, alegrias vividas em conjunto. No fim, abraçámo-nos longamente, silenciosas, com duas lágrimas que se misturaram nas nossas faces unidas. Não foi adeus. Foi até sempre, até ao último dia da minha vida. Faz hoje anos. Faz também anos que a avó partiu.
Tenho saudades das duas. Saudades das nossas conversas sem fim. Saudades das histórias do passado da avó.
Beijos para as duas e a certeza de que enquanto eu viver, alguém neste dia vos lembrará com muito amor.
P.S. Não rasgues, nem queimes. Já não é preciso.
Até um dia destes.

8 comentários:

Vasco disse...

Mais um que não esquece a data. - A avozinha, já não tive a felicidade de a conhecer pessoalmente. Digo pessoalmente, porque, de tanto ouvir falar na minha bisavó, fiquei a conhecer algumas coisas; Quanto à minha tia, tive o privilégio de a conhecer pessoalmente e foi das pessoas que me custou mais ver ir embora. Era a tua melhor amiga, e vocês tinham uma cumplicidade fora de vulgar!
Eram parecidas em gostos: Espanhol, Paris, Tangos, cigarros, etc..
Beijos para as três.

Anónimo disse...

Meu Corvo:
Sabes bem o que elas duas foram para mim.
Uma, a avósinha que toda a gente sonhou.
A outra, a maior amiga que tive e que ninguém conseguirá igualar.
Pareciamo-nos muito sim, mas havia muito mais a ligar-nos. Os sonhos, os livros, as músicas, a vontade de viver uma vida diferente.
O cigarro foi a nossa primeira rebeldia, a única que embora criticada, nos era tolerada.
Houve outras rebeldias mais secretas. Coisas que hoje qualquer miuda de 13 anos faz.
Beijinho por te lembrares
Mãe

Carla D'elvas disse...

Adorei o texto, Maria.
Obrigada, pela partilha.

Beijos dos 4 :)

Anónimo disse...

Querida Carla:
Beijos para os 4
Maria

Kim disse...

A vida tem destas partidas. E a morte faz parte da vida.
É assim quando uma lágrima nos lava o rosto e a saudade queima a alma.
Como eu te percebo Petite Marie!

Anónimo disse...

Kim:
Perder um amigo, no caso, a melhor amiga, é uma dor diferente de todas. É perder com ela, uma parte da nossa juventude, da nossa alma.
Ela levou segredos só de nós sabidos. Eu guardarei até à morte, os mesmos segredos, as ilusões e sonhos, sonhados pelas duas. Alguns realizei-os eu.
Enquanto estive em Paris, com outras companhias, igualmente queridas, por vezes sentia que ela estava ali.
Com ela andei por Montmartre, pelo Louvre, num passeio no Sena. Com ela subi à tour Eiffel e corri os boulevards.
Entendes, tu? Eu sei que sim.
Beijo
Maria

Anónimo disse...

Beijinho amigo
Nemy

Anónimo disse...

Obrigada pelo beijinho.
Outro para ti
Maria